A Casa do Doido Alexandre

Um filme que transborda afeto ao rememorar um passado cheio de aventura, medo e outras sensações

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Uma coisa que detesto em críticas de filmes é quando o crítico faz afirmações sem o mínimo de objetividade. Quando falam sobre “sensibilidade” e não dizem como ela se manifesta, quando dizem que tal obra é “um soco no estômago” e não especificam o porquê ou quando regurgitam que “o filme é muito bonito” e param por aí, sem nem tentar demonstrar a razão da fala.

Mesmo odiando tudo isso, quase cometi esse equívoco agora. Porque enquanto pensava em A Casa do Doido Alexandre (e estou pensando neste filme há algumas semanas, acreditem) tudo que desejei foi declarar que o filme de Geraldo Cavalcanti transbordava afeto.

Mas o que diabos isso deveria querer dizer?

Talvez, para quem viu o curta, a afirmação não ficasse tão solta e tão vaga assim. Porque saltam aos olhos, desde os créditos da abertura, apresentados em desenho, um tipo de cuidado que é bem típico do amor, do carinho e do afeto. Saltam aos olhos também que a direção de arte tem uma preocupação muito grande de trabalhar, tanto nos objetos cênicos quanto no figurino, cores primárias, especialmente o amarelo, a fim de demonstrar a vida, a inocência e alegria presentes nas memórias do protagonista do filme. E até mesmo a trilha, que parece redundante e óbvia em muitos dos momentos, é afetuosa para com os personagens por tentar, como num cartoon, sublinhar suas ações de modo vivaz.

Tão afetuoso quanto o uso da trilha é a abordagem discursiva da obra. Ao contar a história de um grupo de crianças que entre suas molecagens infantis perseguem a casa de um homem dito doido, o tal Alexandre do título, o filme desnuda medos juvenis e escancara um tipo de espírito de aventura tão característico da infância, numa aventura que aos olhos dos adultos pode ser banal e pequena, mas que no universo infantil assume outras dimensões e valorações.

Mais do que dignificar o olhar das crianças, o filme, ao discutir certas ideias balizadas pelos conceitos equivocados dos adultos acerca das pessoas e das coisas, é hábil em mostrar como os pequenos constroem nos seus imaginários as imagens que os adultos pintam sobre o mundo, e como os jovens tentam ou não desconstruir isso ao longo da vida.

Diante disso, a vontade que tenho de falar sobre o afeto (do realizador para com o filme, dos personagens para com o cotidiano) fica cada vez mais forte quando me lembro da generosidade do diretor em permitir que seu protagonista revisite o seu passado com tanto carinho. Demonstrando com clareza o olhar afetuoso de um adulto que olha para o passado em cenas onde o simbólico se faz presente (como um pedido de copo de água e um portão que continua trancado), A Casa do Doido Alexandre reflete como os conceitos construídos a partir de juízos preestabelecidos de outros podem afetar as nossas relações com o mundo — e faz isso sem nunca ser frio, distante ou racional.

Faz isso com afeto, sim, e com o carinho de quem entende a grandeza da infância. E se o filme se permite isso, mesmo esbarrando no que poderia ser excesso, eu me permito, aqui cometer o que usualmente desaprovo em críticas: dizer o que não pode ser medido e o que talvez não seja entendido. Porque no fim das contas, em verdade, de verdade, o que o filme faz é sim transbordar afeto. E isso é lindo.

A Casa do Doido Alexandre
Direção: Geraldo Cavalcanti
Ano: 2017

Veja aqui.

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Thiago Dantas
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Uma espécie de Macabéa, só que mais trouxa. 31 anos, paulistano, comunicólogo e professor.