Editorial #1

Pela democratização do acesso ao curta

Alice Guy-Blaché, uma das pioneiras do cinema, no set do seu filme A Fada do Repolho

Os curtas são a base do cinema desde seu nascimento, na última década do século XIX, com os filmes dos irmãos Lumière e de outras figuras históricas como Alice Guy-Blanché e George Méliès. Enquanto a primeira foi pioneira em explorar a veia narrativa cinematográfica com filmes com enredos — e também primeira mulher cineasta -, o segundo lançou filmes que atingiram um público e um patamar até então inéditos. Foram essas pessoas curta-metragistas que ajudaram a criar, moldar e consolidar aquela que viria a ser, alguns anos depois, elevada ao status de sétima arte.

O curta também é espaço de outros nascimentos: os de novas e novos cineastas. Há exceções, mas, via de regra, toda pessoa que se torna realizadora audiovisual começa dirigindo curtas-metragens. Os curtas são usados como experimento de linguagem, costumam ter roteiros mais direcionados e custam menos recursos. Isso não quer dizer, no entanto, que são filmes menos sofisticados em termos de estilo e de narrativa. Muito pelo contrário, inclusive: alguns são verdadeiras obras-primas e prenunciam o surgimento de grandes artistas, com trajetória singular na cinematografia de seus países de origem — e, em alguns casos, do mundo.

Além disso, curta-metragem também é uma ferramenta de cidadania audiovisual, ajudando a contar milhares de histórias que, por questões diversas, jamais ocupariam o disputado espaço dos filmes de longa-metragem. Também é uma excelente ferramenta de ensino aprendizagem para professoras e professores nas salas de aula de escolas, universidades e outras instituições de ensino (abordaremos esse tema, inclusive, em nossa seção Aula de Cinema — que visa a ser um local de difusão de ideias e de experiências positivas que interseccionam o cinema e a educação).

É por reconhecer o legado dos curtas para o cinema e sua relevância e expressividade na cena audiovisual de hoje que o Curta Curtas surge como um canal de discussão e análise desse tipo de filme abrindo espaço para múltiplas correntes, ideias e estilos. Defendemos uma grande bandeira: a liberdade artística e democratização do acesso ao curta-metragem.

Vale ressaltar que os filmes de curta, sejam de animação, documentário ou ficção, salvo raríssimas exceções, não estreiam em circuito comercial. Ou seja, os únicos canais onde se pode vê-los são os festivais de cinema, algumas plataformas de vídeos e serviços de streaming. Um exemplo de filme lançado na web que ganhou notoriedade por ter conquistado o Oscar de curta documental é Absorvendo o Tabu (2018), de Rayka Zetahbchi, uma produção original da Netflix.

Embora haja quem disponibilize seus filmes em repositórios digitais gratuitos como o Porta Curtas, a Cinemateca de Pernambuco ou mesmo em canais do Youtube, uma parte considerável dos curtas, após circularem em festivais, fica restrita ao armazenamento em links fechados ou chega a levar quase cinco anos para serem disponibilizados para livre acesso. Isso não faz sentido mesmo se for considerado o tempo de estreia e os (poucos) festivais que ainda exigem ineditismo (ou seja, que o filme não tenha sido exibido em mostra competitiva, anteriormente).

Deixar as obras audiovisuais restritas mais de um ano após seu lançamento oficial não é algo coerente com o objetivo da obra de arte, tampouco com o caráter democrático e mais livre que está na essência do curta.

Propomos, então, uma ampla campanha para democratização do acesso ao curta, para que mais e mais pessoas possam apreciar as obras e se emocionar, se inspirar, rir e ser transformadas pela sua potência artística e discursiva. Se você é um realizador ou realizadora e concorda com essa bandeira: junte-se a nós e ajude ampliar a visibilidade dos curtas-metragens. Se está no grupo de quem aprecia, prestigia e gosta de ver filmes, te convidamos a também nos apoiar nessa campanha pela ampliação dos canais de acesso e a visibilidade desse cinema.

Da nossa parte, estamos abertos para o debate e ansiosos por ser uma janela de divulgação do circuito de curtas-metragens brasileiro, um dos mais expressivos e pujantes do mundo. Porque curtir curta é curtir cinema.

Sejam bem-vindos e bem-vindas!

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Sandro Alves de França
curta curtas :: curtindo curtas, curtindo cinema

Jornalista, professor e mestrando. Praiêro nas horas vagas. Escreve, reclama, lê e assiste a filmes. 30 anos de sonho e de sangue. E de América do Sul.