Experiências de facilitação remota no design de produtos digitais

Workshops, inceptions, design thinking, design sprint, reuniões de alinhamento, quebra gelos… Se antes da pandemia precisávamos exercitar a facilitação presencial, hoje, trabalhando em casa, temos precisado mais ainda de facilitações com clientes, colegas e usuários. Nesse texto, trago aprendizados de diversas experiências remotas de 2020.

Rafael Peduzzi
CWI Software
8 min readAug 21, 2020

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Tela com seis participantes de uma videoconferência

Em fevereiro, no início do ano (ou seria “anos atrás”?), em um dos nossos encontros do Design CWI, falei um pouco de uma experiência de workshop que havia ministrado em janeiro, que chamei de “parcialmente remota”. Lá atrás, ainda não era usual que a gente trabalhasse essas dinâmicas remotamente, mas vocês devem imaginar que hoje isso é um imperativo.

Desde o início de 2020, trabalhei com alguns colegas nessas dinâmicas, em diferentes clientes: o Carlos Santos e a Carolina Hoffmann, analistas de sistemas; a Cândida Konrad, também designer; o Fernando Spanhol, gerente de projetos; e a Katia, gerente de sistemas da equipe em que estou na CWI. Também participei de workshops com colegas designers, como a Júlia Andreolla e a Daniele Lemos dos Santos. Nesse meio tempo, tive várias experiências legais e algumas truncadas (principalmente por questões tecnológicas). Reitero que não sou especialista em facilitação, mas tinha acumulada uma bagagem de workshops presenciais e de dar aulas, além de trabalhar e fazer reuniões remotas, muito necessárias quando estava empreendedor, freelancer, professor e/ou estudante de pós-graduação.

Então, na primeira experiência do ano, em janeiro, quando percebi que um “kick-off workshop” precisaria ser remoto… Fiquei nervoso, claro. Mas pensei que era possível. Minha base para isso eram as experiências prévias de guri que jogava online. Já havia jogado com conhecidos e desconhecidos, e era possível coordenar times assim, falando no Discord e jogando ao mesmo tempo. Por que não, então, um workshop? Busquei algumas referências (estão no final do texto), como o Officeless, o Usabilidoido e conversas com colegas, que deram muita base de reuniões remotas, design sprint remoto e formatos de design participativo. Desde então, as experiências que já tive já foram de facilitador, co-facilitador, designer e usuário/participante, então, trago percepções anotadas em todos esses lados.

Não vou entrar muito na discussão sobre o que é ser um Facilitador (mais sobre facilitação aqui), mas minha ideia estando nessa posição é de não ser neutro, e usar os conhecimentos e experiências próprios de designer para colaborar com os envolvidos numa dinâmica, a fim de que a gente compreenda os objetivos comuns e as contradições evidentes, que são também importantes.

Aqui, quis fugir um pouco do formato “receita de bolo”, e sim trazer princípios e anotações de como eles aconteceram na prática, pois assim mostro uma visão mais “de dentro”, para além de um passo-a-passo. Para cada título aqui, já houve pelo menos uma situação prática que o inspirou. Segue:

Conhecer o time
É importante saber antes e, inclusive, ajudar a decidir quem vai participar do workshop. Preferencialmente, devemos envolver todas as áreas que lidam com o problema que será resolvido. Com esse conhecimento, podemos entender melhor como adaptar as dinâmicas ou prever quais atividades devem fluir mais, por exemplo, ou levar mais tempo. Dessa forma, a gente fica mais seguro e se sente um pouco mais “no controle” do processo.

Deixar o time confortável
Esse é um princípio geral, que vale tanto para a interação quanto para as ferramentas escolhidas. O time, sejam colegas, clientes ou usuários, precisa estar tranquilo e confortável para participar. Não deve sentir que precisa fazer trabalhos difíceis e deve perceber que estamos no controle e que já fizemos a “parte chata” de tudo; assim, eles só precisam “entrar e falar/escrever/votar/jogar/interagir”. Na ferramenta, isso também vale: se os participantes costumam usar Excel, por exemplo, podem estar mais familiarizados com o formato planilha, então vão entender melhor se uma dinâmica usar elementos desse formato.

Homem em frente a uma tela com uma planilha aberta
Planilhas podem ser mais do mesmo, mas são familiares para muitos clientes.

Conversar sobre quem vai facilitar
Às vezes, somos vários colegas conduzindo um processo de design thinking com o cliente. É importante combinar como time quais os papéis de cada um no processo, quem apresenta o quê, quem faz o papel de “chato”, quem faz o papel de agenda, quem documenta as coisas… Mas também é importante aqui não deixar um sentimento de “autoridade”, e sim um direcionamento, afinal, tudo flui melhor quando todos estão confortáveis.

Mostrar a agenda e o objetivo do dia
Em processos que duram vários dias, por exemplo, todas as manhãs em uma semana, é fundamental deixar sempre claro para o cliente qual é a agenda e qual é o objetivo do dia. Precisamos atuar como guardas dessa agenda justamente para usá-la de acordo com o momento: se estamos apertados, podemos acelerar uma dinâmica; se estamos folgados, ainda dá para puxar um pouco mais de problematização, e assim vai.

Mulher em frente a um notebook com uma lista de tarefas
Sejamos guardiões das agendas e objetivos do dia.

Lembrar do “bom dia”, “boa tarde”, “retomando”…
Ainda na mesma linha dos processos que duram vários dias, às vezes a gente se acostuma a começar a manhã ou a tarde com as mesmas pessoas e sai conduzindo como se não houvesse amanhã, afinal, o tempo é sempre curto. É bom ter calma, usar esses momentos iniciais para uma lembrança do que aconteceu ontem, do que vamos ver hoje, para chegar no objetivo de amanhã… Assim, mantemos o cliente situado e vamos “entrando no clima”.

Bloquear boards
Esse tem sido um pesadelo de designers. Em ferramentas de “quadro-branco virtual”, criamos boards (painéis) para dinâmicas específicas. As ferramentas mais usadas são o MURAL e o Miro. Só que, então, compartilhamos o link do MURAL ou do Miro, e as pessoas saem clicando e arrastando tudo. Resultado: bagunça e todos confusos. Caos? Não! O MURAL, por exemplo, oferece a possibilidade de bloquearmos alguns elementos, da qual precisamos abusar: bloquear tudo o que não precisa ser movido, como os templates, por exemplo, um template de “UX Canvas”. Assim, mantemos a organização dos boards e facilitamos principalmente para as pessoas que nunca usaram esse tipo de ferramenta.

Mulher em frente a uma tela, mexendo com a mão em elementos que estão na tela
Nem todos precisam mexer em tudo nos boards online.

Fazer introduções ou onboardings simples das ferramentas
Falando em ferramentas de colaboração, é importante mostrar de forma breve o que vai ser usado da ferramenta. Com público mais amplo, geralmente usamos pouca coisa: criar post-its ou textos, arrastar post-its ou textos. Mesmo que as ferramentas tenham muitos recursos, é importante simplificar para manter a experiência de todos agradável: só explicar os recursos que serão usados, para não assustar ninguém.

Ter alternativas para a tecnologia
Continuando nas ferramentas, é fundamental ter sempre os planos B, as alternativas emergenciais. Se uma dinâmica de votação será conduzida no MURAL, é legal já ter a carta na manga de fazê-la por chat ou por email, por exemplo, caso haja pessoas que não consigam usar a ferramenta, seja por motivos de dispositivos (estão no celular) ou por rede (redes internas bloqueadas). Geralmente, acabamos simplificando para contemplar essas pessoas na própria ferramenta de conferência, como Teams, Zoom, Skype, Meet, Jitsi ou outros.

1 mulher e 1 homem observam outro homem, que está em cima de uma urna de votação, depositando nela um papel com votos
Importante pensar em alternativas para as tecnologias usadas. Até o papel (!) vale.

Registrar rápido
Se usamos post-its, queremos diminuir o máximo possível o atrito entre “pensar” e “registrar”. Então, é fundamental que se registre rápido qualquer coisa importante, mesmo se alguém comentou de passagem e não escreveu. Assim, a gente usa a vantagem remota a nosso favor: com uma dúzia de tecladas, registramos rapidamente uma ideia.

Tornar tudo visível e documentado
Como não estamos juntos numa sala de reunião, é importante criar aquele clima de que todos estão visualizando a mesma coisa. Assim, o processo conduzido de forma remota precisa apresentar o que acontece nas reuniões de forma muito visível, como se estivéssemos mesmo juntos, à frente de um quadro-branco que mostra todo o nosso processo. Nesse ponto, caso se esteja compartilhando a tela, é legal cuidar sempre do zoom in / zoom out e usá-lo em favor da facilitação, pois os participantes podem estar usando diferentes dispositivos com diferentes tamanhos de tela, e assim podem não conseguir ler textos importantes caso o zoom esteja em 12,5%, ou podem ficar tontos caso a gente aumente e diminua o zoom muito rapidamente [baseado em fatos reais].

Homem em frente a uma pasta com vários documentos dentro
Ao fim de tudo, conhecimento organizado e de fácil acesso aos participantes.

Exportar boards e documentar a entrega da melhor forma possível
Geralmente, essas dinâmicas de design resultam em entregáveis monumentais, como um board do MURAL com milhares de post-its, títulos, subtítulos, categorias, votações… É importante exportar tudo isso de forma organizada, em PDFs, e ainda transpor os conteúdos para formatos menos visuais e mais textuais, como Excel e Word, por exemplo. Assim, atuamos também na documentação desse processo em formatos mais palatáveis a gestores, analistas, POs, marketing e todo mundo que possa usar os achados obtidos naquele processo. Imagine que alguém, daqui a 3 meses, precise encontrar o que foi decidido sobre uma funcionalidade que ainda não foi desenvolvida: é legal que isso seja fácil, pois torna todo o nosso material ainda mais valioso.

Outro formato, que funciona bem quando se está trabalhando presencial, é imprimir mesmo. Imprimir uma persona ou um fluxo de navegação feito conjuntamente pode ajudar a entregar algo que será fixado na parede do cliente, e todos podem ver a qualquer momento no trabalho [presencial].

Marcar as etapas
Por último, mas não menos importante: muitas vezes, processos de design thinking são dispendiosos de tempo e esforços, envolvem muita discussão entre diversas áreas, e geram resultados que o cliente ainda não tocou com as mãos, não presenciou de forma tangível. Vendo isso, é legal marcar todas as conquistas e enfatizar sempre: “definimos nosso objetivo do produto”, “finalizamos a jornada do usuário”, “concordamos sobre a proposta de valor”… O sentimento é de recompensa e dever cumprido.

Para finalizar, um salve para colegas e parcerias com quem estive junto em vários desses momentos e que ajudaram muito com várias conversas para esse texto!

Referências
Design Sprint Remoto: Como aproximar a equipe da experiência presencial
Live Mão na Massa #02 — Design Sprint Remoto Descomplicado
Design Participativo no Usabilidoido
Mastering the Perfect Remote UX Workshop | Toptal
Remote UX | NN Group
SuddenlyRemote.co
Webinar: Remote meetings and workshops in Miro

Todas as ilustrações usadas no post são do unDraw, projeto open-source.

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Rafael Peduzzi
CWI Software

Líder de Engenharia e Designer na CWI Software. Pesquisador no Doutorado em Design na UFRGS. Professor de Design. Escrevo e giro em torno disso.