What Was I Made For: a questão que para muitos, poucos sabem responder.

Emanuel Cerqueira
Semiosis
Published in
10 min readDec 16, 2023

N a jornada da existência, cada ser humano depara-se com a indagação transcendental: Qual é o propósito da minha existência? Uma pergunta que ecoa ao longo dos tempos e ressoa na alma de muitos, enquanto procuram compreender o significado mais profundo da sua própria criação.

A intricada tapeçaria da vida frequentemente conduz-nos à contemplação do nosso papel neste vasto universo, deixando-nos intrigados perante a incerteza do propósito que nos impulsiona. Este questionamento, embora universal, mantém-se pessoal e íntimo, desafiando-nos a explorar o âmago da nossa essência e a descobrir o significado que molda a nossa jornada.

Dessa forma, este trabalho tem como objetivo analisar o videoclipe de What Was I Made For?, da famosa cantora e compositora norte-americana Billie Eilish, tendo como base os princípios da semiótica na perspectiva do filósofo Charles Sanders Peirce, procurando destacar e interpretar os símbolos e referências utilizados em sua produção, de modo que seja possível compreender a proposta da artista e os múltiplos sentidos da obra.

Imagem 1 — Billie Eilish no seu momento de reflexão sobre tudo o que aconteceu e se questionando de qual é o seu propósito, tal como o nome da música revela. Fonte: Captura de ecrã Youtube. (2023)

História

Billie Eilish e o seu irmão, FINNEAS, notável compositor e produtor, foram gentilmente convidados pela diretora Greta Gerwig a assistir a cenas previamente finalizadas do filme Barbie. O convite desencadeou uma colaboração frutífera, resultando na criação de What Was I Made For?, um dos destaques da banda sonora do filme.

Para a composição da soundtrack, Greta Gerwig e Mark Ronson, o produtor encarregado, proporcionaram a cada artista na tracklist a oportunidade de visualizar e refletir cerca de 20 minutos do filme, dando a experiência de proporcionar uma base sólida para a sua composição musical. O objetivo era permitir que os artistas se familiarizassem com a narrativa e a atmosfera do filme, além de identificarem precisamente o momento em que a sua música seria integrada à obra.

Após a visualização de algumas cenas de Barbie em janeiro de 2023, Billie Eilish e o seu irmão, no dia seguinte, iniciaram o processo de composição. FINNEAS, ao piano, deu início à criação, e as primeiras palavras começaram a fluir: “I used to float, now I just fall down” (“Eu costumava flutuar, agora só caio”). Dessa forma, Eilish acabou por redigir a letra completa numa única noite. Através do seu Instagram, a cantora partilhou que este processo ocorreu num momento crucial e que escrever a letra de What Was I Made For? foi uma experiência profundamente significativa.

Embora Billie Eilish estivesse inicialmente a pensar exclusivamente na Barbie e não em si mesma, ficou surpreendida ao reler a letra nos dias seguintes, percebendo que a música expressava exatamente os seus sentimentos. Num vídeo divulgado no canal Caliwood, Eilish comentou que nada foi intencional e que esta experiência se transformou na coisa mais extraordinária que já vivenciou na sua vida.

“Eu não pensei em mim uma única vez durante o processo de composição. Inspirei-me puramente neste filme e nesta personagem e na forma como pensei que ela se sentiria, e escrevi sobre isso. E depois, nos dias seguintes, estava a ouvir e pensei: “Miúda, como é que isto… honestamente, e não quero que isto pareça uma presunção, mas eu faço coisas que nem sequer sei que são… como se estivesse a escrever para mim e nem sequer o soubesse.”

Billie Eilish contou em entrevista para à Apple Music, em conversa com o locutor Zane Lowe, como escreveu a música “What Was I Made For?” com o seu irmão, FINNEAS para o filme da Barbie. (2023)

Após o lançamento, What Was I Made For alcançou o topo da parada Billboard Hot Rock e Alternative Songs e alcançou a 14ª posição na Billboard Hot 100, a maior parada de canções nos Estados Unidos. A canção ganhou cinco indicações no GRAMMY Awards 2024 nas categorias de Gravação do Ano, Canção do Ano, Melhor Performance Pop Solo, Melhor Canção Escrita para Mídia Visual e Melhor Videoclipe.

Análise Semiótica

Numa primeira análise podemos pensar sobre o videoclipe de What Was I Made For é um pouco mais profundo do que poderíamos esperar para uma banda sonora do filme da Barbie, diferenciando-se das restantes canções presentes na soundtrack, como Barbie World de Nicki Minaj e Ice Spice, Dance The Night de Dua Lipa ou I’m Just Ken, canção original interpretada pelo ator Ryan Gosling, Ken em Barbie.

A música realmente transmite-nos realmente a existencialidade, perguntar-nos o porquê de estarmos na vida em que vivemos, por que costumávamos ser mais felizes quando éramos mais novos e não sermos da mesma intensidade atualmente, a ideia de apenas esperar por um futuro em que possamos ser felizes. O filme transmite-nos a equalidade do ponto da situação, em que a Barbie, interpretada pela atriz Margot Robbie pergunta numa das cenas “You guys ever think about dying?” (“Alguma vez pensaram na morte?”) e claro, que ninguém se identifica com ela, porque vivem na Barbieland, no mundo fictício em que tudo é perfeito e “normal”, e então ela descobre que precisa de embarcar nessa jornada existencial para ver como é realmente a sua vida e encontrar o seu verdadeiro eu.

Imagem 2 — No meio da enorme festa da Barbie, ela questiona se alguma vez pensaram na morte, o que provoca um choque e suspiro por parte de todas as Barbie e Ken na sala. Fonte: Captura de tela Twitter (2023).

O videoclipe, realizado por Eilish, é simples, mas tem muito impacto. Vemos a cantora com um rabo-de-cavalo loiro ao estilo dos anos 50, com uma franja enrolada na perfeição, um vestido amarelo da mesma década e uns Mary Janes a condizer — referência à Barbie Ponytail, primeira coleção de bonecas da Barbie. Há uma qualidade infantil nela. Está sentada numa secretária de madeira da velha guarda para brincar com a sua caixa preta, que é representado como um índice, que contém vários fatos e acessórios de boneca, simbolizando todas as memórias da cantora num dos momentos em que procura saber qual é o seu papel.

À medida que Eilish tira os fatos um a um para os pendurar num mini cabide, vemos que estas roupas são miniaturas de alguns fatos que a cantora usou no passado, em momentos importantes da sua carreira, tais como nos videoclipes de Bored, Bellyache, when the party’s over, bad guy, Lovely, a coroa de you should see me in a crown e as mini aranhas, os looks das red-carpets do The Oscars e o outfit da edição de 2020, respectivamente, do GRAMMYs Awards — em que ganhou as categorias principais da premiação, quebrando recordes, consolidando-se, como um dos maiores nomes da indústria musical — ou até a roupa utilizada em entrevistas, como a da entrevista realizada pela Vanity Fair em 2018.

Algumas das roupas que a Billie tira da caixa não são colocadas no cabide, pois não se identifica mais com essas roupas e “não as quer utilizar mais”. Quando Eilish tira a roupa do GRAMMY 2020 da caixa, acaba por passar mais tempo a olhar para esta do que para as outras, pois é um símbolo do significado daquilo que foi um dos momentos mais significativos e controversos da sua carreira, onde a mesma ganhou mais dimensão, e o seu nome, a sua imagem, tornou-se mais popular e destacável. O que era para ser um momento feliz, de comemoração, tornou-se numa época extremamente difícil para a cantora, devido à “chuva” pesadíssima e perseguição que sofreu da mídia ao vencer o prémio, é retratada no videoclipe, quando começam a dar-se a conhecer pequenas perturbações ao cenário do mesmo.

Imagem 3 — Momento em que Billie Eilish observa mais atentamente a roupa usada na edição de 2020 do GRAMMY Award. Fonte: Captura de ecrã Youtube. (2023)

Primeiro, um abanão na secretária que derruba um ou dois acessórios. Isso não incomoda a cantora e Eilish apanha-os e continua a organizar o seu guarda-roupa de bonecas. Mas depois, grandes rajadas de vento derrubam as roupas e a artista parece aflita. Ela luta contra o vento para continuar a organizar as roupas como “When did it end? All the enjoyment/ I’m sad again, don’t tell my boyfriend/ It’s not what he’s made for” (“Quando acabou? Todo o proveito/ Estou triste outra vez, não contem ao meu namorado/ Ele não está feito para isso”), surge suavemente no imaginário. Depois repetidamente começa a chover. Eilish olha para o céu e bate com os dois punhos no tampo da secretária. De um momento para outro, a tempestade para. Eilish arruma apressadamente as suas roupas minúsculas e encharcadas na mala preta onde se lê “Barbie”, representando o índice de proteção das memórias que consigo carrega.

A simbologia da caixa é que a mente da Billie e as roupas são as memórias. Com a tempestade, figurada em índice, dos ataques de ódio e perturbações da vida, a cantora fica desesperada para guardar as roupas da caixa e sair de lá, pois não quer que momentos bons e importantes para ela sejam afetados. Por um instante, encosta a sua cabeça na mala, cansada, antes de se ir embora (apenas para voltar momentos depois para buscar uma peça de roupa esquecida). Essa cena representa a Billie Eilish cantando sobre a sua experiência de ser uma estrela — onde deu várias entrevistas ao longo dos anos em que conta sobre o seu estado de vida atual e como é que ela se sente atualmente — mas é interessante e quando olhamos para todas essas épocas diferentes, todas essas roupas diferentes da cantora, podemos observar que através da sua carreira quando as coisas parecem completamente perfeitas e certas, do nada tudo desmorona. E isso, pode ser usado no nosso contexto pessoal e identificar-nos com isso, quando sentimos que a nossa vida está totalmente que a nossa vida está totalmente em ordem, ela começa a desmoronar e estamos tentando colocá-la de volta no lugar, tentando descobrir como deixar tudo bem de novo, mas parece impossível.

Porém, no final do videoclipe, ela acaba deixando uma roupa para trás, que não coincidentemente é a roupa do GRAMMY 2020, ou seja, ela não conseguiu salvar essa da tempestade. Que transformou todas as memórias dela em relação aquilo em algo perturbador. E mesmo assim, ela volta atrás para pegá-la. Como se ela estivesse a superar isso, levando consigo não só as coisas boas, mas também as más, porque é que isso a torna a pessoa que ela é hoje. Uma pessoa merecedora que tudo conquistou — vencedora do Triple Crown (Golden Globes, GRAMMY e Oscar)— com a canção aclamada e bem aceite pela crítica No Time To Die. Conhecendo toda a sua trajetória, acredita-se que a versão de Billie Eilish que escreveu What Was I Made For é a de 2019 que finalmente encontrou uma oportunidade de libertar para fora tudo aquilo que passou naquele tempo, e a versão de hoje já encontrou novamente o que é a felicidade na era Happier Than Ever — segundo disco da cantora lançado em 2021 — afinal, ela está mais feliz do que nunca.

Videoclipe oficial da canção. Fonte: Youtube. (2023)

[Verso 1]
Eu costumava flutuar, agora eu só caio
Eu costumava saber, mas agora não tenho certeza
Para que fui feita
Para que é que eu fui feita?

What Was I Made For? inicia-se com uma ponderação da personagem que se encontra em dúvida acerca da sua existência. No passado, ela sentia-se mais leve e confiante, mas agora debate-se em conflito com a sua identidade e sobre o que é que ela mais deseja: entender o seu propósito.

[Verso 2]
A dar uma volta, eu era um ideal
Parecia tão vivo, mas afinal não sou real
Apenas algo que pagaste
Para que é que eu fui feito?

Na segunda estrofe, a letra reforça a ideia dos padrões de beleza e do idealismo que a Barbie representava, mas à custa de não ser real. Ninguém pode ter esse aspeto, ser assim, ter tudo e fazer tudo. Em vez de ser a sua própria pessoa, ela é um objeto para os outros. Acaba por perceber que desempenha o papel de um objeto que só tem uma única utilidade.

[Porque eu, eu]
Porque eu, eu
Não sei como me sentir
Mas eu quero tentar
Não sei como me sentir
Mas um dia, eu posso
Algum dia, eu posso

Perdida e incerta acerca da sua própria identidade, ela não sabe mais como enfrentar a vida, pois agora procura descobrir a sua verdadeira essência. A personagem exemplifica o cansaço sentido por muitas mulheres perante a sociedade e o machismo estrutural.

[Post-Chorus]
Mm, mm, ah
Mm, mm, mm

[Verso 3]
Quando é que acabou? Todo o prazer
Estou triste outra vez, não digas ao meu namorado
Não é para isso que ele foi feito
O que é que eu fiz?

Apesar da tristeza, ela esforça-se por manter-se firme, como se necessitasse ocultar as suas fragilidades. Não deseja que as pessoas, incluindo o seu namorado, percebam que perdeu o entusiasmo e que se encontra vulnerável. No âmago, compreende que é somente através da sua própria jornada que poderá reencontrar-se.

[O que é que eu faço?]
Porque eu, porque eu
Eu não sei como me sentir
Mas eu quero tentar
Eu não sei como me sentir
Mas um dia, eu posso
Um dia, talvez

Perante a crise de identidade, ela já não recorda como é ser feliz, mas existe a esperança de recuperar o seu verdadeiro eu e redefinir a sua vida. Tal como no videoclipe, as tempestades surgem para perturbar algo que, um dia, pensámos estar seguro. Contudo, proporcionam-nos a oportunidade de mudar e seguir um rumo completamente diferente.

[Outro]
Acho que me esqueci de como ser feliz
Algo que não sou, mas algo que posso ser
Algo por que espero
Algo para que fui feito
Algo para que fui feito

Referências

What Was I Made For?, da Billie Eilish: significado do hit. (n.d.). Letras.mus.br. Obtido em 21 de dezembro de 2023, em https://www.letras.mus.br/blog/what-was-i-made-for-billie-eilish-significado/

Frost, I. (2023, August 6). The Real Meaning Behind What Was I Made For By Billie Eilish. The List. https://www.thelist.com/1358156/real-meaning-behind-what-was-i-made-for-billie-eilish/

Houghton, C. (2023, November 16). The Meaning Behind Billie Eilish’s Subconscious “What Was I Made For?” American Songwriter. https://americansongwriter.com/the-meaning-behind-billie-eilishs-subconscious-what-was-i-made-for/

Goeres, K. (2023, July 13). An Analysis of Billie Eilish’s “What Was I Made For” Video, Inspired by “Barbie.” Showbiz Cheat Sheet. https://www.cheatsheet.com/entertainment/analysis-billie-eilishs-what-was-i-made-for-video-barbie.html/

--

--