“Não teremos o número de óbitos reais enquanto não tivermos transparência sobre isso” — afirma Álvaro Justen, ativista de dados abertos.

vino
CWBResiste
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5 min readMay 1, 2020

O que o midiativismo e a imprensa livre podem e devem fazer em meio à infodemia em que o Brasil se encontra? Conversamos com Álvaro Justen, fundador da plataforma de dados Brasil.IO, sobre a importância da transparência, do acesso às informações e do ativismo para combater a desinformação.

No site, os dados coletados de forma voluntária por cerca de 40 pessoas são atualizados diariamente. Isso tem sido de grande utilidade para a imprensa e especialistas ávidos por informações mais realistas. Como nas lives do biólogo Atila Iamarino ou reportagens de utilidade pública.

Os números confirmam não só a subnotificação de casos e mortes por COVID-19, quanto o atraso para divulgar oficialmente os dados. O Ministério da Saúde, por exemplo, divulgou a marca de mil óbitos apenas no dia 11 de abril, enquanto a plataforma já havia chegado a esta soma seis dias antes.

O Brasil é um dos países que menos realiza testes em massa. Enfrentamos o gabinete do ódio, os grupos de fake news no whatsapp… Enfim, um governo que se baseia na desinformação. Só sairemos dessa com transparência e com o compromisso ético com a verdade. Álavaro Justen e o Brasil.IO nos mostra soluções. Confira a entrevista na íntegra:

CWB Resiste: Se quiser se apresentar e contar brevemente suas experiências, e como chegou ao portal Brasil.IO?

Álvaro Justen: Sou programador desde os 14 anos de idade, trabalho com coleta e análise de dados, além de dar aulas de programação. Hoje trabalho principalmente em projetos de jornalismo de dados. Sou ativista de software livre e de dados abertos, desenvolvo e gerencio projetos de captura e análise de dados, principalmente públicos. Sou fundador do portal de dados abertos acessíveis Brasil.IO.

Álvaro Justen, fundador do Brasil.IO — Foto: arquivo pessoal.

Tive a ideia de criar o Brasil.IO por perceber que muitos dados públicos disponibilizados por órgãos governamentais estava em formatos que dificultavam a análise. Alguns dados estão espalhados em milhares de arquivos e baixá-los é algo bem trabalhoso. Nestes casos, como sou programador, consigo criar programas que automatizam essas tarefas, mas é ainda mais inviável para alguém que não programa.

CWBR: Desde o início do novo coronavírus no Brasil se discute a subnotificação. Como funciona o processo de coleta de dados de vocês e como têm percebido essa defasagem?

ÁJ: Há uma demora no envio de dados das Secretarias Municipais de Saúde para as Secretarias Estaduais de Saúde (SES). E também das SES para o Ministério da Saúde (MS), que tem função de integração mas não libera dados a nível municipal. E cada SES libera os dados de uma forma: algumas liberam em PDF, outras por extenso dentro de uma notícia no site, outras por Instagram, Twitter, etc…
Por isso, iniciei um processo em que dezenas de voluntários me ajudam diariamente a coletar e checar os dados manualmente. E criamos vários programas que nos permitem automatizar algumas das etapas, para diminuir esse trabalho.
Sobre a subnotificação, pouquíssimas secretarias disponibilizam dados de testes e, por isso, fica difícil mensurarmos a subnotificação — a partir do número de testes feitos poderíamos fazer uma estimativa.

Além de não termos dados completos sobre testes, estamos testando pouco.

CWBR: Vocês chegaram ao dado de mil óbitos no dia 10 de abril, concluindo que os dados das Secretarias e do Ministério da Saúde estão atrasados em 4 dias. Poderia nos explicar como chegaram a essa conclusão e no que ela implica?

Dados sobre o novo coronavírus na plataforma Brasil.IO, acessíveis e interativos.

ÁJ: Como o objetivo do Brasil.IO é disponibilizar dados em formatos mais acessíveis, não paramos somente nos dados de casos confirmados e óbitos. Coletamos de outras fontes que podem ajudar no combate à pandemia. E continuaremos aumentando o número de fontes. Uma delas é o Portal da Transparência do Registro Civil, que contabiliza os óbitos registrados em cartórios e disponibiliza uma página especial para a COVID-19.
O número disponibilizado pelos cartórios também inclui casos suspeitos e por isso não podemos comparar diretamente aos casos confirmados nas secretarias. Porém os cartórios em geral são mais ágeis na atualização de alguns dos dados.

Enquanto, por dados do Ministério da Saúde, o Brasil atingiu mil óbitos confirmados por COVID-19 no dia onze de abril, se considerarmos os números do Registro Civil, de suspeitos e confirmados, tivemos mil casos no dia cinco.
Não teremos o número de óbitos reais enquanto não tivermos transparência sobre isso.

Outro fator de atraso é que muitas vezes os testes ficam represados nos laboratórios (por conta da alta demanda) e os resultados demoram a sair. Já no caso dos cartórios, o registro é feito logo que o óbito acontece.

CWBR: Defendemos a democratização e o direito à informação, que por si só ainda é um debate pouco acessível. Qual a importância da libertação dos dados e da transparência em meio a essa infodemia? Houve a tentativa do governo limitar a Lei de Acesso à Informação, por exemplo.

ÁJ: A Lei de Acesso à Informação foi criada no primeiro governo Dilma e entrou em vigor em 2012. É um instrumento central, que nos garante acesso a diversas informações. Todo esse movimento de dados abertos fez com que inúmeros órgãos passassem a disponibilizar os dados ativamente. Dessa forma conseguimos exercer o controle social: acompanhar de perto o que os governantes estão fazendo. É um instrumento fundamental no combate à corrupção e na melhoria da eficiência do sistema. Infelizmente, nem todos os órgãos liberam os dados de forma mais palatável, e é justamente por isso que o Brasil.IO foi criado. Acreditamos que todos devem conseguir acessar os dados públicos, independentemente de conhecimentos técnicos. Em nosso manifesto temos a seguinte frase:

“Restringir acesso a dados públicos é elitizar a democracia.”

CWBR: Pra encerrar, gostaria de deixar os contatos e formas de apoiar?

ÁJ: O Brasil.IO é um projeto desenvolvido de forma colaborativa e sem fins lucrativos, mas temos custos. Este é o link para a nossa campanha de financiamento coletivo: https://apoia.se/brasilio. Aqui está o texto com formas de colaborar com o projeto Brasil.IO como um todo: https://brasil.io/colabore/

Esta entrevista foi realizada por vino , via e-mail, no mês de abril de 2020.

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