TRAP- o novo mercado musical brasileiro

Limadaphny
Semiosis
Published in
9 min readDec 15, 2023

O trap é um gênero musical que tem suas raízes no sul dos Estados Unidos, especialmente em cidades como Atlanta. Ele se desenvolveu como uma variação do hip-hop, incorporando elementos de subgêneros como o trap music e o southern hip-hop. O trap é caracterizado por batidas intensas, uso proeminente de sintetizadores, e letras muitas vezes focadas em temas como a vida nas ruas, a busca por sucesso financeiro e a superação de desafios.

No Brasil, o trap começou a ganhar popularidade na segunda metade da década de 2010 e encontrou espaço para se desenvolver com influências locais, incorporando elementos da música brasileira, como o funk carioca e até o brega. Essa fusão resultou em uma sonoridade única e autêntica, que captura a essência da cultura brasileira. Além disso, a ascensão do trap no Brasil foi facilitada pelo aumento da acessibilidade à produção musical independente e pela disseminação de música através de plataformas digitais.
A ascensão do trap brasileiro foi impulsionada, em grande parte, pela disseminação em larga escala por meio das redes sociais. Artistas em ascensão exploraram plataformas como o SoundCloud e o YouTube como canais independentes de divulgação de seu trabalho. Essa abordagem permitiu que eles alcançassem um público crescente sem depender exclusivamente de canais tradicionais de promoção. Ao compartilhar suas músicas nessas plataformas online, os artistas conseguiram conectar-se diretamente com os ouvintes, construir uma base de fãs sólida e atrair a atenção da mídia de maneira mais ágil do que pelos meios convencionais. Esse fenômeno de autopromoção através das redes sociais contribuiu significativamente para a rápida disseminação e aceitação do trap brasileiro, estabelecendo uma presença marcante na cena musical do país.

Dessa forma, o som se diferencia pela autenticidade e envolvimento de suas letras, que exploram temas impactantes para a juventude, como a violência nas periferias, a desigualdade social e a busca por superação. A abordagem honesta e direta desses temas ressoa de forma profunda com os ouvintes, muitos dos quais conseguem se identificar com as experiências narradas nas músicas. A sinceridade das letras oferece uma janela para as realidades cotidianas vivenciadas por muitos jovens brasileiros, proporcionando uma expressão artística que vai além da simples busca por entretenimento, sendo também um reflexo da vida nas comunidades e uma forma de dar voz às questões sociais e individuais. Essa conexão emocional entre as letras do trap brasileiro e seu público contribui para a relevância e influência duradoura do gênero na cultura musical da terra da música.

Exemplos de letras do trap brasileiro que ilustram essa abordagem autêntica e engajadora podem incluir:

ESCRITORES DA LIBERDADE — DJONGA

“Nasci e fui criado nisso
Não me educaram a parar com isso
E se quiserem me matem, como mataram Cristo
E nada justifica meus irmãos
Mas a culpa não é minha, é da falta de educação
Condenado pelo passado
Ceifado pelo presente
Homem negro, sem mãe e com pai ausente
Nossa vida é um aplicativo
Quanto menos acesso, você tá fudido
Hype pra mim é minha sobrevivência
Em meio a tanto patifaria e violência
Irmão preto
Por que arma pra mim?”

Explora a desigualdade social, racismo e as lutas diárias de indivíduos em busca de liberdade e justiça em uma sociedade marcada por disparidades.

Essas músicas são exemplos de como o trap brasileiro transcende a mera expressão artística, servindo como um meio para compartilhar narrativas reais e expressar as experiências vividas pela juventude brasileira. A sinceridade dessas letras contribui para a construção de uma conexão emocional entre os artistas e o público, estabelecendo o trap como um importante veículo de expressão cultural e social no cenário musical do Brasil.

A ascensão do trap brasileiro não apenas transformou a paisagem musical, mas também desencadeou mudanças significativas nos modelos de negócio da indústria da música no país. Diversos fatores contribuíram para essa transformação:

Investimento em Artistas Emergentes: Com a popularização do trap, produtores, empresários e gravadoras reconheceram o potencial econômico e cultural desse gênero. Como resultado, têm direcionado investimentos consideráveis em artistas emergentes de trap, apoiando a produção de novas músicas, videoclipes e promovendo estratégias de marketing para ampliar a visibilidade desses artistas.

Diversificação de Modelos de Negócio: A indústria da música no Brasil tem buscado diversificar seus modelos de negócio para se adequar à dinâmica do trap. Isso inclui estratégias como parcerias comerciais, acordos de licenciamento de músicas para plataformas digitais, patrocínios e outras formas de colaboração que vão além do modelo tradicional de venda de álbuns.

Sinergia com Marcas e Publicidade: A popularidade do trap também atraiu a atenção de marcas e empresas que buscam se associar a esse fenômeno cultural. Parcerias entre artistas de trap e marcas têm se tornado comuns, abrindo novas fontes de receita para os artistas e ampliando a exposição do gênero para públicos mais amplos.

Logo, a evolução do trap não apenas influenciou a cena musical, mas também estimulou uma evolução nos modelos de negócio da indústria da música. Esse fenômeno reflete uma adaptação à era digital, à busca por diversificação e à compreensão do potencial econômico e cultural do trap.

Em um ranking dos mais ouvidos por estado do Brasil em 2022, o Spotify revelou que o Trap foi o gênero preferido dos moradores do Rio de Janeiro e ficou em segundo em São Paulo, perdendo apenas pro funk. Já em 2023 o cantor mais ouvido na capital carioca foi o Mc Cabelinho, um dos maiores nomes do trap no Brasil.

O sucesso do estilo musical tem impulsionado a criação de festivais e eventos específicos dedicados a esse gênero. Esses eventos proporcionam um espaço exclusivo para artistas de trap se apresentarem, além de oferecerem oportunidades de networking e visibilidade. A multiplicação desses festivais representa uma resposta direta à demanda crescente por experiências ao vivo relacionadas ao trap. Desta forma, essas festas muitas vezes incorporam elementos da cultura de consumo, como patrocínios de marcas, venda de produtos relacionados e experiências exclusivas.

A cultura de consumo é frequentemente associada a um certo status e estilo de vida. Os organizadores e artistas podem criar uma atmosfera que reflete a estética e as aspirações ligadas ao consumo, influenciando a percepção do público em relação ao evento.

Segundo Baudrillard, que divide o processo de consumo em dois aspectos: um é referente ao processo de comunicação, que é constituído por meio de significação, onde o indivíduo consome através dos códigos e signos que o induzem a tal. O outro aspecto citado pelo autor é de diferenciação social e classificação. Nesse aspecto, o indivíduo consome visando algum determinado status social a ser mostrado ou conquistado (BAUDRILLARD, 2005: p.10).

O consumo de código e signo está diretamente ligado a cultura de fãs, o trap não é somente um gênero musical, mas também um movimento social marcado por roupas e acessórios. Os fãs de trap são fortemente engajados nas redes sociais, assim como os artistas. A presença física dos fãs em eventos, shows e festivais de trap é notável. Esses momentos proporcionam não apenas a oportunidade de assistir apresentações ao vivo, mas também de se conectar com outros fãs e vivenciar a energia coletiva da comunidade de trap, há um sentimento de pertencimento. A compra de merchandising, como camisetas, bonés e outros produtos relacionados ao trap, é comum entre os fãs. Além de ser uma forma de apoiar financeiramente os artistas, o merchandising torna-se um meio de expressar afiliação à cultura do trap, com os fãs incorporando esses itens em seu estilo pessoal. Matuê, um dos maiores nomes do movimento, tem uma loja que comercializa roupas, acessórios, canecas, etc.

Os artistas de trap têm uma particularidade que os difere dos demais artistas de outros segmentos. Se o habitual para outros gêneros musicais é a marca utilizar a visibilidade do artista e o seu status para agregar o seu produto, no trap essa lógica se inverte, é o artista que faz uso de grifes para aumentar o seu status. Em certos casos é possível rapidamente associar cantores a determinadas marcas como, por exemplo, Mc Poze do Rodo está sempre vestido com roupas e acessórios da marca Lacoste, além de citá-la de maneira recorrente em suas letras.

As letras das músicas frequentemente exploram temas como ostentação, resiliência e a jornada pessoal dos artistas, que muitas vezes compartilham experiências de desafios, adversidades e, mais importante, a conquista de objetivos apesar dos obstáculos. Essas letras podem oferecer uma narrativa inspiradora, motivando os ouvintes a enfrentarem suas próprias dificuldades com determinação e otimismo.

Exemplos de algumas músicas,

“CARTÃO BLACK” — Mc Caveirinha, Kay Black

“Comprava na 25, e hoje na Lacoste

Eu deixei 25 mil”

Essa estrofe relata uma evolução na vida da pessoa, passando de um contexto de compras mais acessíveis na 25 de março para um estilo de vida que inclui compras em locais associados a marcas de maior prestígio, como a Lacoste. O valor “25 mil” é simbólico, representando uma transformação financeira ou de status.

“EU FIZ O JOGO VIRAR” — Mc Poze do Rodo

“Eu fiz o jogo virar

Ah

Tô em outro patamar

Ouro no meu pescoço tá brilhando

Lacoste é a marca da quadrilha”

Nota-se que ambas as músicas focam no status social adquirido depois do sucesso.

O trap é um produto industrial, há uma linha de montagem onde diferentes artistas com sonoridade parecidas tratam dos mesmos assuntos com estrofes semelhantes. “Será que isso é arte “, na arte clássica os pintores retratavam os mesmos acontecimentos com estilos diferentes, ou então diferentes acontecimentos com estilo de pintura, seja ela surrealista, cubista, dadaísta, o que for. Em outros gêneros musicais, como rock e o pagode, vemos assuntos diferentes serem tratados na mesma forma estética. No entanto, no trap atual as músicas têm seguido o mesmo padrão sonoro com diferenças mínimas, assim como as letras, que em sua imensa maioria retratam uma história de superação e citam carros e marcas de luxo, como forma de atestar a ascensão social.

Portanto, percebe-se uma industrialização da arte, pois as obras seguem à risca uma espécie de receita com determinadas palavras e marcas a serem citadas. Isso acontece porque a maioria dessas músicas viraliza. Muitos artistas vão além quando o assunto é transformar o processo artístico num verdadeiro processo industrial, com músicas claramente produzidas para a criação de coreografias do Tik Tok. O influenciador Maicon Kuster, durante uma live, fez uma sátira na qual criticou os artistas de trap e mostrou ao vivo que, hoje em dia, qualquer um pode produzir uma canção de trap sem necessariamente ser um artista. No fim do vídeo o influenciador imita um dos principais expoente do trap o artista Felipe Ret.

https://youtube.com/shorts/gOTuzEfnPI4?si=TFfi_yonxbw78Xbg

Ludmilla, um dos maiores nome do Funk carioca, a exemplo de outros funkeiros, recentemente lançou um álbum “Vilã” com diversos elementos do trap, como letras, batidas, feat com importantes nomes da cena do trap como Oruam, Delacruz, Dallass e Ajaxx. Além disso, lançou singles como BIN e Filipe Ret, nomes de mais peso no cenário do trap. Ainda sobre o álbum “Vilã”, uma das faixas “Sintomas de prazer” rapidamente viralizou e entrou no top 4 de músicas populares da artista no Spotify. O que mostra a força do cenário do trap pois, até mesmo um artista com 4 milhões a mais de ouvintes mensais no Spotify que o cantor mais ouvido de trap, teve seus números alavancados por lançar uma música nesse estilo.

Em conclusão, o trap não apenas se estabeleceu como um gênero musical proeminente no Brasil, mas também provocou mudanças significativas em diversos aspectos, desde a forma como os artistas se promovem até a relação entre música, marcas e consumo. A presença do trap não se limita apenas à expressão artística, mas se estende para além, moldando tendências culturais, comportamentais e econômicas. A industrialização da arte, exemplificada pela produção padronizada de músicas, é uma faceta interessante e questionável desse fenômeno, evidenciando a interseção entre a criação artística e a lógica de mercado. A inclusão de Ludmilla no cenário do trap também destaca a diversificação e fusão de estilos, demonstrando a dinâmica constante no universo musical.

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