Guida
Animação de Rosana Urbes aborda com delicadeza e sensibilidade a reinvenção da vida de uma mulher na velhice
Do encontro entre delicadeza de olhar e sensibilidade estética podem surgir obras muito singulares, que apresentam suas histórias com tanta singeleza e potência afetiva que enternecem quem toma contato com elas. É o caso de Guida (2014), filme da animadora e artista visual Rosana Urbes, que fez história como a primeira animação dirigida por uma mulher a ser premiada no Anima Mundi, principal festival brasileiro dedicado a esse campo audiovisual.
Guida nos mostra a trajetória uma senhora chegando na fase da velhice, após se aposentar da repartição pública onde trabalhava. Sem sua rotina de trabalho-casa-sofá e TV e sem a companhia dos colegas de escritória & cafés expressos, carimbos & papéis, ela sente a necessidade de se reinventar — e essa reinvenção acontece pela arte.
As soluções visuais e narrativas, assim como tom da encenação, fazem com que o curta prescinda de diálogos: detalhes como o bolo dos 30 anos de serviço, o porta-retrato da infância de bailarina, as elipses temporais transicionadas com uma sensibilidade e um apuro estético que só o traço de uma artista genuína como Urbes conseguiria tecer.
O filme de Rosana nos mostra as possibilidades de trazer novos tons, cores, sons e cenários para nossa vida mesmo quando, aparentemente, ela já cumpriu seu ciclo primordial; demonstra que, ainda que uma trajetória esteja consolidada, é possível e muito potente viver outras vidas através da arte e do seu lirismo.
Não à toa, a atriz que é creditada como referência para a composição visual de Guida é Tuna Dwek, artista polivalente que, presa política da ditadura, torturada e exilada do país, precisou redescobrir seu eixo de ligação com a vida e com a arte. Assim como a protagonista da animação, ela teve de se reinventar e, na maturidade, segue se recriando e redescobrindo uma alegria esfuziante.
Se fosse definir Guida em uma sentença, seria um filme que promove um reencontro de nós mesmos com a nossa essência, com o eixo que nos liga à existência nesse mundo. Um belíssimo trabalho que tem o potencial de inspirar uma reconexão com nosso elo afetivo e mobilizador de Ser.
Guida
Direção: Rosana Urbes
Ano: 2014