Artistas LGBT+ contemporâneos

Isabela Jaha
Cursinho Arte Pra Quê
9 min readJul 4, 2021

Nesta segunda parte sobre artistas LGBTQIA+ para conhecer, nós trazemos artistas contemporâneos, nacionais e internacionais, que possuem trabalhos muito diversos entre si, bem como tratam sobre diferentes temáticas e exploraram suportes variados.

Este texto foi elaborado em conjunto por Isabela Jaha e Luisa Soares.

Lyz Parayzo — Bandeira #1, 2020 . Alumínio polido. Edição única. 50 x 67 x 40 cm

Lyz Parayzo (1994 — )

Lyz Parayzo — Bandeira #2, 2021. Latão polido. Edição única, 40 x 55 x 50 cm. Foto de Ana Pigosso

Lyz Parayzo é uma artista brasileira, radicada em Paris, França, que trabalha com múltiplas linguagens nas artes visuais, e seus principais materiais de uso, como o alumínio e seu próprio corpo, se encontram na escultura, performance, joalheria e audiovisual. Graduou-se em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro — UNIRIO, e estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Atualmente, Lyz Parayzo realiza especialização no programa de Mestrado na École Supérieure de Beaux-Arts (Escola Superior de Belas Artes). Ao conhecer o trabalho de ourivesaria — uma vez que seu avô foi ourive, e seus tios atualmente trabalham com isso -, Lyz inicia sua carreira no meio artístico através de jóias, as quais ela chama de “Jóias Bélicas”; tais jóias consistem em objetos feitos em metal que unem o universo da joalheria com armas, portanto, o apetrecho se torna tanto um acessório quanto um objeto de defesa, como é o caso de suas “UnhaNavalhas”. Com o passar dos anos, Lyz trabalhou com esculturas, as quais intitulou de “Bixinhas” e “Popcretinhos”.

No caso de “Bixinhas”, a artista faz referência direta ao trabalho de Lygia Clark, “Bixos”, que é composto por uma série de esculturas moldáveis, nas quais Clark almejava a interação do público com sua obra. No caso de Lyz Parayzo, o trabalho transcende o conceito de objeto escultórico e também se insere no campo da arma e do objeto de defesa, visto que a sua série de esculturas, compostas de alumínio, nada mais são que objetos em formato de navalha. Desta forma, a artista propõe em “Bixinhas” uma contraposição e rejeição da passividade e domesticidade que a obra de Lygia Clark poderia sugerir, em que as “Bixinhas”, por serem armas, estão mais dispostas a afastar do que a atrair o público. Além disso, a obra recebe este nome em referência ao termo “bichinha”, utilizado de forma pejorativa aos homossexuais e transsexuais. A aparência agressiva de suas obras é, portanto, uma resposta à violência sofrida pelos corpos dissidentes e se torna estratégia de defesa, onde a violência parece ser a única saída ou resposta aos próprios processos violentos.

A obra de Lyz Parayzo busca, tanto em suas esculturas quanto em suas performances e outros trabalhos, fazer referência ao corpo, como a própria carne ou a sexualidade, e assim o corpo considerado desviante ou dissidente se faz totalmente presente em seu trabalho. Ao colocar em xeque o corpo que incomoda espaços hegemônicos — como ela faz em sua performance “Putinha Terrorista” — ela também questiona o masculino e feminino, onde não há presença do homem viril e violento, tampouco da mulher frágil e submissa. Falar sobre o corpo e suas tensões, e inserir seu próprio corpo na maioria esmagadora de seus trabalhos, é também estratégia para questionar o que seria, afinal, o corpo e seu modus vivendi.

Annie Leibovitz (1949 — )

Annie Leibovitz — Whoopi Goldberg, Berkeley, California, 1984, 1984. Impressão cibacromo. 50,8 x 40, 7 cm

Annie Leibovitz é uma célebre fotógrafa estadunidense. Conhecida por ser uma grande retratista de celebridades ao redor do mundo, suas fotografias são reconhecidas sobretudo por adquirirem um aspecto dramático e envolvente. Apesar de realizar fotografia de retrato, Leibovitz não leva em consideração a objetividade em seus registros, e procura trabalhar sobretudo com a expressividade do retratado, e assim cria narrativas e ludicidade a partir do que captura, ou seja, busca a subjetividade no registro de algo que, em um primeiro momento, somente possa existir de maneira objetiva. Segundo a própria fotógrafa: “Todo mundo tem um ponto de vista. Algumas pessoas chamam isso de estilo, mas o que realmente estamos falando é da coragem de uma fotografia”. Annie Leibovitz já participou de exposições ao redor do mundo, dentre elas a Smithsonian American Art Museum [Museu Smithsonian de Arte Americana], em Washington DC, e a Galeria National Portrait, em Londres.

Nascida em Waterbury, Connecticut, Leibovitz começou a estudar pintura no Instituto de Artes de São Francisco, em que seu primeiro era, na realidade, se tornar professora de artes, até que começou a fazer aulas noturnas de fotografia. Em 1970, a artista começou a trabalhar para a revista Rolling Stone. Em apenas três anos, Leibovitz se tornou fotógrafa-chefe da revista, e em 10 anos trabalhando nela, chegou a fotografar 142 capas. Além disso, Annie Leibovitz foi a primeira mulher a ser nomeada fotógrafa-chefe da revista. Em 1983, ela começou a trabalhar para a Revista Vanity Fair, e em 1998 começou a trabalhar também para a Revista Vogue. Contudo, a artista não trabalhou apenas com fotografia para revista, ela também já realizou diversas campanhas publicitárias — as quais ganhou diversos prêmios — e participou de grupos e organizações de artistas, como a Academia de Música do Brooklyn.

Foi na Vanity Fair que Annie Leibovitz começou a desenvolver seus retratos mais subjetivos, lúdicos, encenados e bem iluminados, deixando de lado a objetividade no registro fotográfico. Pelo seu histórico em diversas revistas e campanhas publicitárias, Leibovitz é conhecida por suas fotografias de celebridades e grandes figuras públicas, sendo que ela foi a responsável por capturar a última foto de John Lennon e Yoko Ono juntos, antes da morte do cantor em 1980. Sobre este caso, a artista fotografou a icônica capa de John Lennon para a Revista Rolling Stone, sendo que a ideia inicial era fotografar apenas o cantor, mas ele quis que Yoko Ono participasse da foto. Dito e feito, Annie Leibovitz planejou como a fotografia seria tirada. “Vi a capa na qual estavam se beijando. Fiquei muito comovida com esse beijo. Era muito mais do que uma simples foto de um beijo. Então, para a foto que queria tirar, imaginei-os juntos de alguma forma. E não foi difícil imaginá-los sem roupa, porque tiravam sempre,” disse Leibovitz. Horas depois da fotografia, John Lennon foi assassinado a tiros.

Uýra Sodoma

Uyra Sodoma — Hope (Editorial para a revista Vogue), 2020. Foto de Hick Duarte

Emerson Pontes, conhecido pelo seu nome artístico Uýra Sodoma, é artista visual multimídia. Ao utilizar seu corpo como suporte, o artista funde elementos orgânicos, encontrados na natureza, com seu próprio corpo, criando assim uma arte corporal única, que se relaciona com os conceitos de vida e natureza, interpretando-se, desta forma, como elementos interdependentes. O trabalho de Uýra Sodoma é, acima de tudo, questionar as definições do que seria o natural e o naturalizado; quais são os limites entre alguma coisa verdadeiramente natural, e alguma coisa que sofreu processos — de socialização e estruturação — até se tornar natural? Assim, o artista cria performances e as registra por meio de fotografias, em que seus locais de atuação e performatividade podem ser tanto a floresta e ambientes naturais quanto locais totalmente poluídos e que sofreram processos de intervenção humana.

Segundo o artista, a Uýra Sodoma é uma forma de colocar o conhecimento científico e acadêmico (relacionado a biologia) através da arte, sendo que este é um de seus objetivos no meio artístico, visto que o conhecimento acadêmico permanece sofrendo diversas barreiras que impedem que tal conhecimento ultrapasse o próprio meio acadêmico. Assim, Uýra Sodoma faz uma ponte entre o saber científico e o saber da rua, ao utilizar seu corpo como suporte e realizar performances e intervenções urbanas sobre temáticas relacionadas à natureza. Uýra Sodoma, enquanto um ser híbrido, que intersecta o conhecimento científico com o conhecimento ancestral, se define como “uma árvore que anda”, uma drag queen amazônica e “uma entidade em carne de bicho e planta”.

De origem amazonense, Emerson Pontes é indígena viveu até os 5 anos de idade em Mojuí dos Campos, local que se emancipou e se tornou município em 2013. Segundo o artista, o local em que viveu era rodeado de água limpa e muita floresta, e ainda diz que Uýra Sodoma o acompanha desde cedo. “Faz poucos anos que estou vivendo a consciência de que a Uýra existe, mas percebo que, quando tinha 5, ela já me habitava e já acontecia naquele instante uma investigação sensorial dos cheiros, das imagens e dos sons que existiam naquele local e que passam pela Uýra”, diz o artista. “Hoje, a Uýra é um dos meus principais canais de comunicação. Eu me transformo e vou à rua, a diversos locais, tentando comunicar sobre o direito à vida e suas violações, que são coisas que me interessam a partir da ótica da diversidade de formas”. Assim, Uýra Sodoma é uma fusão entre a natureza e a vida, a cultura LGBT e o ativismo ambiental, e a arte com a resistência.

Pierre et Gilles

Pierre et Gilles — Les mariés (Pierre et Gilles), 1992. Fotografia colorida. 18x13 cm

Pierre Commoy (1950-) e Gilles Blanchard (1953-), conhecidos como Pierre et Gilles, são dois artistas franceses que trabalham juntos desde 1976 em fotografias com intervenções pintadas à mão. Como parceiros românticos e artísticos, a dupla se aprofundou em retratos de celebridades, amigos, anônimos e modelos, misturando elementos da história da arte e da cultura popular. Pierre é quem tira as fotos e Gilles faz a parte das intervenções. O casal atualmente vive e trabalha em Paris, França.

Pierre et Gilles tiveram grandes exposições e algumas situações polêmicas, como em 2012 quando o trabalho Vive la France foi exibido em grandes cartazes nas ruas da Áustria para anunciar a exposição Nackte Männer (em português, Homens Pelados). A obra retrata três jogadores de futebol franceses com seus órgãos genitais totalmente revelados: o primeiro negro, o segundo árabe e o terceiro branco, para representar a composição multiétnica da sociedade francesa moderna. A confusão levou os artistas a tomarem a decisão de trocar alguns dos maiores cartazes por outros com fitas coloridas para cobrir os órgãos genitais dos modelos.

Atelier Transe

Atelier Transe — Aceita (compilado), 2015–2017. Registro audiovisual de performance, 8’32”

O Atelier Transe é composto pelos companheiros românticos e artísticos Pedro Orlando e Marcelo Prudente, que trabalham juntos desde 2015. Pedro é graduado em Letras Inglês pela UECE e em Artes Visuais pela UNICID, além de mestrando em Linguística Aplicada pela UECE. Tem sua pesquisa focada em audiodescrição poética de obras de arte e produz eventos culturais independentes; Marcelo tem licenciatura plena em Artes Cênicas e atualmente mestrando em artes cênicas na Escola de Comunicação e Artes (ECA) pela Universidade de São Paulo (USP) com a pesquisa intitulada: “Poéticas do Afeto: a participação na arte da performance”. O ator, performer e arte educador participou de diversos coletivos e exposições, e é professor efetivo de artes da rede pública estadual do governo de São Paulo.

A dupla realiza ações artísticas e educativas transitando entre performance, intervenção urbana, artes cênicas, literatura, videoarte, fotografia, sempre buscando a acessibilidade. A poética parte da relação entre os dois e da relação dos dois com o mundo, criando obras que rondam o afetivo, o ritualístico e buscam novas reflexões perante esses universos e as relações humanas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

40 anos das últimas fotos de John Lennon. Em: Rolling Stone.Disponível em: https://rollingstone.uol.com.br/noticia/40-anos-das-ultimas-fotos-de-john-lennon-bastidores-da-capa-mais-iconica-da-rolling-stone-flashback/. Acesso em: 04/07/2021.

ANNIE Leibovitz. Em: Artnet. Disponível em: http://www.artnet.com/artists/annie-leibovitz/. Acesso em: 04/07/2021.

______. Em: Vanity Fair. Disponível em: https://www.vanityfair.com/contributor/annie-leibovitz. Acesso em: 04/07/2021.

CATÁLOGO da exposição “Quem Tem Medo de Lyz Parayzo?”. Em: Casa Triângulo. Disponível em: https://www.casatriangulo.com/media/pdf/CT_LPportfolio2020.pdf. Acesso em: 04/07/2021.

LYZ Parayzo. Em: Prêmio Pipa. Disponível em: https://www.premiopipa.com/pag/artistas/lyz-parayzo/. Acesso em: 04/07/2021.

MÍDIA Ninja. Uýra Sodoma, uma drag queen indígena em defesa da Amazônia. YouTube, 14 de junho de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3AnIteg88-Y. Acesso em: 04/07/2021.

‘Nude Males’ Art Show At Leopold Museum Sparks Controversy: Then Sells Out…. Em: The Huffington Post. 1 de Novembro de 2012. Disponível em: https://www.huffingtonpost.co.uk/2012/11/01/made-nudes-art-show-austria_n_2056330.html. Acesso em: 04 de julho de 2021

PIERRE et Gilles. Em: Artnet. Disponível em: http://www.artnet.com/artists/pierre-et-gilles/. Acesso em: 04 de julho de 2021

Seção Sobre. Em: Atelier Transe. Disponível em: https://www.ateliertranse.com/sobre. Acesso em: 04 de julho de 2021

UÝRA Sodoma. Em: Select. Disponível em: https://www.select.art.br/uyra-sodoma-a-cobra-das-aguas-amazonicas-diante-da-degradacao-ambiental/. Acesso em: 04/07/2021.

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