Conhecendo artistas LGBT+ do século XX

Isabela Jaha
Cursinho Arte Pra Quê
10 min readJul 1, 2021

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O mês de junho é conhecido mundialmente como o mês do orgulho LGBTQIA+. Por isso, o Arte Pra Quê juntou algumas obras de artistas LGBT+ com o intuito de apresentar esses artistas — que talvez você nem sabia que eram LGBT+ — tão citados na história da arte do século XX. Bora conhecê-los?

Keith Haring (1958–1990)

Keith Haring, Todos Juntos Podemos Parar el Sida, 1989. Mural (tinta sobre parede), Espanha.

Artista visual e ativista, Keith Hering teve uma curta, porém considerável carreira inserida no meio artístico nova-iorquino. Com grande aspecto social, ativista e transgressor, Haring criou uma série de trabalhos inseridos no meio urbano que dialogam com temas sociais e políticos, onde seu recurso principal é o uso da linha bold [grossa] em desenhos que se assemelham a pictografias ou hieróglifos, onde parecem simples em um primeiro momento, mas a partir da observação se vê a complexidade temática e compositiva. Nascido e criado na Pensilvânia, Estados Unidos, sente afeição pelo desenho desde criança, onde aprende a desenhar com seu pai, que lhe ensinou desenho animado, e se inspirou na cultura cartoon, como Dr. Seuss e Walt Disney. Para dar continuidade a sua paixão, Haring decide, em 1978, se mudar para Nova Iorque para estudar Artes na School of Visual Arts — SVA [Escola de Artes Visuais]. Ao se instalar na turbulenta cidade, não demora muito para se tornar um dos principais contribuintes do cenário artístico-cultural no bairro de East Village. Lá, ele descobre uma rede alternativa de artistas que não dialogam com o meio artístico tradicional — como exposição em museus e galerias — e se integra com este pessoal, tornando-se amigo de grandes artistas como Jean-Michel Basquiat e Kenny Scharf.

Haring desenvolveu diversas influências e inspirações na produção de seu trabalho ao longo do tempo, como a própria história e teoria da arte, além de artistas de vanguardas da primeira metade do século XX. Com isso, o artista começa a desenvolver uma expressão gráfica e plástica baseada na linha e suas possibilidades de expor comunicação e expressão plástica ao mesmo tempo. Ao longo de sua carreira, o artista se dedicou grandemente a produção de obras de arte pública, produzindo murais e intervenções urbanas em diversos pontos da cidade de Nova Iorque, além de realizar outras ações artísticas, como a abertura de sua loja Pop Shop [Loja Pop] em 1986; esta loja foi desenvolvida com o propósito, segundo Haring, de tornar seu trabalho cada vez mais acessível (no sentido financeiro) e disponível ao público (no sentido de estar cada vez mais presente em diferentes lugares).

Em 1988, Keith Haring foi diagnosticado com AIDS, época onde ocorria uma epidemia em diversos países ao redor do globo. Em 1989, inaugurou a Keith Haring Foundation [Fundação Keith Haring], cujo principal objetivo era promover a conscientização da AIDS por meio da divulgação e do apoio a organizações relacionadas ao tema. Nos últimos anos de sua vida, Haring se dedicou a trabalhar com imagens e materiais sobre AIDS com o propósito de falar sobre sua própria doença; Haring foi um verdadeiro ativista na conscientização da AIDS. Em 1990, Keith Haring morreu devido a complicações da doença.

Leonilson (1957–1993)

Leonilson, O Perigoso (série), 1992. Bico de pena sobre papel, 30,5 x 23 cm, Coleção Inhotim.

José Leonilson foi pintor, desenhista e escultor. Nascido em Fortaleza, Ceará, mudou-se com a família para São Paulo com apenas quatro anos de idade; desde criança, desenvolveu interesse pelas artes plásticas, então ele realizou uma série de cursos livres e, em 1977, ingressou no curso de Educação Artística na Fundação Armando Álvares Penteado — FAAP, onde foi aluno de grandes artistas como Nelson Leirner e Julio Plaza. O artista começou a estudar aquarela com o artista Dudi Maia Rosa, e com o passar dos anos desenvolveu certo interesse pela pintura; desta forma, Leonilson fez parte do que chamamos de “Geração 80”, uma geração de artistas que se dedicam e têm apreço pela pintura e pela exploração de novos materiais a partir deste suporte. A partir da década de 80, o artista passou a participar mais ativamente do meio artístico, onde integrou uma série de exposições coletivas, além de ter realizado mostras individuais, tanto no Brasil quanto no exterior.

Em 1981, Leonilson viajou a Madri para realizar uma exposição individual, e lá permaneceu por um ano. Assim, ao retornar ao Brasil em 1982, suas obras começara, a possuir um caráter predominantemente autobiográfico, onde a arte e seus diferentes suportes se tornam diários para o artista. Além da pintura e do desenho, Leonilson também desenvolveu diversos trabalhos utilizando técnicas de bordado e costura, durante a passagem dos anos 80 para os anos 90.

O artista faleceu jovem, com apenas 36 anos de idade. Sua morte foi decorrente do vírus HIV, sendo que a própria AIDS se tornou um tema em seus trabalhos no início da década de 90. Ao analisar as obras de Leonilson, pode-se notar a presença marcante da subjetividade e individualidade em seus trabalhos, como se suas obras fossem construídas como um verdadeiro diário pessoal. Muitos de seus trabalhos fazem uso da palavra com a imagem, sendo que a palavra é construída como uma linguagem própria do artista, e a imagem é feita a partir de desenhos criados com contornos pretos.

“Sua poética trata sobre sua existência, debate sentimentos, alegrias, conflitos, dúvidas e principalmente, no final de sua vida quando descobre ser portador do vírus HIV, sobre suas angústias, medos, a convivência com a doença e o impacto que ela causa na sua vida” (Projeto Leonilson).

Duane Michals (1932-)

Duane Michals, Vermelho Vermelho Vermelho, 1984. Óleo sobre fotografia, 33 x 39 cm, Galeria DC Moore.

Duane Stephen Michals é fotógrafo estadunidense. Diferente do fotojornalismo ou da fotografia de registro, suas fotografias intersectam a narrativa com a criação do artista, onde o artista faz uso da palavra com a imagem ou cria atmosfera próprias à série fotográfica. Interessado pelas artes desde jovem, realizou alguns cursos livres antes de ingressar na Universidade de Denver, onde se graduou em bacharelado em Artes. Em 1956, após servir ao Exército Estadunidense, Michals estudou Design Gráfico na Parsons School of Design [Escola de Design de Parsons], em Nova Iorque. É em 1958 que sua carreira de fotógrafo se inicia, em que o artista viajou à União Soviética e registrou pessoas nas ruas com uma câmera emprestada. Ao retornar aos Estados Unidos, decidiu se tornar fotógrafo freelancer, e realizou trabalhos para diversas revistas, como a Vogue, Mademoiselle e Life, onde atuou como fotógrafo de moda e retrato.

Com o passar dos anos, seus interesses na fotografia amadureceram e se transformaram, e assim o artista alterou a fotografia de pessoas na rua para a fotografia mais íntima, onde o artista realiza imagens documentais do que ele chama de “paisagens sociais”. Em meados dos anos 60, quando o momento era dedicado ao fotojornalismo, suas fotografias começaram a ter temáticas mais filosóficas e sociais, como morte, gênero, sexualidade e individualidade, e criando narrativas fotográficas a partir destes temas. Suas fotografias renderam diversos livros publicados por meio de séries e ensaios fotográficos, e até os dias atuais Michals é lembrado como um fotógrafo da narrativa e da experimentação na contemporaneidade.

O fotógrafo já recebeu uma série de prêmios por suas fotografias, além de ter participado de diversas exposições individuais e coletivas ao redor do mundo; até os dias atuais, Michals atua como fotógrafo freelancer.

Tamara de Lempicka (1898–1980)

Tamara de Lempicka, As Jovens Garotas, c. 1930. Óleo sobre painel, 35 x 27 cm, Coleção particular.

Maria Gorska, mais conhecida como Tamara de Lempicka, foi uma artista polonesa. Atuou como umas das principais retratistas da vida boêmia parisiense da década de 20, mas antes disso, Tamara passou por diversos países antes de se instalar na França. Após seus pais se divorciarem, Tamara passou a ser sustentada por sua avó abastada, e começou a frequentar a escola na Suíça, aos 14 anos. Ela passava suas férias visitando seus tios e parentes abastados, e assim Tamara acabou por construir a ideia de como ela gostaria de viver e como seu futuro deveria ser: rico, luxuoso, abastado. Logo após a Rússia e Alemanha terem declarado guerra em 1914, de Lempicka se apaixona pelo advogado Taduesz Lempicki, em Varsóvia. Dois anos depois, eles se casam em São Petesburgo, contudo, Lempicki é preso pelos bolcheviques um ano após o casamento, e de Lempicka afrontou os revolucionários para libertá-lo. Ao conseguir sua liberdade, o casal viaja à Paris, onde a história da artista realmente se inicia.

Em Paris, a artista finalmente adotou o nome social “Tamara de Lempicka”, e passou a ser conhecida apenas por este nome. Em Paris, ela começou a trabalhar como retratista com estilo Art Déco, onde utilizou cores e sombreados únicos e característicos de sua fatura (sua maneira de pintar). A vida que de Lempicka retratava em suas pinturas era a mesma que ela desejava ter (e teve): uma vida boêmia, cheia de prazeres, festejos e uma Paris glamurosa. Ela retratou diversas figuras da classe intelectual europeia, sobretudo francesa, como escritores, artistas e cientistas, além de ter pintado a nobreza exilada do leste europeu (fruto da Revolução Russa).

Além da França, de Lempicka também morou nos Estados Unidos e México, onde passou por diversas transformações em sua carreira e processo criativo. A artista não era conhecida apenas por suas pinturas características, mas também por sua forte libido e por ter se envolvido sexual e afetivamente com homens e mulheres, sendo ela abertamente bisexual. Segundo de Lempicka, “vivo às margens da sociedade, e as regras da sociedade não se aplicam àqueles que vivem na periferia”.

Frida Kahlo (1907–1954)

Frida Kahlo, Autorretrato com Colar de Espinhos e Beija-flor, 1940. Óleo sobre tela, 48 x 62,5 cm, Centro Harry Ransom.

Magdalena Carmen Fridakahlo Calderón, mais conhecida como Frida Kahlo, foi uma pintora e militante mexicana. Conhecida por seus múltiplos autorretratos que mesclam realidade com fantasia, Frida Kahlo passou por diversas situações trágicas em sua vida, e assim ela traduziu e expôs tais acontecimentos traumáticos em suas pinturas. Ela nasceu e cresceu na casa da família, que hoje é conhecida como “Casa Azul” e foi reformulada para fazer parte do Museu Frida Kahlo. Desde a infância, Frida teve de lidar com sérios problemas de saúde, onde contraiu poliomielite com apenas 6 anos, e teve que viver acamada por muitos meses. Por conta da doença, a perna e o pé direitos cresceram muito mais finos que a perna e pé esquerdos, o que fez com que a artista mancasse durante toda sua vida; é por esta razão que Frida Kahlo vestia somente saias longas, pois ela não queria mostrar suas pernas. Foi na Escola Preparatória Nacional, localizada na Cidade do México, que Frida conheceu o artista Diego Rivera, muralista conceituado; eles se conheceram pois o artista estava realizando um mural na escola. Anos depois, quando Frida tinha 22 anos, eles se casaram e tiveram um relacionamento problemático, onde o artista era muito mais velho que ela (21 anos de diferença), e o próprio a traiu severas vezes.

Aos 18 anos, Frida Kahlo vivenciou um trágico acidente. No dia 17 de setembro de 1925, ao viajar de ônibus, este acabou colidindo com um bonde, e Frida ficou gravemente ferida. Ela teve que ficar internada no hospital por várias semanas, e ainda teve de repousar severamente após a alta hospitalar; ela teve de usar um gesso em seu corpo inteiro durante três meses. Durante o tempo que ficou acamada em sua casa, Frida começou a realizar pinturas, conseguindo terminar seu autorretrato no ano seguinte. Seus pais a incentivaram a pintar, e eles prepararam um cavalete adaptado, para ela poder pintar deitada, além de a terem presenteado com tintas e pincéis. Frida Kahlo disse: “Eu me pinto porque geralmente estou sozinha e sou o assunto que conheço melhor”.

Em 1932, Frida passa a interseccionar elementos da realidade e da fantasia em suas pinturas, e é na mesma década que Frida e Diego oferecem moradia ao casal Leon Trotsky e Natalia Sedova, pois Trotsky era um comunista exilado da União Soviética e grande inimigo de Josef Stalin, então líder soviético da época. Com isso, Frida Kahlo desenvolve mais ainda seu interesse pelo comunismo e as revoluções, mas suas pinturas permanecem mais dedicadas a autorretratos. Seus trabalhos apresentam uma poética e fatura únicos, onde a própria não se considerava surrealista até André Breton, “pai fundador” do surrealismo, a considerar como tal. Suas obras cativam o público por levar sua história pessoal de maneira fantasiosa, mas real ao mesmo tempo, onde a fantasia se torna alegoria para os problemas reais e mundanos.

Referências bibliográficas

BIOGRAFIA de Frida Kahlo. Em: Frida Kahlo. Disponível em: https://www.fridakahlo.org/frida-kahlo-biography.jsp. Acesso em: 01/07/2021.

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______. Em: Britannica. [s. l]: 2021. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Duane-Michals. Acesso em: 01/0/2021.

______. Em: DC Moore Gallery. Nova Iorque: 2021. Disponível em: https://www.dcmooregallery.com/artists/duane-michals/series/tintypes-and-painted-photographs?view=slider#2. Acesso em: 01/07/2021.

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LEONILSON . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8742/leonilson>. Acesso em: 01 de Jul. 2021.

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TAMARA De Lempicka: a radical, bohemian, bisexual artist loved by Madonna. Em: Dazed Digital. [s. l]: 2021. Disponível em: https://www.dazeddigital.com/art-photography/article/47636/1/tamara-de-lempicka-a-radical-bohemian-bisexual-artist-loved-by-madonna. Acesso em: 01/07/2021.

TAMARA’s Life. Em: Tamara de Lempicka. [s. l]: 2021. Disponível em: https://www.delempicka.org/tamaras-life/. Acesso em: 01/07/2021.

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