O Nome da Rosa: uma história da era medieval

Mariana Martins
Semiosis
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7 min readApr 30, 2022

Introdução

O presente trabalho foi elaborado no âmbito da Unidade Curricular de Cultura Literária, por docentes do primeiro ano do curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Algarve.

A obra escolhida para a realização deste trabalho foi “O Nome da Rosa”, uma história medieval passada no ano de 1937.

Neste trabalho pretendemos não só fazer um resumo e apresentar uma crítica relativamente à mesma, mas também uma breve biografia do autor. Além disso, iremos também apresentar algumas curiosidades acerca da obra e comparar esta com o filme do mesmo título, cuja inspiração é este livro.

Biografia do autor

Umberto Eco nasceu em Itália, mais precisamente no ano de 1932 em Piemote, e veio a falecer em 2016, aos 84 anos. Foi um dos escritores italianos mais prestigiados, e “O Nome da Rosa” foi um dos seus maiores sucessos literários, ainda no século XX, e foi também o seu primeiro romance posteriormente adaptado para filme em 1986.

Este estudou filosofia e literatura na Universidade de Turim, onde mais tarde se tornou professor. Os seus primeiros trabalhos foram dedicados o estudo medieval, sendo esta uma das particularidades dos seus livros. Exerceu ainda uma grande influência sobre os meios intelectuais ao estudar os fenómenos ligados à comunicação de massas.

Resumo e análise da obra

O mais célebre romance de Umberto Eco é o resultado de todas as suas grandes paixões. A semiótica e a história medieval, a religião e a Europa, os símbolos, a lógica e a Academia, mas também os comuns mortais, os desprovidos de conhecimentos e a cultura de massas, juntamente com a Arte e a eterna discussão entre o que é e o que não é belo. Todas estas razões levaram-no a escrever O Nome da Rosa, a sua primeira obra literária de ficção.

Na premissa, o escritor traduziu um livro que lhe foi dado em 1968 por alguém chamado Abbé Vallet, que por sua vez era uma tradução francesa de um texto em latim escrito por um monge idoso, Adso de Melk, na Itália do século XIV. O texto original de Adso circula o mote da obra, uma história de investigação em redor de misteriosas mortes em uma abadia não nomeada, no ano de 1327, que o próprio Adso testemunhou em primeira mão durante a sua juventude enquanto seguia o seu mestre, o frade franciscano Guilherme de Baskerville — o sobrenome do frei foi escolhido por Eco em homenagem a O Cão dos Baskervilles, de Arthur Conan Doyle. Assim sendo é necessário referir que os relatos da obra são na sua maioria fictícios. Eco como professor de semiótica e historiador, dilui eventos reais do período e discute temas complexos do dogmatismo e do clero.

A referência a Sherlock Holmes é proposital para o estilo de narrativa “de investigação” do livro em torno das estranhas mortes na abadia. Mas, diferente do que a adaptação do livro demonstra, a investigação é apenas um artifício narrativo, quase uma desculpa, para Eco trabalhar debates teológicos e filosóficos de forma crítica e irônica contra o pensamento sectário.

O autor tem uma abordagem metódica de questionamento das verdades da Igreja, utilizando a figura sherlockiana de Guilherme como representação da racionalidade, debate, tolerância e, em suma, da Ciência, versus a capela doutrinária hermética e intransigente do catolicismo.

O background histórico para essa discussão é bastante rico, incluindo um conflito doutrinário em torno da pobreza apostólica no século XIV, que obrigava que os cristãos vivessem sem possuir qualquer propriedade, perspetiva defendida pelos franciscanos, do qual Guilherme faz parte na história.

O Papa João XXII fez todas as tentativas para bloquear a progressão desse pensamento religioso, com medo de que isso pudesse ameaçar a riqueza e propriedade de terras da Igreja, além do controle sobre os camponeses. Os franciscanos espirituais lutavam por esse pensamento mais próximo de igualdade e de abnegação, sendo apoiados por Luís IV, então rei dos romanos e da Itália, e liderados por Michele de Cesena — personagem ativo no livro.

A ficção histórica de Eco passa-se nesse período, onde o líder franciscano se encontraria com homens do papa para por fim ás suas diferenças de forma pacífica e privada. Guilherme serviria como mediador por conta do seu intelecto e passado como membro da Inquisição. No entanto, ao chegar á abadia, junto de Adso, o frade descobre que um monge faleceu após cair de um edifício –existem vários debates sobre o suicídio nessa parte inicial, nas primeiras interações provocativas de Eco contra a hipocrisia da Igreja, que prefere esconder ou negar o possível evento do que relevar a verdade. Contudo, mais mortes insólitas ocorrem, com o abade deixando o mistério nas mãos de Guilherme antes que a delegação do papa chegue.

Este fundo histórico , no entanto, não é explicado por Eco. A narrativa vai aos poucos desmistificando as questões históricas, mas o autor distancia-se o máximo possível de didatismo. O leitor é envolvido no meio desse conflitos sem qualquer aviso prévio, o que torna a parte inicial do livro difícil de ler. Se o leitor não estiver realmente focado na leitura do livro, provavelmente esta não será uma experiência agradável , pois exige do leitor o máximo de atenção e paciência. A prosa de Eco também contém inúmeras passagens em latim, mantidas intactas do material original, o que, novamente, acrescenta complexidade à leitura.

Apesar da narrativa não ser exatamente didática, a estrutura do enredo está bem delineada para o leitor. Isso é fruto do manuscrito de Adso, que está dividido em sete dias e cada um dos dias em períodos correspondentes às horas litúrgicas.

Há uma segmentação clara do estilo narrativo em cada período, com os momentos matinais revelando diversos debates entre Guilherme e uma classe gigantesca de diversas figuras da igreja, enquanto as partes próximas do recolhimento dos monges ocorrem mais em torno da investigação. Ao nascer do dia esperavam-se discussões calorosas e interpretações bíblicas, enquanto o período noturno guardava os segredos sombrios da abadia que eram descobertos pela dupla principal através de labirintos secretos.

Eco tem um controle gigante sobre a pluralidade narrativa e temática do livro. Os debates teológicos destacam seitas religiosas, análises bíblicas, reflexão política e dogmática, estudo medieval e até paródia do catolicismo, inclusive com um dos temas principais da obra sendo a proibição, ou pelo menos visão prejudicial, do riso.

Existe até mesmo um capítulo metafísico e onírico de uma visão de Adso repleta de metáforas. A narrativa vai de Aristóteles até os terríveis dolcinianos, que discutem o machismo, pedofilia, intolerância religiosa, acúmulo de poder, relações governamentais, existencialismo, moralidade, etc.

As discussões ganham um caráter teatral nas descrições de Adso. Mas a tendência de argumentação é sempre bem diluída no mistério da investigação, com bom uso de pistas, suspeitos e a própria Literatura como meios de exemplificar as hipocrisias religiosas descritas no debate. Também se torna bastante interessante o desenvolvimento investigativo e dedutivo de William tendo em conta o meio de tradição mesquinha e inflexível que existia, já que o frade vai desvendando os segredos hediondos da Igreja.

O objetivo desta obra é justamente utilizar a abadia sem nome, como um microcosmo de toda uma história manchada de sangue e atrocidades da Igreja.

Crítica

A semiótica e a história medieval, a religião e a Europa, os símbolos, a lógica e a Academia, mas também os comuns mortais, os leigos de conhecimento e a cultura de massas, juntamente com a Arte e a eterna discussão entre o que é e o que não é belo, são algumas das temáticas abordadas na obra

Quanto a uma das críticas possíveis a esta obra, prende-se com o facto da leitura da mesma ser dificultada por esta ser relativamente extensa, não só quanto ao número de páginas, mas também por algumas frases presentes no texto exigirem uma reflexão por parte do leitor, representando-se, desse modo, a leitura desta um desafio para os leitores.

Uma das frases que consideramos mais impactantes ao longo de toda a leitura e, por isso, decidimos destacar foi: “Somos anões, mas anões que estão nos ombros daqueles gigantes, e na nossa pequenez conseguimos chegar mais longe que eles no horizonte”.

Curiosidades

Uma curiosidade acerca da obra que consideramos pertinente que fosse ressaltada, foi o facto do título desta, “O Nome da Rosa”, ser uma expressão utilizada na idade média, cujo significado era o poder infinito das palavras.

A personagem Jorge de Burgos, criada por Humberto Eco, é uma homenagem a Jorge Luís Borges um escritor argentino que fascinava Eco. Além da semelhança no nome, é também cego, como Borges foi ficando ao longo da vida. Jorge de Burgos um respeitado ancião do mosteiro e o verdadeiro guardião da biblioteca e das boas maneiras intelectuais entre os monges. Vigilante, detesta e condena o riso no scriptorium, local de trabalho dos copistas e ilustradores: “o riso é incentivo à dúvida”, diz.

Livro vs filme

Foi feita uma adaptação da obra para filme por parte do realizador Jean-Jacques Annaud em 1986.

A obra literária e obra cinematográfica apresentam algumas diferenças, ainda que a base da história seja a mesma. O começo do filme é fiel ao livro, todavia, ao longo do desenrolar da história esta começa a apresentar algumas diferenças relativamente à original, principalmente no que toca à maior simplicidade concebida ao filme e à existência de menos pormenores.

Considerações finais

Em suma, consideramos a leitura deste romance de cariz cativante, visto que este aborda vários gêneros literários revelando-se, assim, uma obra bastante completa.

Este é um livro complexo dada prosa repleta de partes escritas em latim e pela narrativa densa em torno dos vários debates milenares de ciência vs. religião, e de crenças vs. diferentes crenças. Contudo, é essa complexidade que torna o livro tão rico, reflexivo e especial. O material original intrigante e mistura ficção e semiótica são utilizados para presentear os leitores com uma das leituras mais interpretativas e reveladoras da literatura.

Por fim, recomendamos a leitura desta obra a quem aprecie literatura, dada a riqueza da mesma não só no que toca ao seu vocabulário erudito, mas também quanto à história em si.

Mariana Martins e Raquel Reis

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