Ressurreição

Animação de Otto Guerra mostra Jesus correndo por sua vida

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Ressurreição (2019), de Otto Guerra, é um filme urgente.

Em quatro minutos, o diretor discorre sobre religião e fé, e propõe uma reflexão — em meio a um clima de ação e tensão crescente — sobre como a religião utiliza-se da fé para se manter no poder.

Sem pressa, a animação (que por vezes lembra o traço de Coragem, O Cão Covarde — animação do Cartoon Network), toda feita em preto e branco, nos apresenta uma cidade quase deserta onde o único ser que caminha nela se assemelha muito com a imagem da Morte. Cheia de prédios pontudos, máquinas e carros, a vista da cidade dá lugar ao interior de uma monstruosa igreja. Nela, acontece uma missa, como tantas que acontecem ao redor do globo. As coisas ficam estranhas, no entanto, quando a imagem de Jesus pregada no centro do recinto (que, vejam só, tem formato fálico) se desprende dos pregos. Jesus passa, então, a fugir e a correr por sua vida.

A calmaria do início cede lugar a uma urgência imagética e discursiva que encontra brechas para emular cenas do cinema de ação pós-Matrix (1999), com direito a câmera lenta, close nos olhos e tiros.

Sem perder o humor e sem chamar para si a atenção, Guerra consegue, ainda, encontrar espaço para, apenas com breves imagens, escancarar problemas reais da igreja católica, como a hipocrisia latente dos membros de sua cúpula (o detalhe do padre usando uma calcinha fio dental é especialmente delicioso). E dizendo tudo sem dizer uma única palavra, o realizador cria um pequeno conto de terror ao mostrar que, para a igreja, vale mais prender Cristo contra a sua vontade e deixá-lo ali, estático, do que permitir que ele circule, vivo, em sociedade.

Um filme urgente em ritmo, graças a sua sensacional montagem, e urgente também nas coisas (importantes) que nos diz. Afinal, hoje, mais do que nunca, é necessário desnudar como homens de pouca fé se utilizam, justamente, da fé para proliferar ideias reacionárias e estáticas.

Ressurreição
Direção: Otto Guerra
Ano: 2019

Assista ao filme aqui.

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Thiago Dantas
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Uma espécie de Macabéa, só que mais trouxa. 31 anos, paulistano, comunicólogo e professor.