De: Sheila Montenegro. (A carta do amor sem fim).
Houvera um tempo na história em que as cartas suportavam as angústias que precisavam ser comunicadas a alguém quando não havia coragem ou possibilidade de se falar diretamente. Há uma diferenciação perante a comunicação emocionada dos tempos modernos — em que as cartas perderam seus espaços para os textões de desabafo em aplicativos de mensagens ou redes sociais — que reside no fato de que as cartas podem ser rasgadas, queimadas, desviadas ou perdidas antes do seu destino.
Quando criança, escrevi uma carta para uma amiguinha que acreditava gostar. Uma carta infantil, repleta de corações e confissões. Antes de sair para a escola naquele dia, abri a mochila, retirei a carta, fui até a lixeira e a rasguei em pedaços. A primeira carta de amor que nunca enviei. Muitas outras sucederam — até as palavras virarem bytes.
Falo disso para contar um causo que me passou. Certa vez, na pré-adolescência, antes de uma aula, me deparei com um papel envelhecido no chão. O ano letivo já se encontrava a pleno vapor e eu estava todo dia naquela mesma sala. Definitivamente, se tinha algo de novo naquela sala era o papel envelhecido. O coletei com os dedos em pinça, como um arqueólogo que necessita causar o menor impacto possível em seu tesouro. Era uma carta. Mais que isso, era uma carta de amor. Mais que isso-isso, era uma carta de separação.
Foi inevitável pensar que aquela carta sofrera um enorme risco de se transformar em uma bolinha de papel que voaria na cabeça de um distraído ou dois até ter o seu fim em uma lata de lixo.
Em caneta vermelha, o papel envelhecido me comunicava três vezes o nome de sua autora: Sheila Montenegro. Também o título daquela carta: “Tente esquecer!”. A primeira linha me datava aquele documento de angústia: “1 de Outubro de 1981”. Percebia em certas palavras um borrar da tinta azul. Eram lágrimas. Aquele texto foi escrito durante uma emoção ímpar de sua autora.
Por anos pesquisei por pessoas homônimas à autora da carta pelos bairros vizinhos, nas listas telefônicas, na internet… Sem sucesso. Eu não sei se a carta foi algum dia entregue. Eu não sei se ela foi perdida pela autora ou por quem receberia. Eu sei que a achei. E por tê-la achado em juventude, quando nada sabia sobre amores e separações, perto dos vinte e nove, a transcrevo:
Tente Esquecer!
1 de Outubro de 1981.
Você pode tentar me esquecer como faz agora e, em momentos acreditará até que conseguiu. Você pode mergulhar no mundo tentando afogar o seu amor por mim. Nele encontrará muitas ilusões, eu sei. Mas sei também que não encontrará sequer um sonho. Você pode buscar no sol a ilusão de um beijo meu. Nele, por perto, encontrará calor mas jamais obterá meu carinho. Você pode encontrar no amor a imensidão, mas não encontrará a profundidade. E quando a brisa caminhar livre entre os fios de cabelos, e imagens nossas brincarem em sua mente trazendo na saudade a lembrança de momentos felizes que passamos juntos… Para não se sentir sozinho, abrace forte quem tentou tomar o meu lugar nos braços seus, mas não soube substituir no coração. Você pode encontrar em alguém os meus olhos, mas nunca encontrará o meu olhar. Você pode rasgar as minhas cartas no momento em que outra aparecer em sua vida, mas não poderá fazer o mesmo se quiser me apagar de sua lembrança. Você pode entrar no seu carro e na velocidade do momento tentar apagar a nossa história. Você pode viajar, tentar fugir, mas em toda parte do mundo existirá uma flor, uma estrela ou então uma poesia que fará você parar e lembrar de mim. E aí, mesmo sem jeito (e sem medo) pode voltar.