Há um muro de concreto entre nossos timbres
Toda terça-feira eu chego à Escola de Música Villa-Lobos para tocar junto com um trompetista. Em comum, a vontade de aprender, de evoluir em seus instrumentos, de tocar as pessoas com a nossa música. De diferente, quase todo o resto — inclusive o repertório.
Isso porque o meu “amigo” (e entenda que todas as próximas vezes que eu empregar esse termo, ou semelhantes, ele deve ser lido com aspas imaginárias) na verdade disputa comigo o silêncio da aula das 21h. Ele e seu agudo trompete seguem na batalha para executar os clássicos do jazz internacional. Eu, debruçado no contrabaixo, sigo apanhando dos gênios da música erudita.
Num primeiro momento, nossa amizade foi difícil. Primeiro ele sufocava meu pizzicato com suas notas agudas. Depois, eu devolvia preenchendo metade do terceiro andar com um dó sustenido no arco. Entre um sopro e uma arcada, a música do bar em frente entrava na disputa para atazanar os ouvidos mais sensíveis.
Ficamos nesse embate por algumas semanas, até decidirmos cooperar. De vez em quando, ouço as instruções do mestre Omar, enquanto percebo que meu amigo treina escalas em seu instrumento. Omar ajeita os óculos e e diz que “com esse trompete fica meio difícil concentrar, né?!”. Quando começo meu treinamento do lado de cá, sinto que ele respeita meu momento — além de seus pulmões — e faz uma breve pausa.
Essa pequena história me ensinou muito a respeito de música — ou pelo menos eu finjo que ensinou. Música é cooperação, nunca rivalidade. É respeitar o tempo do outro (mesmo que ele atravesse o seu). Quem sabe meu amigo esteja aprendendo algo também. Quem sabe ele esteja contando uma história semelhante a seus amigos (dessa vez, amigos sem aspas).
Quem sabe um dia nós possamos tocar juntos. Talvez no bar, que ainda não entrou no nosso acordo de cavalheiros, firmado mesmo sem uma palavra trocada. Quem sabe, nesse dia, os dois possam finalmente tocar a mesma música.