Vigilância Invisível: ‘The Social Dilemma’

Beatriiizrosa
Semiosis
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6 min readMay 27, 2024

“The Social Dilemma” é um documentário de 2020, dirigido por Jeff Orlowski, que explora o impacto profundo das redes sociais na sociedade moderna, destacando os perigos da vigilância digital, manipulação psicológica e controlo comportamental exercidos pelas grandes empresas de tecnologia.

O documentário ilustra como as tecnologias modernas utilizam mecanismos para controlar e influenciar os indivíduos. Esta análise filosófica irá alinhar-se com as teorias de Michel Foucault sobre o poder na sociedade contemporânea.

Antes de mais, “The Social Dilemma”, expõe entrevistas com ex-funcionários e executivos de grandes empresas de tecnologia, como a Google, Facebook, Twitter e Instagram. Ao longo do filme, revela-se como os algoritmos das plataformas digitais são projetados para maximizar o engagement dos utilizadores, recolhendo e analisando enormes quantidades de dados pessoais para prever e influenciar o comportamento dos mesmos.

Análise Crítica

  1. Estrutura de Poder e Controlo

O documentário mostra como as empresas de tecnologia controlam constantemente o comportamento dos utilizadores, recolhendo e analisando dados para criar perfis detalhados. Esse processo de vigilância contínua permite que as empresas prevejam e influenciem comportamentos, exacerbando questões de privacidade e autonomia.

Tristan Harris, ex-desenvolvedor do Google, explica como as plataformas de redes sociais rastreiam cada ação dos utilizadores — comentários, likes, tempo de visualização, etc. — para construir perfis detalhados.

As redes sociais utilizam algoritmos sofisticados para manter os utilizadores ligados, explorando vulnerabilidades psicológicas. Isso resulta em dependência digital, afetando a saúde mental e a incapacidade de cada pessoa tomar decisões informadas.

Jaron Lanier, um dos pioneiros da realidade virtual, discute como essas recomendações podem radicalizar as pessoas e espalhar a desinformação.

O design das plataformas promove a disseminação de conteúdo polarizador e desinformativo, uma vez que esse tipo de conteúdo tende a gerar um maior engagement. Isso tem implicações graves para a coesão social e a integridade dos processos democráticos.

2. Impacto Social e Ético

“The Social Dilemma” critica a falta de responsabilidade das empresas de tecnologia, que priorizam o lucro sobre o bem-estar dos utilizadores. A falta de regulamentação eficaz e transparência contribui para a perpetuação desses problemas.

O documentário dramatiza a vida de um adolescente, Ben, que se torna cada vez mais viciado no seu smartphone devido às constantes notificações e sugestões de conteúdo das redes sociais.

As populações jovens são particularmente vulneráveis, sendo mais suscetíveis à pressão social e aos impactos negativos do uso excessivo de redes sociais. Destacando a correlação entre o uso excessivo de redes sociais e problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e sentimentos de inadequação.

Conclusão Crítica

O documentário atua como um poderoso alerta sobre os perigos inerentes ao uso das redes sociais, destacando as práticas manipuladoras das grandes empresas de tecnologia e as suas profundas consequências sociais. Ao expor como os algoritmos são projetados para explorar as vulnerabilidades humanas e maximizar o engagement, o documentário revela uma realidade preocupante: essas plataformas digitais não só monitoram e influenciam o comportamento dos utilizadores, mas também contribuem para problemas graves como a deterioração da saúde mental, a polarização política e o enfraquecimento das relações sociais.

O documentário enfatiza a necessidade urgente de uma consciencialização pública mais ampla. As pessoas precisam de entender como as suas informações pessoais estão a ser utilizadas, para que possam tomar decisões mais informadas sobre o uso das redes sociais. Além disso, o filme sugere que a regulamentação governamental é essencial para controlar as práticas das empresas de tecnologia e proteger os consumidores de manipulações e abusos. A responsabilidade corporativa também é um tema central, com a necessidade das empresas adotarem práticas mais éticas e transparentes em relação ao uso dos dados e à criação de conteúdo.

Em suma, não só expõe os problemas inerentes às redes sociais, mas também convoca todos — desde utilizadores comuns até legisladores e executivos de tecnologia — a refletirem sobre o seu papel na construção de um ambiente digital mais seguro, ético e humano.

Opensamento de Michel Foucault

Michel Foucault foi um filósofo francês cujas ideias influenciaram profundamente as ciências humanas e sociais. Os seus trabalhos exploram a relação entre poder, conhecimento e as instituições sociais, mostrando como estas moldam a subjetividade e o comportamento dos indivíduos.

Estas ideias de Foucault sobre a vigilância, o biopoder, a disciplinaridade e a relação entre poder e conhecimento fornecem uma lente crítica para entender o impacto das redes sociais como descrito em “The Social Dilemma.” O documentário ilustra como as tecnologias modernas utilizam esses mecanismos para controlar e influenciar os indivíduos, alinhando-se com as teorias sobre o poder na sociedade contemporânea.

Análise Filosófica com base nas ideias de Foucault

  1. Vigilância Digital

As plataformas das redes sociais observam constantemente o comportamento dos utilizadores, recolhendo dados sobre as suas atividades, interesses e interações. Esses dados são usados para criar perfis detalhados que permitem uma segmentação precisa e personalizada de anúncios e conteúdo.

Esse tipo de vigilância remete ao conceito de panoptismo de Foucault, onde a possibilidade constante de ser observado induz a conformidade. As redes sociais funcionam como um panóptico digital, onde os utilizadores estão cientes de que os seus dados são recolhidos e analisados, influenciando o seu comportamento online.

“O Panóptico deve ser compreendido como um modelo generalizável de funcionamento; uma maneira de definir as relações de poder com a vida quotidiana dos homens.” (Foucault, 1975).

2. Poder e Conhecimento

As redes sociais acumulam vastas quantidades de dados sobre os seus utilizadores, usando esse conhecimento para exercer poder. O poder das plataformas manifesta-se na capacidade de prever e influenciar comportamentos através de recomendações personalizadas e conteúdo direcionado, moldando a percepção de realidade dos utilizadores.

Foucault argumenta que o poder e o conhecimento são interdependentes; o poder não apenas reprime, mas também produz saberes, moldando a realidade.

“O poder produz saber… poder e saber implicam-se diretamente um no outro.” (Foucault, 1975)

3. Disciplina e Normatização

As redes sociais disciplinam os utilizadores estabelecendo normas de comportamento através de mecanismos de feedback (likes, comentários, compartilhamentos). Esses mecanismos incentivam a conformidade com as normas sociais implícitas nas plataformas, moldando a subjetividade e o comportamento dos mesmos.

Em “Vigiar e Punir,” Foucault explora como as instituições modernas disciplinam corpos e mentes, criando indivíduos que se conformam a normas sociais.

“A disciplina fabrica indivíduos; é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício.” (Foucault, 1975)

4. Biopoder

As redes sociais exercem biopoder ao influenciar comportamentos individuais e sociais, afetando a saúde mental e a dinâmica social. As plataformas gerenciam e manipulam as interações sociais online, exercendo controlo sobre aspetos vitais da vida dos indivíduos.

O conceito de biopoder refere-se à forma como o poder moderno regula e controla a vida, saúde e comportamento das populações.

“O poder moderno é, essencialmente, um poder regularizador. Esse poder regulariza e controla a vida; é o biopoder.” (Foucault, 1976)

Conclusão Filosófica

Através das lentes de Michel Foucault, “The Social Dilemma” pode ser entendido como uma manifestação contemporânea das formas de poder disciplinar e biopoder que ele descreveu. As redes sociais exemplificam a vigilância panóptica, onde os utilizadores estão constantemente sob a observação invisível, mas sentida, das plataformas digitais. Este modelo de vigilância não apenas monitora, mas também molda subjetividades e comportamentos de maneira subtil e eficaz.

Foucault descreveu o panóptico como uma estrutura de controlo que cria uma sensação constante de ser observado, levando os indivíduos a auto-regularem o seu comportamento. As redes sociais, com os seus algoritmos sofisticados, levam essa ideia a um novo nível. Ao recolher e analisar grandes quantidades de dados pessoais, essas plataformas conseguem prever e influenciar o comportamento dos utilizadores, exercendo um controlo disciplinar que molda não apenas as ações, mas também os desejos e pensamentos das pessoas.

Além disso, a análise foucaultiana revela a presença do biopoder nas redes sociais, onde o foco é o controlo da vida e da saúde das populações. As plataformas digitais influenciam a saúde mental dos indivíduos ao promover comportamentos aditivos e ao exacerbar problemas como a ansiedade, a depressão e a polarização social. A manipulação algorítmica torna-se uma ferramenta de biopoder, afetando profundamente o bem-estar dos utilizadores ao explorar as suas vulnerabilidades psicológicas.

Essa análise revela a profundidade do controlo exercido pelas plataformas digitais e as suas implicações para a liberdade e a autonomia dos indivíduos. Ao moldar subjetividades através de mecanismos invisíveis de vigilância e controlo, as redes sociais levantam questões éticas e filosóficas sobre a natureza da liberdade num mundo onde as nossas ações são continuamente influenciadas por forças externas.

Para finalizar, “The Social Dilemma” ilustra como as redes sociais representam uma nova forma de poder disciplinar e biopoder. Através da manipulação de dados e algoritmos, essas plataformas exercem um controle subtil, mas profundo, sobre os comportamentos e a saúde mental dos utilizadores. Este controlo levanta importantes questões sobre a liberdade individual, a autonomia e as responsabilidades éticas das empresas de tecnologia na sociedade contemporânea.

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