Pink Floyd: Somos apenas mais um tijolo numa grande parede?

Lara Paulino
Semiosis
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7 min readDec 13, 2023

Aqui, analisamos o excerto do filme The Wall e a música Another Brick in The Wall, Part 2. Nesta análise audiovisual percebemos uma das críticas sociais que esta obra nos entrega.

Conhecidos pelas críticas sociais seguidas de um espetacular solo de guitarra, não poderiam ser mais ninguém se não os Pink Floyd. Formada em 1965, a banda conta com uma discografia enorme, como podemos imaginar. Os Pink Floyd trazem consigo composições longas, uma sonoridade progressista e complexa, letras reflexivas e apresentações ao vivo incomuns.

Aqui, pretendemos analisar Another Brick in the Wall, Part 2, uma música pertencente ao álbum The Wall, lançado em 1979. No entanto, simultaneamente, vamos analisar um excerto do filme também denominado The Wall. Este é uma adaptação do álbum lançado alguns anos mais tarde, em 1982.

The Wall tornou-se sinônimo, se não a própria definição, do termo “álbum conceitual” (The Wall Analysis)

O álbum

The Wall dos Pink Floyd, como dito anteriormente lançado em 1979 é uma obra-prima progressiva que representa um marco na história da música, não apenas pela sua experimentação sonora inovadora, mas também pela narrativa conceitual que possui. O álbum, composto maioritariamente por Roger Waters, aborda temas como isolamento, alienação, as barreiras emocionais que construímos ao longo da vida, entre outros. Esta temática pode dizer-se que tem, de certa forma, como origem, o facto do álbum ter sido composto durante a guerra fria. A musicalidade extraordinária, juntamente com as letras profundas, criam uma experiência auditiva envolvente que transcende o convencional, estabelecendo The Wall como um dos álbuns mais influentes e atemporais da história do rock.

A música

Another Brick in the Wall, Part 2, a quinta música, captura a essência do álbum ao abordar temas relacionados ao sistema educacional, como por exemplo, a autoridade opressora e suas consequências na individualidade e na criatividade dos alunos. Além de sua mensagem social impactante, a fusão de elementos de rock progressivo solidificam a música como uma peça emblemática que transcende as fronteiras do tempo e continua a ressoar com audiências de todas as gerações.

A adaptação cinematográfica

The Wall é uma obra audiovisual que expande e enriquece a narrativa conceitual concebida pela banda. Como já referido, lançado em 1982 e dirigido por Alan Parker, o filme é uma jornada visual única que combina animação, live-action e performances ao vivo para dar vida à complexa história narrada pelo álbum. O enredo segue a trajetória do protagonista Pink, um músico atormentado, através de sua infância, que experiencia a traumática da guerra, a ascensão ao estrelato e a consequente construção de um muro emocional para se proteger do mundo exterior. A cinematografia impressionante, aliada às performances intensas e à trilha sonora poderosa, fazem deste filme uma experiência imersiva.

If you don’t eat yer meat, you can’t have any pudding

How can you have any pudding if you don’t eat yer meat? (Another Brick in The Wall, Part 2)

Neste excerto do filme toca de fundo a música Another Brick in The Wall, Part 2, assim sendo, iremos analisar os dois em conjunto para complementar a nossa análise semiótica audiovisual. Começamos por analisar o plano de conteúdo e só depois passamos ao plano de expressão. Em simultâneo, a partir da teoria peirceana será falado do nível qualitativo icónico. No final referimos o nível singular indicativo e convencional simbólico.

No plano de conteúdo, existem dois pontos, a narrativa e os personagens. A narrativa deste filme no geral seria a exploração das complexidades da mente humana através da história de Pink, abordando temas como alienação, a brutalidade da guerra, a superficialidade da fama e as consequências do isolamento emocional. No entanto, como pretendemos analisar apenas este excerto, a narrativa cai sobre um episódio de flashbacks do personagem principal, onde este volta aos seus tempos de criança e reflete sobre temas baseados na educação , tanto como a opressão criada pelos professores como a forma que o ensino limita o processo criativo dos alunos e a sua singularidade. Existem diversos personagens, mas os principais para a narrativa do excerto seriam o Pink, na sua forma mais jovem e os professores.

Foram escolhidas algumas imagens a dedo, estas duas são talvez das mais impactantes. Os códigos visuais juntamente com os sintáticos são geniais, a câmera foca em várias crianças a caminhar sincronizadas para entrar em algum lugar, e é no momento em que o enquadramento muda e câmera se afasta que percebemos que as crianças que entravam ali, saíam diferentes, agora com uma máscara tornando-as todas iguais. A iluminação baixa ajuda a criar este clima de mistério. Em relação aos códigos sonoros nesta parte ouve-se a letra.

We don’t need no education (Nós não precisamos de educação)

We don’t need no thought control (Nos não precisamos de pensamento controlado)

No dark sarcasm in the classroom (Nada de sarcasmo na sala de aula)

Teacher, leave them kids alone (Professor, deixe as crianças em paz)

Em relação ao nível qualitativo icónico, poderíamos afirmar que numa primeira vista de olhos esta cena é um pouco “Creepy”. Não apenas pela forma sincronizada e padronizada como tudo acontece, mas também, por exemplo, pela máscara que usam no rosto, pela paleta de cores completamente cinzenta ou até mesmo pelo cenário semelhante a uma fábrica, repetitivo. A letra da música e a forma como é cantada ajuda a criar esta atmosfera.

Entra o refrão. Este toca enquanto as crianças caminham em filas entre as enormes paredes daquele lugar. Ouve-se a mais uma repetição da primeira estrofe, mas agora com as crianças a cantar em coro, enquanto a voz do professor se sobrepõe discutindo com eles.

Hey, teacher, leave them kids alone (Hey, professor, deixe as crianças em paz)

All in all, it’s just another brick in the wall (Contudo, é apenas mais um tijolo na parede)

All in all, you’re just another brick in the wall (Contudo, tu és apenas mais um tijolo na parede)

Surge então, aquela que para mim é a cena mais perturbadora e chocante deste excerto do filme. Penso que seria interessante acrescentar ao nível qualitativo icónico que, quando criança, costumava sentir medo desta parte em específico. Nesta cena, as crianças não estão andando, mas estão sendo levadas por uma grande esteira e são largadas num triturador e transformadas em carne. Perturbador, certo? Devo referir, em relação aos códigos gráficos e sintáticos, que escolhi a imagem da sombra do martelo no muro, uma vez que este é o símbolo que representa o álbum The Wall. No entanto, também podemos perceber que se assemelha muito a uma foice, que juntamente com a sombra do martelo revela o símbolo do comunismo, tema bastante representado no álbum, uma vez que como dito anteriormente, foi composto durante a guerra fria.

Chegamos à reta final, o momento que todos esperávamos, a revolução! Sim, os alunos tiram as máscaras e revoltam-se contra o sistema, destruindo a escola. O caos instaura-se. As cores mudam, agora mais vivas e num ambiente mais claro. Começa aquilo que todos esperamos dos Pink Floyd, um magnífico solo de guitarra. Acho que todos sentimos alívio e de certa forma algum tipo de felicidade ao ver um sistema opressor ser destruído de dentro para fora, literalmente, sendo esta a nova fase do nível qualitativo icónico. Porém a felicidade dura pouco ao percebermos que não passou de um pensamento e desejo do Pink.

Para terminar, passamos a uma análise mais profunda no nível singular indicativo e agora percebemos que existe um porquê das coisas serem assim. Todos eles marcham para o mesmo objetivo, não existe nenhum que se destaque. As máscaras servem para acabar com toda a individualidade que tinham, mas a “gota de água” foi ao serem triturados e saírem todos juntos como um único pedaço de carne. Já a letra da música apresenta-nos um contexto, a educação está na origem daquilo, aquele processo de perder a singularidade e tornar-se um só parte da educação.

Não haveria melhor forma de concluir este trabalho, se não mencionando o último nível, o convencional simbólico. Conseguimos entender a crítica que está a ser feita, o sistema educacional não quer que os alunos se destaquem, querem que todos sejam iguais, que todos pensem da mesma forma. É mais fácil manipular as massas se todas tiverem a mesma perspectiva e a forma mais fácil de criar um ponto de vista em alguém é através da educação.

You! Yes, you behind the bike stands

Stand still, laddy! (Another Brick in The Wall, Part 2)

Referências:

The Wall Analysis — A Song-By-Song Literary Analysis of Pink Floyd’s “The Wall” — https://thewallanalysis.com

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Lara Paulino
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Ciências da Comunicação - Universidade do Algarve