Uma Família Musical para chamar de minha

fabrício teixeira
Cura Crônica
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3 min readDec 14, 2021

De todas as invejas bobas que tenho, uma que me assola desde que o — meu — mundo é mundo, é de não ser de uma família “muito musical”. Você sabe, como naqueles programas de TV, onde o apresentador pergunta pro artista “e de onde veio essa coisa de querer cantar?”, e o artista responde num bate-pronto mais ensaiado que a música que cantou: “Ah, Fausto [nome meramente ilustrativo], vem de berço, sabe?! Sou de uma família MUITO musical!”. Depois, aquele básico arquivo confidencial [outro nome meramente ilustrativo] com fotos que mostram a família tocando violão e uma versão infantil do artista cantando com uma colher de pau na mão, simulando o microfone.

A família musical, geralmente, consiste em pais que tocam algum instrumento, às vezes são compositores, professores ou até maestros; ou começou lá atrás, com os avós que colocaram TODOS os filhos para estudar música e, futuramente, tocarem para os convidados em reuniões e festas de família. E existe, claro, outro tipo de “família musical”, que acontece quando alguém é filho de um artista já consagrado. Fica até difícil desviar do caminho da música, e torna ainda mais obsoleta as perguntas do apresentador. Mas desse último confesso nem ter muita inveja.

Meu pai era contador. Seu talento musical consistia em um assobio bem afinadinho, e uma cantarolada ou outra nos grandes sucessos de Raul Seixas (e isso não é, nem de longe, uma queixa). Minha mãe é dona de casa, e dela herdei o gosto pela música popular brasileira (exceto Roupa Nova, desculpa, mãe!) e por algumas bandas do rock nacional — o, hoje sofrível, BRock. Meu irmão estudou um pouquinho de piano, e executava com ligeira maestria o “Tema da Vitória” do Ayrton Senna — que demorei pra descobrir, mas que não havia sido o Senna que compôs o tema. Minha tia-avó estudou piano clássico e popular, fazendo dela a musicista mais completa da família.

A melhor história da minha família com a música, porém, é a do meu avô. Affonso Teixeira foi cantor de programa de calouros. Um de seus grandes orgulhos foi ter sido segundo lugar em um concurso vencido por ninguém menos que o grande Cauby Peixoto — concurso esse do qual eu não fui atrás de confirmar porque a dureza dos fatos poderia apagar as cores de uma boa história. Depois da orgulhosa segunda colocação, passou os seus dias cantando Luis Miguel, Roberto Carlos e Julio Iglesias, enquanto exercia o ofício de alfaiate.

Eu mesmo, que até me considero bastante musical, ganhei meu primeiro violão só aos 14 anos, e comecei a tocar de verdade só com 17. “Tarde demais para ser o novo Mozart”, como diria Beethoven. E tarde demais para ser o novo Beethoven, acaba de me ocorrer. De qualquer maneira, esses dois gênios da música têm isso também em comum: vieram de famílias extremamente musicais. Ambos eram filhos de compositores, maestros e professores de músicas em seus respectivos tempos. O que não significa que Mozart não seria Mozart se não tivesse começado de berço; e nem que eu seria um gênio da música caso tivesse.

O meu maior medo, confesso, é o de um dia estar frente a frente com um auditório abarrotado de fãs e no momento em que o apresentador bem-humorado me fizer a derradeira pergunta “de onde veio essa coisa de querer ser músico?”, eu trave e não tenha uma resposta. Será que as pessoas aceitariam uma história sem pompa, ou circunstância, sem um pai regente de orquestra, ou uma mãe que não toque piano desde os 3 anos?

Posso apelar e dizer que, “infelizmente, antes não foi possível, mas prometo obrigar TODOS os meus filhos e filhas a aprenderem um instrumento, dando às próximas gerações de Teixeiras uma família musical para justificar suas possíveis inclinações artísticas”, não posso? Só o tempo dirá. Por enquanto, as reuniões de família seguem embaladas por shows do Fundo de Quintal e da Alcione no YouTube mesmo.

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fabrício teixeira
Cura Crônica

músico, comunicador social, produtor, cronista, quadrinista e suburbano