PMs mais uma vez violam os direitos humanos e fomos testemunhas

CWB Resiste
CWBResiste
Published in
7 min readSep 26, 2019
Foto: Melito / CWB Resiste

Sexta-feira, 20 de setembro de 2019, Curitiba.

Relato pessoal de Cássio.*

Passava das 22h e estávamos encerrando o ato da Greve Global pelo Clima, com apresentações no Largo da Ordem, em frente à Casa do Poeta.

Em um determinado momento, olhei para o lado e vi que em um canto havia uma viatura, onde 2 Policiais Militares (PMs) chegaram chutando uma mulher em situação de rua, que estava ao chão. Vendo a cena, chamei um amigo fotógrafo para que nos aproximássemos. Antes de chegarmos, os PMs entraram no carro e passaram por nós, proferindo palavras de ameaça a quem estava com a câmera.

Perguntei como a moça estava. Era a mesma que há poucos minutos antes havia pedido um cigarro ali onde estávamos e uma amiga deu um a ela e outro a mim. Em um gesto de educação, ela estendeu o seu isqueiro para que eu o acendesse. Devolvi agradecendo. Agora ela estava ali, ao chão, me olhava desolada. Perguntei se eles a haviam chutado e machucado, ela responde balbuciando que sim, abaixando a cabeça, como que mal com sua própria existência. Perguntamos se queria que chamássemos a FAS, mas ela negou. Não há como chamar sem consentimento. Isso também parte da necessidade de melhorar esse atendimento, abordagens e outros fatores que ficam para uma próxima discussão.

Voltando para o grupo que assistia ao show da incrível Brinsan N’Tchalá, em poucos minutos vimos a mesma viatura voltando e subindo o largo (antes sua direção havia sido para baixo). Já achamos estranho, mas continuamos a prestar atenção à apresentação. Novamente, em poucos minutos, a mesma viatura desce e fica parada um tempo, com os dois PMs olhando para nós. Continuamos focados no show. De repente, eles voltam para abordar a moça que estava a poucos passos de forma bem agressiva. Dessa vez, foram menos discretos e já havíamos comentado com algumas pessoas da manifestação.

A viatura em questão.

Com a repressão, em grupo nos aproximamos para entender o que estava acontecendo e alegar que, mesmo em situação de rua, a mulher também tem que ter seus direitos humanos respeitados. Afinal, é função do estado respeitar, proteger e garantir que eles sejam efetivados.

A reação instantânea por parte dos dois PMs é extremamente agressiva e nos mandam encostar na parede para sermos revistados, já com a arma em punho. Começamos a gritar que isso é ilegal, uma vez que nós mulheres só podemos ser revistadas por policiais mulheres.

A discussão continua e um deles avança para o grupo, batendo no fotógrafo que comentei no início, atirando-o ao chão. Outras pessoas são agredidas, e um assessor parlamentar que integra o movimento é abordado e pego com voz de prisão. É quando a gente se organiza para tirar ele dos braços do policial, pois como podem ver no vídeo, quando indagado das razões da apreensão o policial alega “porque não quero que você filme.”

Após discussões para que parassem, ameaças feitas pelos policiais e outras agressões, como bater no celular, bater e derrubar manifestantes, os policiais entram no carro e vão embora. Não sem antes encostar a viatura onde estava a mulher em situação de rua. Entretanto, durante as agressões, ela aproveitou para fugir daquele local.

NOSSA REAÇÃO COLETIVA DE DELAÇÃO

Após o ocorrido, entramos em contato com o Deputado Estadual Goura (PDT), sendo que o assessor citado anteriormente faz parte do seu mandato, para que tomemos as devidas providências. A partir disso, foi encaminhada uma denúncia ao Secretário de Segurança Pública do Paraná, coronel Rômulo Soares. O mesmo abriu um inquérito para averiguar a atuação policial. De imediato, os dois policiais foram suspensos de suas funções.

Na segunda-feira (23), o Deputado Estadual Tadeu Veneri (PT) também se posicionou contrário à atuação policial e falou da importância de não deixar que caia no esquecimento, mas que tenha providências:

A cantora e agora parceira de luta Maria Gadú estava presente na cidade e durante o abuso policial, e além de também se posicionar no mesmo dia contra o descontrole e agressões dos policiais, utilizou sua voz para contar o ocorrido no Teatro Guaíra:

Vídeo por Giorgia Prates / CWB Resiste

Com isso, a Gadu conseguiu chamar a atenção de diversos jornais para noticiarem a violência da última sexta-feira. Ao fim deste texto, inseri um clipping.

Além disso, também foi realizado um b.o. pela tentativa de prisão sem justificativa e violência excessiva da abordagem policial. Assim como saiu na RICTV e RPCTV.

REFLEXÕES CRUZADAS IMPORTANTES

Precisamos abrir os olhos para a função da polícia na sociedade. O que aconteceu, em pleno Largo da Ordem, um dos lugares mais turísticos da cidade, em uma sexta-feira a noite, é algo preocupante. Assim como as abordagens já conhecidas diante a população em situação de rua, desrespeitada e marginalizada socialmente.

Já em outros locais do Brasil, a situação ainda é mais grave. Sendo que assassinatos de jovens negros no Brasil aumentaram 429% em 20 anos. A isso se dá o nome de GENOCÍDIO. No Rio de Janeiro, por exemplo, a polícia militar tem usado mais que violência, mas assassinado. E até mesmo em manifestações a brutalidade já está presente, empunhando e atirando com armas letais. Nesse sentido, é evidente que o abuso policial deixa não apenas transtornos psicológicos (como em nós pela situação comentada, e outras que passamos ao defender os direitos humanos), mas também deixa rastros de sangue e saudade, majoritariamente nas favelas e corpos negros, como o caso da menina Ágatha, de apenas 8 anos, que não está mais entre nós. Não dá para se dizer bala perdida, quando é evidente quais corpos que caem. Já esses transtornos, são ininterruptos.

É urgente um projeto de uma polícia cidadã, abandonando a militarização. Isso porque tais profissionais são treinados para atuar no interior do país em situações de guerra ou conflito e não para lidar com abordagens civis. Obviamente, isso não pode funcionar. E não está funcionando.

Na minha opinião, em qualquer país a ideia de soberania tem que partir de seu povo. Se há fome, desigualdade, desidratação, falta de condições dignas de vida, de saúde, de educação e se sua própria vida é findada, novamente isso recai ao Estado. Ainda hoje estamos em uma calamidade pública de nomes capitalismo, conservadorismo e preconceito.

POR FIM…

Além dos pontos anteriores, também fica o questionamento: e se a Gadú não estivesse presente, quem estaria falando sobre? Se um parlamentar não enviasse para o Secretário de Segurança Pública esses policiais estariam sendo repreendidos? Quantos casos ocorrem todos os dias em Curitiba e em vários lugares do país em que jamais teremos notícia?

É por isso que não adianta apenas culpar os dois policiais. É importante que a gente reflita o sistema e como o Estado protege, garante e respeita os direitos humanos. Precisamos de alternativas democráticas, inclusivas, humanas e pensadas para o povo. Pois são eles — Estado e sistema — que militarizam e desumanizam quem deveria nos proteger, transformando-os também em segurança privada do Estado e sua corja corrupta. Esses que carcerizam corpos negros em massa. Esses que assassinam os guardiãs da terra, os povos indígenas e comunidades tradicionais, ao não protege-los e aliarem-se ao agronegócio criminoso, ao capitalismo selvagem.

Nossa luta precisa pautar um país soberano com paz para nós, e não apenas entre nós. Enquanto violentarem pessoas em situação de rua, ativistas, mulheres, defensores dos direitos humanos, pessoas negras, comunicador@s, LGBTIs (principalmente trans e travestis), pobres, comunidades tradicionais e trabalhador@s do campo, tem que ser guerra contra eles.

Que tenhamos força para delatar seus abusos e mãos sangrentas. Que tenhamos força para não desistir de tentar, lutar e conquistar um país justo, igualitário e democrático. Onde a opressão seja apenas passado. Onde exista mais horizontalidade, respeito e afeto.

Nos encontramos nas barricadas das lutas, nas barricadas da vida.

Ps: não se cale frente a qualquer violência e abuso! Por nossas vidas.

*Nome fictício para proteger a pessoa em questão, em vista do fato de que um deputado estadual está querendo processar o grupo que se levantou para defender os direitos humanos da mulher em situação de rua. Assim, já estamos sendo perseguidxs.

____________________________________

Clipping das matérias sobre o ocorrido:

MÍDIA NINJA

A sempre incrível @mariagadu dizendo tudo que precisa ser dito!

JORNALISTAS LIVRES

Maria Gadu desabafa fala da tentativa de intimidação da policia em Curitiba

REVISTA FÓRUM

Maria Gadú faz desabafo político durante show em Curitiba e não se intimida com fascista

PLURAL

Maria Gadu fala sobre violência policial em Curitiba

BEM PARANÁ

Maria Gadú fala de abuso policial em Curitiba e enfrenta homem na platéia; veja o vídeo

G1

Abordagem de policiais militares termina em confusão no Largo da Ordem, em Curitiba

BHAZ

Maria Gadú confronta crítico ao ser ‘vaiada’ durante o próprio show: ‘Sou a favor da democracia’

BRASIL 247

Maria Gadu pede liberdade de Lula e Preta Ferreira

FOLHA DE LONDRINA

Ação de PMs denunciada por Maria Gadú em Curitiba é alvo de apuração

REVISTA CIFRAS

Maria Gadú faz desabafo político em show e confronta homem na plateia

UOL

Maria Gadú confronta crítico em show: “Por que veio aqui, meu irmão?”

--

--