Segunda, durante a hora mais difícil
Hoje eu me quis doente. Eu desejava ter uma laringite, uma gripe, uma alergia — coisas que eu saberia lidar; não queria um pé torcido ou nada do tipo; com os meus problemas para respirar eu me viro. Eu queria mais um dia de ressaca, queria uma segunda inteira afundada na cama. A segundinha, como brincávamos eu e Fabrício, na época da comemoração da caixinha de fósforo, de fazer adega e de aprender a dinâmica das ruas. Eu quero ser a criança que a febre passa depois que ganha atestado pra faltar aula. Hoje chove, a escuridão do meu quarto é intensificada e isso me deixa preguiçosa, o meu café da manhã sai às 14h e eu faço o almoço enquanto anoitece. Eu queimei duas panelas, mas fiz uma comida bem gostosa. Eu quero um dia perdido — só mais um dia perdido. Os meus gestos divergem das demandas da rotina e o meu corpo letárgico é um corpo incontido. Em maio eu tive finais de semana intensos: fugi pra noite, pra lapa e pros bares. Revi muita gente. Revi os donos da barraca da Fátima que me reconheceram com carinho. Os meninos que fazem a caipirinha fizeram graça quando me viram. A dona perguntou se eu tinha tirado o dia pra ficar de porre, e se caso me acontecesse algo era pra eu procurá-los, porque eu poderia deitar lá atrás. Tenho no meu diário de viagem para Coimbra, os votos de alegria dos funcionários da Casa da Cachaça. Após defender o meu TCC, eu percebi o que tem em Goeldi que tem em mim: os perdidos. Me sinto amorosíssima e aberta: me sinto bem. Ultimamente, todas as noites eu chego em Cascadura, arrasada, por dores incompreensíveis do cotidiano e pelo deslocamento, mas especialmente feliz. Tem dias que eu chego nas manhãs: pego o ônibus e venho. Meu ônibus me deixa na encruzilhada e vejo as pessoas seguirem, cada uma na sua e sem pressa. A luz amarela dos postes que ainda estão acessas na hora do intervalo, entre a noite e o amanhecer. A claridade dos arrabaldes goeldianos. A chuva aliviou no sábado, o que nos deixou ir da barraca da Fátima até a padaria da Mem de Sá. Caminhei pelas ruas molhadas às 7 da manhã, com as mãos nos bolsos do casaco, sozinha e alegre (sou eterna). Esses dias fui com Marcela em uma apresentação muito bonita da cantora Letícia Novaes, a Letrux, que também é escritora e tem um poema sobre quase morrer acompanhado. Se você atravessa a rua sozinha e quase é atropelada, você costuma mandar todos os carros irem pra merda, você fica irritada. Mas se você está acompanhada, você ri e “nossa menina, quase fomos”, você diz. Eu e Marcela quase fomos atropeladas na rua Primeiro de Março e a primeira coisa que fiz foi segurar a mão dela, correr e rir. São três coisas e todas são as primeiras coisas porque foi tudo ao mesmo tempo. Às vezes é bom caminhar sozinha e outras vezes uma companhia nos salva: de nós mesmos, da nossa cólera, do nosso pessimismo. O fim do mundo é tarefa para os acompanhados. Quando ele recomeça, somos soberanos. Meus amigos me perguntaram o que havia pra ser feito no sábado e eu disse que podíamos sair pra preencher o cartão fidelidade da caipirinha — e eu ganhei uma caipirinha. É preciso ficar fora uns dias e beber umas 4 ou 6 caipirinhas. Organizar as forças.