A VELHICE PEDE UMA NOVA NARRATIVA

FCB Brasil
Culture Drops
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6 min readAug 25, 2017

Por Nelson Kuniyoshi.

“When we were kids, when we were young

Things seemed so perfect — you know?

The days were endless, we were crazy — we were young

The sun was always shinin’ — we just lived for fun

Sometimes it seems like lately — I just don’t know

The rest of my life’s been — just a show.

Those were the days of our lives

The bad things in life were so few”

“These Are The Days Of Our Lives” (Queen)

Queremos todos ser jovens. Se possível, para sempre.

As evidências de nossa obsessão com a juventude estão por toda parte. Cirurgias plásticas, cosméticos, a celebração do sucesso antes dos 30. De todas as evidências, entretanto, a rejeição da velhice é o sinal mais perturbador da nossa cultura.

Se, no passado, os velhos constituíam apenas uma pequena parte da população (mais fáceis de serem ignorados?), a partir de agora, ignorar a velhice vai ficar cada vez mais difícil. O envelhecimento da sociedade é a nova grande tendência demográfica. Movimentos demográficos podem ser lentos, mas são massivos e inexoráveis. A expectativa de vida no Brasil aumentou trinta anos, de 1945 a 2015, chegando a setenta e cinco anos[1]. O País é o que envelhece mais rapidamente no mundo. A taxa de idosos (acima de sessenta anos) deve chegar a 30% até 2050[2]. Teremos, então, um perfil demográfico parecido com o da Itália de hoje. Isso implica em mudanças profundas em nosso modo de vida, numa amplitude sem precedentes: de planejamento urbano ao funcionamento do sistema de saúde, de comportamento de consumo ao sistema de educação continuada, de moda a cultura corporativa.

Como encarar essas mudanças?

Existem muitas mudanças a serem feitas, a começar pela nossa cultura. Nossa obsessão com a juventude, refletida pelo cinema, pela propaganda, pela moda, acaba repercutindo em nossas relações do dia-a-dia, no trabalho, nas ruas, quando reproduzimos os estereótipos de que velhos são lentos, frágeis, esquecidos, não entendem nada de Google, de Whatsapp, nem de meme ou Instagram. Toda vez que ignoramos seus comentários ou toda vez em que, ao achá-los meigos, inadvertidamente os equiparamos a bebês, meigos, mas igualmente inúteis. É sintomático que vemos um aumento exponencial de pessoas velhas morando sozinhas, o que alguns já chamam de “epidemia de solidão”[3]. Essa é a nossa cultura em relação à velhice.

UMA NOVA NARRATIVA

Thomas R. Cole[4], autor do livro “The Journey Of Life: A Cultural History Of Aging In America”, faz uma análise precisa, ao afirmar que “vivemos um roteiro cultural que vai só até a meia-idade”. De fato, nossas infâncias, adolescências, nossas vidas escolares, nossos empregos, casamentos, filhos, tudo está muito bem roteirizado até a meia-idade. Mas, e depois?

Ainda segundo Cole, “no passado, envelhecer era um mistério espiritual na ordem natural da vida. Hoje em dia, significa um problema científico a ser resolvido… Precisamos recuperar a linguagem que nos ajude a lidar com a velhice — seus significados, suas verdades, suas dádivas”.

Recuperar essa narrativa é fundamental, especialmente com nossa expectativa de vida chegando quase aos 80 anos. Não se trata de mascarar ou atenuar a realidade, nem de supervalorizar a velhice. Envelhecer é difícil. É se despedir, todos os dias, um pouco a cada dia, daquela carinha bonita a que nos acostumamos durante nossa juventude. É dar um oi para os cabelos brancos, para os problemas de visão, para os quilinhos a mais no corpo (especialmente na nossa região equatoriana). Envelhecer é uma lembrança constante de que a vida tem um fim. Mas a velhice pode e deve ser mais do que apenas o período em que esperamos a morte chegar.

Quais os significados e papéis que vamos atribuir à velhice?

Mudar a linguagem sobre a velhice é um passo importante, se pretendemos mudar a cultura. Em editorial recente, a revista Allure defendeu o fim do uso da expressão anti-aging [5]. Segundo Michelle Lee, editora da revista,“temos que parar de reforçar, mesmo que de forma sutil, que velhice é algo a ser combatido. Quando falamos anti-aging, colocamos os velhos no mesma conversa de anti-virus ou spray anti-fungo”.

Touché! Um início promissor de reconhecimento que velhice não é algo a ser combatido, mas sim acolhido. Esta é uma mudança de perspectiva importante.

Um segundo passo é reconhecer um preconceito comum de que a felicidade é associada à juventude. De que seremos mais felizes enquanto jovens do que quando velhos. Estudo da Gallup feito em quarenta e seis países, porém, mostra exatamente o oposto. Existem fortes evidências que apontam para uma co-relação entre idade e felicidade, formando uma curva em formato de U. De acordo com o estudo, somos felizes quando jovens. Depois, quando atingimos a meia-idade, a nossa sensação de felicidade diminui, atingindo seu ponto mais baixo, a prova definitiva da “crise de meia-idade”. Conforme envelhecemos, porém, depois dos cinquenta, a curva de felicidade apenas cresce.[6],[7],[8]

Tudo indica que, se o processo de envelhecer é penoso, depois que a velhice chega, a sensação de felicidade é igual ou maior do que quando jovens. Existem muitas narrativas a serem retomadas, mas reconhecer a capacidade produtiva dos idosos seria um terceiro passo importante.

Um de nossos maiores preconceitos é de que apenas os jovens são dotados de criatividade e capacidade de execução. Nada poderia ser mais enganoso. David Galenson[9], da Universidade de Chicago, defende que, enquanto damos ênfase ao “jovem gênio” (pense Mark Zuckberg, Orson Welles, Mozart), os “velhos mestres” (p.ex., Hokusai, que pintou “A Grande Onda” aos 71 anos) são uma evidência de que existe uma outra forma de se levar uma vida criativa e produtiva.

Orson Welles produziu sua grande obra, Cidadão Kane, com vinte e seis anos. Os velhos mestres, ao contrário, são o que Galenson classificou de “inovadores experimentais”, pessoas que, como o termo indica, passam a vida experimentando, testando, mudando, refinando, até produzir sua grande obra no período mais maduro da vida. Exemplos são inúmeros: Darwin, Mark Twain, Frank Lloyd Wright, Kurosawa. Cita o exemplo de Cézanne, que pintou durante toda sua vida, mas cujo quadro mais valioso, “Jogadores de Cartas”, foi pintando quando ele tinha mais de sessenta anos, e foi vendido por US$ 250 milhões, um valor quinze vezes maior do que seus quadros iniciais.

Essa mudança demográfica pede, portanto, uma nova narrativa. Uma que abrace a inclusão ao invés da exclusão, que reconheça a capacidade produtiva dos velhos ao invés de ignorá-la, que descubra que a felicidade não reside apenas na juventude.

Abri o texto com uma citação nostálgica do Queen sobre a perda da juventude. É apropriado então, visto a curva em U da vida, que eu o feche com uma citação que olhe para o futuro, mais reflexiva, um hino contemplativo da minha geração, a geração baby boomer, que agora se aproxima da velhice. Como canta Stevie Nicks (ainda), do alto de seus sessenta e nove anos:

“Can the child within my heart rise above?

Can I sail through the changin’ ocean tides?

Can I handle the seasons of my life?”

* * *

[1] “Expectativa de vida no Brasil sobe para 75,5 anos em 2015”, Portal Brasil (01/12/2016)

[2] “Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde (2015)”, OMS Organização Mundial da Saúde

[3] HAFNER, Katie (Sept. 15, 2016) “Researchers Confront An Epidemic Of Loneliness”, The New York times

[4] “The Journey Of Life: An Interview With Thomas R. Cole”, Reflections (2013), Yale University

[5] LEE, Michelle (Aug. 14, 2017) “Allure Magazine Will No Longer Use The Term Anti-Aging”, Allure

[6] GRAHAM, Carol and POZUELO, Julia Ruiz (August 2016) “Happiness, Stress, and Age: How the U-Curve Varies across People and Places” Journal of Population Economics, 30th Anniversary Issue

[7] HELIWELL, John, LAYARD, Richard, SACHS, Jeffrey (editors) “World Happiness Report 2015”

[8] The Economist “The U-Bend Of Life: Why, beyond middle age, people get happier as they get older” (Dec. 16th,2010)

[9] GALENSON, David W. (2007) “Old Masters and Young Geniuses: The Two Life-Cycles Of Artistic Creativity”

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