Angela

Muito mais do que um mero estudo sobre a deterioração do corpo na velhice, Angela é um curta sobre a solidão, os afetos e os efeitos do tempo

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À primeira vista o curta Angela (2019) parece ser um estudo sobre a deterioração do corpo na velhice. Mas confinar o filme nesse espectro é ser, na melhor das hipóteses, redutivo.

O filme, tal qual a sua personagem título, é muito maior do que qualquer enfermidade provocada pela idade. Para além dos primeiros instantes, em que vemos uma delicada caligrafia registrando em um caderno sintomas de doença(s), enxergamos que há muito mais do que isso sendo captado. Além dos efeitos do tempo no corpo, nota-se algo mais denso e profundo: os efeitos da solidão.

É assim que conhecemos Angela, uma mulher que já passou dos sessenta e que vive sozinha em sua casa, numa vizinhança tranquila e amena de Minas Gerais. Com a idade avançada, ela carrega consigo as marcas de uma vida longa e das debilidades ocasionadas pelo tempo.

Sem muito contato com pessoas, Angela parece travar encontros apenas com seus médicos. Nesse contexto, quando vemos a personagem título colando receitas médicas na parede de seu quarto enquanto vozes de médicos e médicas ecoam em sua cabeça, percebemos que é a ausência de pessoas e de afeto que fazem mais falta do que a saúde propriamente dita. Assim, a coleção particular de receituários, exames e radiografias funciona como um lembrete tanto dos contatos que ela estabelece como também de que, apesar dos pesares, ela ainda segue viva.

A rotina de Angela se altera quando uma vizinha bate em sua porta para contar que “pegou” um pouco de manjericão de seu jardim. Sem muito o que falar, Angela escuta a vizinha de forma passiva e se recolhe à sua casa. Há um segundo encontro em que a vizinha traz consigo um par de tênis para Angela e a convida para caminhar a seu lado. É na satisfação desses passeios que se forja o início de uma amizade.

Tudo parece ser colocado à prova, porém, quando a vizinha descobre por engano a coleção no quarto da amiga velha. Ao saber que o seu segredo foi desnudado, a personagem título parece se envergonhar. Nesse momento, a generosidade e a delicadeza do olhar de Marília Nogueira, que dirige e escreve o roteiro, se mostra soberana: de maneira nada óbvia, Nogueira concede às suas personagens uma espécie de final feliz e redentor — condizente com a narrativa e, por isso mesmo, recompensador.

E se a habilidade de capturar as agruras e as satisfações de sua protagonista com uma câmera já se fazia presente durante todo o decorrer do filme (tanto para revelar o isolamento de Angela, como na abertura, por exemplo, quando a diretora abre o quadro para mostrar a personagem sempre tão sozinha no centro dele; como também para registrar suas pequenas alegrias, como, por exemplo, quando ela, dividindo uma xícara de chá com a sua vizinha, escuta um elogio sobre suas infusões de ervas e sorri satisfeita), é no final, tão singelo e grandioso, que essa capacidade se expande ao máximo ao registrar com carinho o riso mais bonito.

Ao final, Angela acaba sendo um pequeno grande filme sobre a deterioração do corpo pela idade, sobre os efeitos da solidão e, mais do que qualquer coisa, sobre a possibilidade de se ser feliz na velhice.

Angela
Direção: Marília Nogueira
Ano: 2019

Veja o trailer.

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Thiago Dantas
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Uma espécie de Macabéa, só que mais trouxa. 31 anos, paulistano, comunicólogo e professor.