Top 5: Juliana Rojas

Há pelo menos duas maneiras de contar a trajetória profissional da cineasta paulista Juliana Rojas.

Uma delas é a partir de sua sensacional filmografia de longas-metragens, que inclui os títulos Trabalhar Cansa (2011), Sinfonia da Necrópole (2014) e As Boas Maneiras (2017) — que exploram os códigos do terror e brincam com convenções dos mais diferentes gêneros cinematográficos; e a outra é observar, de fato, seus primeiros passos e experimentações de linguagem com seus curtas-metragens. Por razões óbvias — afinal, esse espaço se chama Curta Curtas, não Curta Longas -, optaremos por seguir o segundo caminho.

Formada em cinema pela USP, Juliana representa, ao lado de seus colegas de turma e profissão Marco Dutra e Caetano Gotardo, uma espécie de pequeno grande movimento de cinema paulistano. Nos filmes selecionados para este Top 5, percebemos a repetição de certos traços autorais e preferências temáticas que perpassam toda a obra fílmica de Rojas.

A ternura, a musicalidade e o domínio muito grande do tempo narrativo são marcas de uma cineasta que esbanja estilo, bom humor e inventividade em filmes que usam o fantástico para tecer comentários aguçados sobre a realidade, o capitalismo e as microrrelações de poder.

5. Nascemos Hoje, Quando O Céu Estava Carregado de Ferro e Veneno (2013)

“É como se fosse um drama, disfarçado de filme de terror. Mas tem umas partes engraçadas também.”

Em certa medida, Nascemos Hoje, Quando O Céu Estava Carregado de Ferro e Veneno é uma síntese do cinema de Juliana Rojas. Co-dirigido com o amigo e parceiro profissional de longa data Marco Dutra, o filme conta a história de duas pessoas que, consumidas por frustrações afetivas e profissionais, decidem fugir do planeta Terra em uma aeronave.

Fazendo uso de uma narração que ora faz rir, ora faz chorar, Nascemos… funde gêneros que parecem díspares num primeiro momento, como o romance, a ficção científica, a comédia e o drama existencial, a fim de criar uma peça peculiar e melancólica sobre o que é viver no mundo contemporâneo.

Com imaginação e engenhosidade, os diretores criam efeitos especiais quase caseiros e coloridos, numa espécie de atualização do ideário do Godard de Alphaville (1965) ou do Michel Gondry de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), imprimindo um ar lúdico às imagens. Bonito, bem atuado e muito muito muito afetuoso, o filme merece ser visto pela sua originalidade e graça.

Assista.

4. O Lençol Branco (2004)

O Lençol Branco, primeiro curta “profissional” de Juliana Rojas e Marco Dutra fez, merecidamente, sucesso e chegou a ser selecionado para a mostra Cinéfondation, de Cannes.

Mais sério do que os curtas universitários da dupla, o filme conta a dolorosa história da mãe de um recém-nascido (a sempre ótima Clarissa Kiste)que lida com o luto causado pela morte de seu bebê. Criando uma atmosfera incômoda através da ausência de trilha musical e de enquadramentos claustrofóbicos, os diretores surpreendem pelos caminhos que escolhem para contar esse pequeno conto de terror.

Com um final inusitado, terrível e terno — tudo ao mesmo tempo -, Rojas e Dutra confirmam a afinidade já exibida desde os tempos da universidade (assistam ao delicioso curta Dancing Queen (1999), o segundo que dirigiram juntos, e comprovem o que estou falando) e criam uma peça que, na falta de palavras melhores, representam o amor, a tristeza e a depressão pós-parto.

Filmaço. Veja.

3. A Criada da Condessa (2006)

O segundo curta solo de Juliana Rojas (o primeiro foi o kafkiano Nenhuma Carta Para O Senhor Fernando, de 2005) pode ser considerado um terrir-de-comentário social, que mais tarde seria explorado no longa Trabalhar Cansa.

Filmado quase que exclusivamente a luz de velas, o filme abre com um letreiro que diz que a obra é um “exercício de ficção”. No entanto, embora trate de personagens que flertam com o fantástico, ele explora uma relação de dependência entre empregado e empregador que existe para além da ficção. Nesse contexto, o comentário que aparece no início ganha ares de ironia. A mesma ironia que perpassa todo o filme.

Contando a história de uma condessa decadente e sua serva, o curta entrecorta um depoimento aparentemente verdadeiro da criada em questão com imagens da rotina das duas mulheres. Na fala da empregada, percebemos que ela abdicou parte de sua vida para servir integralmente a sua chefe (entre outras coisas, ela diz que deixou de casar a pedido da condessa), e na postura da condessa notamos uma desconexão com a realidade tangível. Notamos também que a condessa, além de ser uma rica em declínio, é uma vampira e que o papel da serva é atrair pessoas e esconder os rastros dos crimes de sua patroa.

Com cenas memoráveis, como aquela em que a condessa serve uma dose de sangue fresco à criada e ela, ao experimentar, diz não ter gostado muito por ser “muito forte” (a sutil metáfora do pobre que “não tem gosto” para as coisas de rico se presentifica no olhar de julgamento da condessa), o filme é afiado em sua crítica e esperto o suficiente para não vitimizar o aparente elo mais fraco da relação. Com ironia e humor, a camada do terror vira terrir no final musicado e revelador.

Veja o filme aqui.

2. Pra Eu Dormir Tranquilo (2011)

Lançado no mesmo ano que o longa Trabalhar Cansa, Pra Eu Dormir Tranquilo reafirma a habilidade de Rojas em construir um drama com pitadas de crítica disfarçado de filme de terror.

Na história, uma criança que parece ser negligenciada pelos pais mantém contato com a sua babá morta, buscando pequenos animais para “alimentá-la”. A troca de papéis (se antes ela cuidava dele, agora é ele quem cuida dela) é um dos acertos do curta que, com o avanço, revela a dependência e a fragilidade das relações de trabalho e de afeto. Para além do afeto, a terceirização da criação dos filhos aparece como verniz temático (tema este que seria explorado mais à frente por Juliana no filme As Boas Maneiras, de 2017).

Mas, mais do que um bom tema e uma boa crítica, o filme de Juliana é excelente por materializar em imagem sentimentos múltiplos como solidão, desamparo e amor.

Veja.

  1. O Duplo

“Doppelgänger é um monstro ou ser fantástico que tem o dom de se tornar idêntico a alguém que ele passa a acompanhar. Considerado como presságio de má sorte, há quem diga que ele assume o negativo da pessoa, de modo a conduzi-la a fazer coisas cruéis que ela não faria naturalmente.

Aqueles que tentam comunicar-se com seu próprio Doppelgänger são tidos como imprudentes e malfadados.”

Do ponto de vista formal, O Duplo talvez seja o curta-metragem mais sofisticado de Juliana Rojas.

Constituído por enquadramentos rigidamente calculados e embalado por uma trilha digna dos grandes clássicos do terror, o filme abusa da dualidade e da paranoia de sua personagem principal (a ótima Sabrina Grave, que também esteve em Pra Eu Dormir Tranquilo) para contar um conto sobre como reagimos diante do extraordinário.

Na história, uma professora da Educação Infantil tem sua vida virada de ponta cabeça ao se deparar com alguém idêntica a ela. Não sabemos, de fato, se o que vemos é apenas uma projeção ou se é um desdobramento do real. O que sabemos (e acompanhamos) são as consequências desse encontro.

Com esperteza e classe, Juliana Rojas faz um tour de force enquanto semeia dúvidas e choca a audiência com uma tensão crescente e avassaladora. Dizer qualquer coisa além disso é correr o risco de estragar a experiência de quem ainda não assistiu. E se você ainda não viu, deixe de marcar bobeira e assista ao filme aqui.

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Thiago Dantas
curta curtas :: curtindo curtas, curtindo cinema

Uma espécie de Macabéa, só que mais trouxa. 31 anos, paulistano, comunicólogo e professor.