A menor distância entre dois pontos é uma conversa aleatória

fabrício teixeira
Cura Crônica
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3 min readAug 5, 2021

As portas do trem se abrem na estação de Olaria. Eu espero uma senhora entrar e, logo depois, entro. No lugar da costumeira mochila, um contrabaixo acústico é a minha “bagagem de mão” para essa viagem. Me encaixo em um canto estratégico, acomodo o instrumento e respiro. Trem vazio, graças a Deus. Tudo pronto para a viagem.

Na outra porta, um observador anônimo me fita. Ele busca meu olhar como quem vê algo ligeiramente exótico e precisa urgentemente falar sobre isso. Encaro o homem por alguns segundos e, um pouco desconcertado, percebo que ele me olha com uma simpatia incomum para as sofridas viagens ferroviárias no Rio. Retribuo com um aceno de sobrancelha. Quase um código, uma senha. A brecha que ele queria.

- É violãocelo, né?! — ele indaga.

- Não, é contrabaixo. — meu sorriso amarelo tem um ar de relaxa-todo-mundo-confunde-mesmo.

- Ah ta, pensei que era um celo.

- Não, é um pouco maior — eu forço com alguma graça

- Mas toca igual né?

Demorei pra responder. Tocam igual? São da mesma família, e utilizam arco (ou pizzicatto); então sim? Mas, por outro lado, o timbre e a afinação são diferentes; então não? O homem não estava de todo errado. Microssegundos depois, arrisco uma explicação:

- É, basicamente. Varia muito o timbre e a afin…

- E toca com aquela vara, né?

- Arco.

- Isso…viu, eu conheço. Minha prima toca violino. É igual também, né?

- Não, então — tento retomar o raciocínio — Aí também varia bastante o timbre e a afin…

- Ela fica lendo aquelas bolinhas lá no papel. Como é que vocês chamam aquilo?

- Partitura.

- Isso!! Aí ela lê aquilo lá. Uma loucura né?! Tem umas com perninha, tem branca, tem preta. Cada bolinha numa corda…

- Na verdade, não são as cordas, são as linhas de pauta, que…

- O cara que inventou isso devia ser doido né?! — Mais uma explanação certeira do meu interlocutor.

- É, é uma doideira mesmo. É basicamente como um novo idioma.

- É mesmo?? — ele arregalou os olhos em profunda surpresa — Não sabia disso não, muito legal. Tu fala inglês?

- Que? — indaguei, confuso — Não. Quer dizer, um pouco. Acho que me viro bem. Por quê?

- Ah tá. Porque você falou que é outro idioma…aí se vier escrito em inglês, tem que saber, né?!

- Não, cara. Não foi isso que eu quis dizer. É que…

- Ih! Triagem! Vou descer aqui. Valeu, irmão! Bom show!

Ele sai antes mesmo que eu responda. Volto minha atenção pro contrabaixo e me deixo rir um pouco da conversa inusitada, da qual eu não sei se participei ou somente presenciei. Desço na estação seguinte, Maracanã. Pego a escada rolante e caminho para a saída. O segurança da estação, comovido com a minha situação, acena para um portão lateral, que julgava melhor para passar com o contrabaixo. Aceito de bom grado e agradeço a gentileza.

- Valeu, camarada. Muito obrigado.

- De nada chefe! É violãocelo, né?!

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fabrício teixeira
Cura Crônica

músico, comunicador social, produtor, cronista, quadrinista e suburbano