Contra-filé
Animação equilibra momentos de comicidade causados pela espera de uma fila num açougue com com cenas de tortura explícita
Há todo um filão de filmes que se movimentam confortavelmente entre a comédia e o horror. É nessa seara que Contra-filé (2019), de Pedro Iuá, se insere.
Se a mescla de gêneros não é novidade e não causa estranhamento, Contra-filé ainda assim ganha pontos pela originalidade ao fazer essa mistura em uma animação. Com um stop-motion muito bem trabalhado e um conhecimento profundo dos códigos do gênero de terror (o uso dos aparatos sonoros é uma das melhores coisas do curta), Iuá cria uma atmosfera que transita, cena a cena, entre o cômico e o gore.
A história é bem simples: um homem precisa comprar alguns muitos kg de carne no açougue em frente à sua casa se quiser sobreviver. Se o ponto de partida parece absurdo, a urgência e o tom com que o filme é construído faz com que o espectador suspenda, ao menos por um momento, esse estranhamento. Tudo é muito rápido, tudo é muito fugaz.
Logo de cara, conhecemos a personagem principal, um homem que recebe uma chamada avisando-o que inimigos estão indo ao seu encontro. Ele é orientado a correr para o açougue em frente à sua casa e pedir uns 70kg de carne para, em outro momento, colocar em seu carro e tacar fogo. A ideia (absurda) é de que a sua morte seja forjada e que confundam seu corpo com as carnes queimadas. Sem perder tempo, o homem corre em direção à casa de carnes, mas enfrenta uma fila mais ou menos suntuosa.
E é a partir deste enredo simples que o filme se estrutura: alternando cenas de pedidos de outros fregueses e os diálogos bizarros dos açougueiros (que questionam desde a ideia de segurança de trabalho até os próprios pedidos da clientela) com momentos de tensão e violência (gerados, à primeira vista, pela imaginação do protagonista imaginando a tortura que sofrerá caso seja pego), Contra-filé equilibra momentos de comicidade causados principalmente pela morosidade das figuras presentes no açougue com cenas de tortura explícita.
O maior mérito do curta está presente, justamente, na tensão construída pela montagem rápida e seca que entrecorta as morosas cenas do açougue com lampejos de gore — momentos estes que soariam gratuitos se não fosse pelo incrível design dos bonecos em stop-motion. Fugindo de uma ideia realista, as personagens são angulosas e com traços caricatos, o que as torna, claramente, peças cômicas num filme de horror. O contraste entre as figuras e o teor da narrativa é o mesmo contraste que pauta a comicidade do enredo e as cenas de tortura. Tudo isso amplificado pelas músicas (ora agressivas, ora serenas) que ditam o tom das imagens.
A coisa toda só não é melhor porque, durante a execução, parte das piadas simplesmente não funcionam. Ainda assim, os méritos outros são tantos que tornam Contra-filé um exemplar competente e redondinho do filão em que se insere.
Ele não reinventa (e não quer reinventar) a roda, mas faz com que ela gire muito bem, obrigado.
Contra-filé
Direção: Pedro Iuá
Ano: 2019