Rocha

“Todo dia essa mesma penitência” — uma definição honesta para uma produção que busca fazer um estudo de personagem e das figuras humanas que a cercam

Cena do filme Rocha, de Luiz Matoso

“Todo dia essa mesma penitência”. A sinopse curta e fulminante de Rocha (2018), filme potiguar de Luiz Matoso é uma sentença verbal e simbólica que o filme tenta demonstrar ao longo da sua duração. É uma definição honesta para uma produção que busca fazer um estudo de personagem e das figuras humanas que a cercam enquanto uma extensão do próprio, dos espaços que integra, de seu lugar num mundo que, ou se repete em ciclos e retornos pouco saudáveis, ou fecha o cerco.

Rocha é um jovem adulto sem perspectiva, vivendo de favor na casa da avó, sem trabalho, escorregando entre farras e flertes, sem nenhuma relação substancial. Numa cidade pequena do litoral do Rio Grande do Norte, cuja economia se resume às salinas e ao turismo predatório, com estradas ladeadas de montes de areia e sal, ele percorre um trajeto labiríntico. Ora é confrontado pela própria inércia, ora lida com a raiva e a revolta diante das barreiras visíveis e invisíveis que o cerceiam e turvam seu horizonte: ele vive um inferno em meio a um “paraíso tropical”.

A narrativa do filme é fragmentada como a personagem: cenas e sequências encadeadas, personagens que se sobrepõem sem nunca se mostrar de fato, apenas recortes, momentos isolados, efemérides de uma vida que não parece ter razão de ser ou de seguir, mas que por razão misteriosa — ou a razão que faz com que a existência pulse e insista, mesmo à contragosto — continua, sem rumo. Apenas caminha.

O escapismo no sexo, nas festas regadas a substâncias entorpecentes e extravasamentos da cultura local (como se besuntar de mel, ao som de um paredão estridente, em praça pública) é o que faz a existência suportável. Rocha é fragmentado e está à deriva: é um microcosmo da vida de tantos outros como ele, que nascem, vivem e, quando tem alguma sorte, envelhecem sem saber bem como e porquê.

A premissa do filme boa, traz imagens belas e bem concebidas, mas se formalmente tudo parece fluir, sua realização não colabora. A proposta de trabalhar com atores não-profissionais, oriundos da própria localidade, seria um acerto caso fosse conduzida de forma menos roteirizada, dando espaço para as personagens respirarem, fluírem as emoções de forma orgânica. O mecanicismo como todo o processo foi realizado esvazia o que poderia ser o maior trunfo do filme: a projeção e a empatia entre espectador e personagem.

Rocha
Direção: Luiz Matoso
Ano: 2018

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Sandro Alves de França
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Jornalista, professor e mestrando. Praiêro nas horas vagas. Escreve, reclama, lê e assiste a filmes. 30 anos de sonho e de sangue. E de América do Sul.