Dos Filhos do Festival

Festival de Inverno UFMG
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4 min readJul 28, 2015

O Festival de Inverno da UFMG é o nascedouro de dois dos grupos artísticos mais importantes do estado: o Grupo Galpão e o Grupo Corpo. Mas nem só de grandes trupes vive o legado do evento. No fórum de diálogo “Formatos de Festivais”, vários foram os relatos de quem se declara filho do Festival de Inverno, de quem atribui o início de décadas de carreira às experiências em Diamantina, Ouro Preto, Belo Horizonte, dentro e fora dos campi. O evento é responsável por formações, encontros, lembranças, cicatrizes.

Representantes de uma geração de artistas reuniram-se para a conversa que deve ser a constante entre organizadores: o que fazer dos próximos festivais? As vozes na roda ecoaram experiências do FIT-BH, FID, Festival Mundial de Circo, Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana, Verão Arte Contemporânea, Festival de Arte Negra, além dos lugares onde os organizadores se reúnem para o diálogo: Observatório dos Festivais, Fórum de Festivais Culturais de Minas e Fórum Mineiro de Cultura.

Não há receita para produzir um festival de cultura, mas os organizadores reconhecem dificuldades e questões comuns: como financiar? Como democratizar o Festival e levá-lo a todos os lugares? Como dialogar com outros festivais e fazer deles experiências complementares? Como fazer um só festival uma experiência relevante em meio a um cenário tão rico e complexo?

Todos os eventos têm a batalha compartilhada pelos patrocínios. Dinheiro para cultura é um recurso naturalmente escasso e ainda mais escasso da fonte onde todo ele provém: sempre dinheiro público. Os 33 festivais de Belo Horizonte e tantas dezenas de outros espalhados pelo estado confiam nos recursos municipais, estaduais, federais e até de empresas privadas — mas possibilitados em larga escala pelos incentivos fiscais, que também partem do poder público. Diz um dos coordenadores que os festivais são concebidos num mundo de utopia cujo resultado precisa aparecer num mundo de limitações e readaptações — muitas delas representadas pela quantidade de cifrões. Deste debate, das dúvidas e estratégias compartilhadas, a conclusão é que há um sem-número de políticas públicas de financiamento cultural que precisam ser repensadas, reformuladas, readequadas. Algum tipo de pressão política é necessária, mas ainda não há consenso das formas de alcançar esses objetivos.

(Imagem: Foca Lisboa

Uma das formas pode ser reforçar os laços entre um festival e outro. Da necessidade de trazer o novo, criar condições para que os trabalhos artísticos se desenvolvam, emerge o impulso de trabalhar juntos, unindo forças para concretizar coletivamente o que parecia impossível do ponto de vista individual. Mas essa rede de festivais já existe? As iniciativas funcionam? Ficou em suspenso encontrar uma forma efetiva de dar corpo ao debate entre as instituições, de fazer com que estas parcerias entrem em ação de um ponto de vista multilateral. Restou o aprendizado sobre os bons resultados que os festivais conseguem alcançar quando agem em conjunto, mesmo que sejam pontuais e pouco comuns.

Da concordância de que os festivais são um momento de formação, de experimentação, um vetor de transformação por meio das artes, surgiu também a vontade de democratizar esta experiência, levar esses benefícios a mais lugares e mais pessoas, não deixar que os festivais aconteçam somente para aqueles que já circulam nos lugares tradicionais da cultura que, frequentemente, não são nada universais. E dessa vontade veio um contra-argumento: como fazer essa expansão sem perder qualidade nas propostas, sem cair no espaço confortável da Avenida do Contorno? O questionamento proposto por uma das participantes do painel é franco e contundente: o vício nos números que medem o porte de cada evento é abominável, mas essa democratização deve ser uma forma de dar a todos o direito a algo parcial, “mais ou menos”? Com a redução dos recursos, é preciso cuidar para que toda expansão seja prudente, sem que haja exclusão ou prejuízo para qualquer dos lados.

E para que haja uma riqueza de experiências para democratizar, para que uma rede de eventos se torne mais forte e mais relevante, cada um dos festivais está constantemente em busca de sua própria identidade, investindo em seus pontos fortes, crescendo em seus próprios conceitos. O Festival de Inverno da UFMG caminha para os seus 50 anos de criação e não deixa dúvidas de que os festivais não são menos que um modo, um espaço e uma forma de existir na cultura e nas artes.

Pedro Nogueira é jornalista, atuou na cobertura do 47ºFestival de Inverno da UFMG para mídias sociais.

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Festival de Inverno UFMG
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52º Festival de Inverno da UFMG: Mundos Possíveis — Culturas em Pensamento. De 14 a 23 de setembro de 2020.