Top 5: Rogério Sganzerla

Há tanto a ser dito sobre esse cineasta tão importante pro cinema brasileiro, mas agora me vejo sem saber como começar a falar sobre Sganzerla. O que dizer sobre o gênio que aos 22 anos lança O Bandido da Luz Vermelha (1968), seu primeiro longa-metragem que de imediato tornou-se um clássico absoluto, sendo sucesso de bilheteria e de crítica?

Rogério desde cedo revelou-se um prodígio (aos sete anos lançou um livro de contos, e aos dezessete escrevia sobre cinema para o jornal O Estado de S. Paulo). Foi um dos maiores expoentes do Cinema Marginal — movimento cinematográfico contracultural surgido no final da década de 1960, marcado pelas produções de baixo orçamento realizadas por pequenas produtoras, com tramas debochadas e repletas de experimentalismos nos mais variados aspectos — juntamente com Júlio Bressane, Ozualdo Candeias e José Mojica Marins.

Ao lado de sua esposa, a atriz e cineasta Helena Ignez, e de Júlio Bressane, fundou em 1970 a produtora carioca Belair Filmes, cuja curta existência — 4 meses, em decorrência da perseguição ocasionada pela ditadura que o Brasil vivia na época — rendeu cerca de 7 filmes, dos quais 3 foram dirigidos por Sganzerla. Dentre seus três filmes produzidos pela Belair, destacam-se Sem Essa, Aranha (1970)e Copacabana Mon Amour (1970), obras seminais para o cinema nacional.

Fortemente influenciado pela nouvelle vague e pelo cinema de Samuel Fuller e Orson Welles (este último principalmente, vindo a ser tema e referência de 3 longas e 1 curta de sua filmografia), Rogério era um cineasta vanguardista de linguagem acessível, popular, mas sem perder a sofisticação e a criticidade. Geralmente trabalhando com orçamentos apertados e equipe técnica pequena, ele explorava ao máximo sua criatividade, obtendo resultados inventivos, originais, inovadores e ousados, até mesmo pra atualidade.

E é com grande prazer e muita honra que o Curta Curtas se atreve a debruçar e fazer um Top 5 dos curtas desse realizador genial.

5. Noel por Noel (1981)

Neste ensaio musical-poético-visual sobre a vida do sambista Noel Rosa, há uma narração em primeira pessoa, como se o curta estivesse sendo narrado pelo próprio Noel, relatando o início de sua carreira, os lançamentos de sua música na rádio, o reconhecimento de seu trabalho musical pelas pessoas. É bacana imaginar que Noel tenha participado desse curta que lhe homenageia, apesar de ter sido feito décadas após sua morte.

Realizado com várias imagens de arquivos históricos da época, acervos pessoais do próprio Noel e também de pessoas importantes em sua trajetória (tais como Almirante, Aracy de Almeida e Ceci), é o primeiro filme de Sganzerla a retratar a vida do Poeta da Vila Isabel, vindo posteriormente lançar em 1990 o Isto é Noel Rosa, uma média-metragem de cerca de 46 minutos.

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4. Brasil (1981)

Registro dos bastidores da gravação do álbum Brasil, de João Gilberto, contando com as presenças ilustres de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, este filme é uma homenagem bela e singela através de imagens e recortes visuais do nosso país musicadas por grandes artistas nacionais, realçando ainda mais os contornos e contrastes desse brasil brasileiro, tão entoado ao longo desse curta.

Além dos músicos citados, aparecem também Dorival Caymmi, Ary Barroso, Eros Volúsia e Grande Otelo, bem como personalidades icônicas tanto nacionais quanto estrangeiras que perambularam pelas terras tupiniquins, tais como Getúlio Vargas, Vinicius de Moraes, Orson Welles e Richard Wilson. Ao som de canções como Aquarela do Brasil, Bahia com H, No Tabuleiro da Baiana e Cordeiro de Nanã, o Brasil aqui é visto, mas nada sobre ele é falado: tudo é cantado. E a gente fica feliz em ver e ouvir.

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3. A Linguagem de Orson Welles (1990)

Que Sganzerla era fascinado por Orson Welles, isso é um fato. Tanto é que concebeu 4 filmes dedicados a ele, todos tratando especificamente sobre a vinda do famoso cineasta para o Brasil na década de 1940 com o intuito de realizar um projeto cinematográfico chamado It’s All True (1942), o qual foi cancelado, apesar de ter suas filmagens concluídas.

Neste documentário há diferentes registros da época (recortes de jornais, fotos, cine jornais) da visita de Welles ao nosso país, e os depoimentos de Grande Otelo, John Huston e Edmar Morel ajudam a ilustrar esse período curto e pouco conhecido da história do cinema brasileiro, pelo qual Sganzerla demonstra ter tanto interesse, paixão e curiosidade.

Anos depois, Rogério se dedicaria ainda mais a este momento histórico no documentário Tudo é Brasil, lançado em 1997.

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2. Histórias em Quadrinhos (1969)

No seu primeiro documentário em formato de curta, Sganzerla retrata com maestria, apuro e comicidade aquilo que, segundo é dito no próprio filme, deveria ser considerada a oitava arte: os quadrinhos.

Com o auxílio do especialista Álvaro de Moya, Histórias em Quadrinhos faz um retrospecto de caráter histórico a respeito do tema, utilizando-se de inúmeros recortes das revistas e tiras citadas ao longo do curta, ilustrando os trabalhos de artistas consagrados como Will Eisner, Milton Cannif, Al Capp, Alex Raymond, entre muitos outros autores que ajudaram a criar, transformar e revolucionar esse meio de comunicação e entretenimento tão popular. A narração expressiva e onomatopeica de Orfeu P. Gregori atrai a nossa atenção, tornando esse curta ainda mais cativante e espetacular.

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  1. Documentário (1966)

Dois amigos e jovens cinéfilos perambulando pelas ruas de São Paulo na década de 1960, sem dinheiro e a procura do que fazer numa tarde tediosa, enquanto discutem sobre os filmes que viram, os que não viram, os que querem ver, os que não querem ver… É isso. Essa é a estreia do Sganzerla como diretor, e não poderia ser melhor.

Talvez soe pedante, mas o filme é delicioso de se ver, pois qualquer pessoa que realmente gosta de cinema irá se identificar em algum ponto. É um curta metalinguístico, cinema falando de cinema, com uma linguagem que remete aos filmes da nouvelle vague (é possível sentir a influência de Godard nas filmagens, cortes e ângulos).

É interessante notar a grande quantidade de cinemas de rua, os filmes em cartaz (clássicos da old-Hollywood e filmes de vanguarda do cinema europeu), o bonde como meio de transporte, o andar despreocupado por ruas tranquilas e nada congestionadas de uma cidade que, logo mais, tornaria-se caótica…

Esse filme é um convite a perambular pela antiga São Paulo na companhia desses jovens que só estão a procura de uma sessão prum bom filme. E se você assistir a esse curta, a procura por um bom filme acaba.

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