O dilema das redes sociais e seus impactos

Limadaphny
Semiosis
Published in
6 min readMay 26, 2023

“O Dilema das Redes” aborda a complexa relação entre os benefícios oriundos dos avanços da tecnologia e os problemas associados ao uso indiscriminado das redes sociais na internet.

O Dilema das Redes documentário lançado pela Netflix em 2020, dirigido por Jeff Orlowski, conta com a participação de ex-funcionários e executivos de empresas como Google, Facebook e Twitter que expõem os perigos causados pelas redes sociais. Eles escancaram o domínio que essas mídias exercem no cotidiano da sociedade, influenciando na forma em que pensamos, agimos e vivemos. Jogando luz sobre os bastidores das grandes empresas de tecnologia, o documentário expõe a necessidade de se atentar para a gratuidade dos aplicativos de redes sociais, uma vez que, como disse o ex-designer do Google, Tristan Harris: “se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”.

Dentre os inúmeros pontos apresentados e discutidos pelo documentário está o monitoramento constante exercido pelas redes sociais, já que fornecemos dados pessoais às plataformas a todo momento. De acordo com o nosso comportamento nas redes, o algoritmo trabalha para que apareçam no nosso feed apenas opiniões e conteúdo que nos interessam, criando-se assim uma realidade personalizada, a chamada bolha de informação. Esse cenário reforça as convicções pessoais de cada um e leva a pessoa a entender seu ponto de vista como traço absoluto da verdade. Nos encontramos em um momento, marcado pelo que se chama de pós-verdade, no qual ficções e distorções factuais podem ganhar contornos de realidade. Partindo de um pressuposto lógico, moral e ético, fatos e verdades científicas deveriam apresentar mais penso nas deliberações coletivas do que percepções pessoais e crenças; porém o que ocorre, atualmente, é justamente o contrário. A realidade pouco importa e sim a percepções que se pode produzir a partir dela. Em suma, essa nova era tem como objetivo produzir discursos que contradizem a realidade criando, assim, teorias da conspiração e disseminando fake news.

Por sua vez, Anna Lembke, especialista em dependência da Universidade de Stanford, explica que essas empresas exploram a necessidade evolutiva do cérebro de conexão interpessoal. Logo, um dos resultados imediatos desse vício e dependência desproporcional se reflete em refeições silenciosas, problemas de autoimagem, e posições radicais pelas recomendações desses algoritmos, que promovem ideologias vagas. Muitos dos entrevistados neste documentário, sequer permitem que os seus próprios filhos acessem as redes sociais. Serve para reflexão. Os criadores, os executivos do negócio não querem que a própria família faça uso dos produtos dos seus negócios.

Estudos se situam logo no início do século XX — com o início da imprensa de massa, a criação do cinema, do rádio e da TV — e explicitam que o poder dos meios de comunicação e sua capacidade de influência no modo de vida da sociedade podem ser percebidos bem antes da popularização da internet. Atualmente, encaramos um novo nível, uma nova fórmula, com novos métodos de condicionamento de opiniões e comportamentos. Percebemos, na relação entre as redes sociais e os usuários, o uso da ferramenta behaviorista para criar e manter uma dependência — daí o termo usuário. Como citado no documentário analisado, somente duas indústrias utilizam tal termo ao tratar de seus clientes: a das drogas ilegais e a de softwares.

Entretanto, assim como é apresentado pelo documentário O Dilema das Redes, um novo nível de manipulação surge sempre que um novo meio de comunicação se apresenta.

A grande questão é que, nas redes sociais, tudo isso é coletado em forma de dados, através de uma inteligência artificial que entende e define um padrão de comportamento. Para ilustrar, o documentário retrata um dos personagens como boneco de vudu e apresenta a base e os principais objetivos das empresas, que são engajamento, crescimento e publicidade. Dilema das Redes se aprofunda nesses pontos e coloca que a tecnologia persuasiva busca uma mudança de comportamento. É por isso que cada vez mais especialistas estudam psicologia e neurociência para entender como nossa mente funciona e aplicar isso às mídias sociais.

De acordo com a perspectiva de Mauro Wolf (1987), as mensagens da mídia são adequadas e interagem de maneira diferente com os traços específicos da personalidade dos destinatários. Analisando em associação com o documentário, é possível entender melhor esta dinâmica. Com a personalização dos conteúdos nas redes sociais, são provocadas reações e desejos únicos. A linha de raciocínio construída para encantar e engajar os espectadores das mídias sociais digitais acaba seguindo o mesmo padrão econômico cultural pré-definido das mídias tradicionais tratadas no texto de Wolf

Construídos propositadamente para um consumo descontraído, não comprometedor, cada um desses produtos reflete o modelo do mecanismo econômico que domina o tempo do trabalho e o tempo do lazer. Cada qual volta a propor a lógica da dominação que não se poderia apontar como efeito de um simples fragmento mas que é, pelo contrário, próprio de toda a indústria cultural e do papel que ela desempenha na sociedade industrial avançada. (WOLF, 1987, p. 37)

É evidente, no entanto, assim como confirma o autor, que à medida que as posições da indústria cultural se estabelecem e se enraízam, mas elas podem agir sobre as necessidades do consumidor, guiando e disciplinando suas atitudes, opiniões e, como expõe o documentário, o próprio clique. Em O Dilema das Redes, esta reflexão torna-se pertinente, mas vai além ao revelar que, hoje, o usuário se torna produto, e não somente consumidor: os clientes são as outras empresas que investem dinheiro nas redes sociais e pagam para ter todas as informações sobre o usuário. Não obstante, independentemente de ser considerado consumidor ou produto, o usuário permanece guiado e disciplinado pela combinação infalível do algoritmo com o design de interface e com o conteúdo estrategicamente elaborado, fazendo escolhas pautadas menos na consciência e mais na dependência emocional do ambiente virtual.

Itânia Gomes (2005), em seu livro Efeitos e Recepção, também apresenta elementos importantes para essa reflexão. A autora destaca uma contribuição direta dos estudos da Sociologia e Psicologia para o campo da comunicação. Através dessas contribuições, Gomes destaca que as diferenças psicológicas individuais passaram a se colocar entre emissores e receptores. Os efeitos das mídias tornaram-se dependentes da eficácia da mensagem; a teoria da agulha hipodérmica se torna antiquada, uma vez que é incompatível com a realidade que o público-alvo é inerte e passivo. Passa-se a compreender a capacidade de persuasão das mensagens segundo a personalidade do público, ou seja, cada grupo de pessoas reagirá à mesma mensagem de maneiras diferentes.

Ainda nesse sentido, existem cinco princípios que categorizam as reações da audiência sobre os conteúdos expostos. O princípio da exposição seletiva afirma que a audiência não se expõe aos meios num estado de nudez psicológica; pelo contrário, ela apresenta predisposições já existentes enquanto o princípio da atenção seletiva relata como diferenças individuais resultam em diversos modelos de atenção ao conteúdo dos media. Os princípios da percepção e ação seletiva dizem respeito a diferenças em fatores cognitivos, culturais ou sociais que implicam diferentes processos perceptivos e distintas interpretações da realidade e uma ação individualizada mediante a exposição à determinada mensagem dos media. O que O Dilema das Redes evidencia é que as mídias sociais, atentas para as predisposições psicológicas dos internautas, tentam limitar e controlar, de alguma maneira, as possibilidades de recepção. Com a personalização dos dados, as redes sociais apresentam uma realidade paralela, irreal, que são personalizadas individualmente para que o usuário acredite que todas suas conexões são compartilham da mesma opinião. A modificação é tanta que traz o questionamento sobre o que é realmente verdade.

Desta forma, podemos perceber a grande influência exercida pelos meios de comunicação na formação sociedade moderna e em sua segmentação. Apesar da inquestionável força da internet e das adaptações feitas para deixar-nos ainda mais expostos a ela, passamos a compreender que esse é um aprimoramento de um modelo antigo. A atenção humana é a mercadoria vendida para o anunciante disposto a pagar o valor mais alto.

Referências

CINEMA, A. sob, & OPINIÃO. (2020, October 16). O Dilema das Redes. ARTE NO SUL.

https://wp.ufpel.edu.br/artenosul/2020/10/16/dilema-das-redes/

O QUE APRENDER COM O DILEMA DAS REDES. (2020, October 16). Matheus Dantas.

https://www.matheusdantas.com.br/post/dilema-das-redes-document%C3%A1rio-netflix

‌ WOLF, Mauro. Teoria da Comunicação. Lisboa. Editora Presença, 1987.

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