CARROS AUTÔNOMOS

FCB Brasil
Culture Drops
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4 min readApr 12, 2017

Quais mudanças em nosso comportamento podemos esperar com a chegada dos carros autônomos? Quais as consequências inesperadas?

Por Nelson Kuniyoshi.

Toda nova tecnologia traz consigo algumas consequências inesperadas. Quando a Apple lançou o iPhone, ninguém imaginaria que o celular ocuparia tanto tempo de nossa atenção ou que as pessoas andariam pelas ruas com o olhar fixo em sua tela.

O surgimento dos carros autônomos tem o potencial de causar mudanças enormes em várias esferas, mas é no comportamento das pessoas e em nossa cultura de consumo que estão, possivelmente, algumas das mudanças mais intrigantes.

Carros autônomos basicamente são carros inteligentes que dispensam motorista e são guiados por um conjunto de sistemas de navegação que inclui GPS, radares, câmeras e lasers. Que em alguns anos eles devem ser um veículo comum não é mais uma questão. Cidades como Paris, Helsinki, Tóquio e Singapura já estão testando o transporte público autônomo.

Waymo, o braço da Alphabet (Google), já realizou 3,2 milhões de quilômetros de testes sem motorista, o equivalente a 300 anos com direção humana.

Todas as grandes montadoras estão desenvolvendo projetos de carros autônomos. Mas agora elas já não competem apenas entre si. Tesla, Uber, Google e até Apple são algumas das empresas do Vale do Silício que também estão nessa briga. No total, 19 empresas trabalham com projetos de carros autônomos no momento, com a perspectiva de colocá-los nas ruas até 2021.

A recompensa virá na forma de um menor número de acidentes (90% dos acidentes são causados por erros humanos) e, consequentemente, menor número de vítimas (no Brasil, 45.000 pessoas morrem anualmente em decorrência de acidentes automobilísticos); menor necessidade de as pessoas terem carro (o transporte coletivo, seja público ou compartilhado, será o meio de transporte mais utilizado); e, ainda, uma mudança cultural em nossa relação com o carro.

Essas mudanças, por si só, já representam uma ruptura tremenda com a indústria da maneira como a conhecemos hoje.

Mas essa previsibilidade e segurança dos carros autônomos colocará em questão um aspecto pouco discutido até então. Carros, historicamente, além de servir como meio de transporte, adquiriram um aspecto simbólico importante. Roland Barthes, em Mitologias (1957), capturou bem esse simbolismo ao comparar carros modernos a catedrais góticas: “…eles são a criação suprema de uma era, concebidos com paixão por artistas desconhecidos e consumidos, não apenas pelo uso, mas por sua imagem, por inteiras populações que se apropriam deles como objetos puramente mágicos”. Essa “magia” incorpora significados de liberdade, rebeldia, emancipação. Muitos veem nos carros uma verdadeira extensão de sua identidade e de seu status social. Hollywood e seus “road movies”, e mesmo o próprio conceito do “American Dream”, incorporaram a imagem do carro e das estradas com infinitas possibilidades. Bullitt (1968), Thelma & Louise (1991) e até o aparentemente inocente Little Miss Sunshine (2006), por exemplo, seriam impensáveis sem o carro, que é efetivamente mais um personagem do filme.

O que acontece então quando os carros tornam-se previsíveis, cumpridores da lei (não ultrapassam limites de velocidade, não cruzam no sinal vermelho), totalmente seguros e, portanto, tremendamente enfadonhos?

Algumas consequências não intencionais:

Mais tempo livre dentro dos veículos, maior consumo de conteúdo: um estudo do Banco Morgan Stanley mostra que, se atualmente o valor do carro é basicamente hardware, com carros autônomos o valor de conteúdo crescerá em importância. Pessoas sendo transportadas terão tempo para trabalhar e consumir conteúdo. Netflix, podcasts e cursos online serão parte integrante da viagem.

Maior autonomia para todos: hoje, diariamente, pais e mães gastam um tempo enorme transportando seus filhos para escolas, cursos, casas dos amigos. Com transporte autônomo seguro, todos terão mais liberdade e autonomia.

Mudança na arquitetura: nossas residências, casas e prédios, durante as últimas décadas, foram projetadas para abrigar carros. O número de vagas na garagem ainda é um critério importante na compra de um imóvel. Com carros autônomos e o crescimento do transporte coletivo e compartilhado, construtoras já começam a perceber menor demanda por garagens e maior demanda por espaço de parada de táxis e Uber. Grandes espaços destinados exclusivamente para estacionamento em shopping centers, estádios e outros locais públicos terão outro uso.

Comportamentos antissociais dos proprietários: apesar dos inúmeros benefícios dos carros autônomos, será inevitável observar alguns comportamentos antissociais de alguns proprietários. Por exemplo, programar o carro para ficar dando voltas no quarteirão enquanto vai à padaria para não precisar estacionar; estacionar em lugar proibido durante um tempinho e programar para ele se mover a cada 5 minutos. Esse tipo de comportamento irá ocupar um espaço desnecessário nas ruas, causando maior congestionamento.

Surgimento de outros símbolos de rebeldia: se o carro deixar de ser um símbolo de rebeldia e liberdade, será que outro objeto tomará seu lugar? Qualquer que seja este objeto, provavelmente terá que satisfazer os seguintes critérios: (a) restrito a adultos, por preço ou por legislação; (b) relativamente perigoso, requer algum tipo de habilidade; © consumo público, ostensivo; (d) adaptável a diferentes públicos.

O carro autônomo promete ser a maior mudança na forma como nos locomovemos desde que o carro foi inventado, há mais de 100 anos. Será fascinante observar as mudanças de comportamento das pessoas ao se deparar com esta nova forma de transporte e suas consequências inesperadas.

Qual será nossa nova “catedral gótica”?

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REFERÊNCIAS

LAFRANCE, Adrienne. “The High-Stakes Race to Rid the World of Human Drivers”. The Atlantic. 1/12/2015. Disponível em: https://www.theatlantic.com/technology/archive/2015/12/driverless-cars-are-this-centurys-space-race/417672/

MOOR, Robert. “What Happens to American Myth When You Take the Driver Out of It? The self-driving car and the future of self”. New York Magazine. 16/10/2016. Disponível em: http://nymag.com/selectall/2016/10/is-the-self-driving-car-un-american.html

MILLER, Eric. “19 Ways Driverless Cars Will Change America”. Sustainable City News. 25/9/2016. Disponível em: http://www.sustainablecitynews.com/the-imagined-impact-of-automated-driverless-cars/

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