Duas cenas no metrô e uma cena no bar

Paula Amparo
Cura Crônica
Published in
3 min readApr 12, 2019
Photo by Filippo Andolfatto on Unsplash

Uma moça com uniforme de caixa da farmácia Pacheco está do meu lado mexendo no celular e eu fico curiosa porque ela parece muito concentrada em fazer o que está fazendo, no rosto dela tem até preocupação. Eu, sem discrição (mas ela nem percebe, está muito concentrada), consigo ver o que ela está pensando e publicando em seu facebook: “É NUM ESTALAR DE DEDOS ..”

Impressionados com a minha capacidade de amarrar cadarços de sapatos complicados, dois senhores puxaram assunto comigo porque imaginavam que só podia existir uma pessoa inteligente por trás daquela técnica. “Eu gosto mesmo é daqueles de velcro”, eu disse. E eles concordaram, o que nos fez iniciar uma conversa, a dos fãs do velcro.

“O senhor é carioca?”, pergunto.

“Sou, mas sou de convicção, porque eu nasci em Santa Catarina”, ele responde. “Infelizmente, lá não tem nada disso que tem aqui”, ele completa depois de um breve silêncio.

Pronto, além de tênis de velcro, também amamos a mesma cidade. Empatia. Eu sorrio e ele me conta, finalmente, o que ele parecia querer contar desde o início: “Hoje eu fui em dois enterros”. Eu rio. Eu rio à toa. E ele ri também. Um amigo tem a teoria de que a gente sabe quanto dinheiro a pessoa tem pela risada dela e ele sempre imita a risada do chefe dele pra eu poder entender um pouco como funciona. Para mim, esse senhor tem esse tipo de risada, de quem já foi chefe de muitas coisas.

“Fiquei nervoso de ter que esperar pelo segundo enterro, pois os enterros eram em capelas diferentes, embora fossem no mesmo cemitério”, ele ri, me olha bem e continua: “Então eu passei um tempo do lado de fora, perto das lápides”.

“Como assim nervoso?”, pergunto.

“O problema é ir ficando por lá, o nosso corpo do mesmo jeito que aprende como andar e entrar nos lugares, pode também esquecer e não saber mais a hora de ir para casa”, ele responde.

Eu, apaixonada por conteúdos fantásticos, penso em Edgar Allan Poe com Anjo Exterminador no Cemitério do Caju. O metrô chegou no Flamengo e nos despedimos como se fôssemos nos ver de novo: “Até breve”. O sobrenome dele é Zimmermann e eu depois o procurei no google, e descobri que significa carpinteiro porque era comum sobrenomes surgirem de acordo com as profissões das pessoas. Provavelmente o tataravô dele era carpinteiro na Europa e agora ele tá aqui, como eu, não querendo de jeito algum largar os trópicos. O nome dele eu esqueci.

Mudou a estação e o ano astral, mas continua difícil... Meu corpo está amolecido pelo Sol, que nos tira de casa igual as baratas que saem dos bueiros por conta do calor. Uma amiga me disse que no Rio de Janeiro, em algum momento só restaria nós e as baratas, naquela fase que todo mundo estava indo fazer um mestrado, um trabalho ou uma nova graduação; na Europa, no Nordeste ou em São Paulo. Agora já foram e outros continuam me falando sobre ir, sobre o Rio de Janeiro ter acabado. As teorias são diversas: o prefeito, o carro do pai que foi roubado 6 vezes, a depressão, a UFRJ incendiada, o preço. Sábado bebendo atrás do Verdinho, uma barata pousou em uma das meninas da mesa e ela pediu para eu ver o que era. Eu dei um passo para trás, começando a cisão entre os que desmaiam com barata e os que conseguem encarar. Como se estivéssemos em volta de uma fogueira, Caio (esse desmaia mesmo) contou uma história: a mãe de uma amiga sofrendo com uma infestação de baratas na casa dela, comprou um produto que ela jogou nos ralos e foi dormir. Acordou no meio da noite sentindo patinhas pelo corpo e quando acendeu a luz, percebeu que as baratas saíram dos ralos e voavam em cima da cama dela. No dia seguinte jogaram dois sacos enormes de lixo fora, cheios de baratas — pelo menos o veneno funcionou. Nesse momento, imersos na história, outra barata surgiu, agora na perna de uma das pessoas da mesa. Quando olhamos ao redor, os garçons esmigalhavam as que entravam no bar usando vassouras de piaçava. Os bueiros estavam tomados. Não havia muito o que fazer: pagamos a conta, desviamos delas e seguimos pelas ruas escuras. Eu usava salto.

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