O preço da fama é um coração partido (ou A empreitada de Beethoven no Marketing Musical)

fabrício teixeira
Cura Crônica
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3 min readJun 4, 2020

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Era 1809 — ou 1810, um pouco mais, um pouco menos — quando Ludwig van Beethoven recebeu uma encomenda. O dono de uma companhia de telefone, aparelho que só seria inventado por Graham Bell 65 anos depois, foi astuto e visionário ao pedir para o alemão uma composição que pudesse ser tocada durante a espera dos clientes na linha. Hesitante, Beethoven sentou-se ao seu piano e a inspiração o levou a escrever a Bagatela Para Piano Für Elise. Era o alicerce do telemarketing.

Elise, ao que me consta, era Therese Malfatti, um dos grandes amores de Lud, a quem, inclusive, ele pediu em casamento utilizando-se da música como presente de proposição. Vale explicar: a surdez já acometia o compositor quando ele conheceu Therese em uma festa em Viena. Uma pianada, como chamavam os jovens da época. “Oi, eu sou o Ludwig” se apresentou, timidamente. “Prazer, Ludwig. Eu sou Therese”. Beethoven ouviu Elise no lugar do nome real da moça e deu-se a confusão.

O que Lud não sabia é que Therese não lhe guardava muito afeto. Quer dizer, ela até achava ele bonitinho, uma cabeleira maneira e uma cara de mal que compunham um estilão bad boy — ou böser bub para os alemães. Mas Therese achava Beethoven muito autoritário e um tanto desorganizado com seus papeis, e achou de procurar melhor pretendente. O baque foi tão grande, que jogou o compositor em uma crise criativa; durante os anos seguintes ele compôs apenas a Sinfonia Nº 7, a Sinfonia Nº8 e o Quarteto em Fá Menor. Secura total.

Como o telefone ainda não tinha sido inventado — e por conseguinte o telemarketing, o jingle de Beethoven não era de conhecimento do grande público alemão. Ciente disso, Therese viu a oportunidade de ganhar algum dinheiro com o casamento que negou e vendeu a partitura original que ganhou do pretendente para a família Blau. Hermann Blau, mais tarde, viria a entrar no ramo do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) e precisava de uma musiquinha para tocar em seus caminhões de distribuição.

Se a empreitada com Therese não trouxe a Ludwig o amor que tanto cobiçava, a inspiração que ela lhe rendeu — e o espírito de porco de vender o presente de seu pretendente — transformaram o alemão em um dos compositores românticos mais executados nos dias de hoje. O preço do sucesso foi um coração partido, se podemos colocar assim.

Infelizmente, Ludwig van Beethoven não pôde esticar a vida por mais uns 193 aninhos e ver que, ainda hoje, no ano da graça de 2020, sua obra segue imortal. Mas ele está vivo em cada cliente de TV a cabo, ou banco, que espera frustrado no telefone para seu problema não ser resolvido; e em cada vez que um caminhão cruza as ruas do subúrbio carioca anunciando que Chegou O Carro do Gás! e executando polifonicamente a melodia que ele, no píncaro de seu afeto, compôs com tanto zelo para sua amada imortal.

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fabrício teixeira
Cura Crônica

músico, comunicador social, produtor, cronista, quadrinista e suburbano