Retrospectiva de Retrospectivas

Marcos Vinicius Henke Arnoldo
CWI Software
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12 min readFeb 25, 2019

Como vão as retrospectivas do seu time?

O que tem funcionado bem nelas?
O que não funciona muito bem?
O que poderíamos começar a fazer para melhorar?
O que deveríamos parar de fazer?
Fazer mais?
Fazer menos?

São perguntas normalmente feitas em Retrospectivas, agora feitas sobre as próprias Retrospectivas.

Agentes de Mudança, seja lá qual o nome que o seu [modelo/método/metodologia/framework/forma de trabalho] der para este papel, um dia não tiveram experiência. “0 XP” (zero eXperience Points), como dizem. Alguns nomes populares hoje em dia que vemos nas empresas para esta responsabilidade são: Scrum Master, Agile Coach, Analista de Processos ou Qualidade, Especialista Lean e Six Sigma Black Belt, por exemplo.

Estes agentes só sabiam o que sabem por teoria, por terem lido livros, feito cursos, participado de workshops, DoJos, CoPs, talvez até algumas certificações, ou por terem visto outros Agentes de Mudança em ação.

E então chega o dia que você tem que agendar uma Retrospectiva, e tem que saber como conduzi-la quando chegar a hora e estiver todo o time com a atenção em você.

Com certeza, para chegar neste ponto, você já acredita no poder de transformação cultural que a melhoria contínua, com a participação efetiva de toda a equipe na avaliação e definição de ações, possui. E os demais? Muitas vezes, você está iniciando estas práticas na empresa, e todos estão céticos. É a mudança prestes a ocorrer. Ou não.

Este artigo foi escrito com o intuito de lhe ajudar a conduzir melhores Retrospectivas com seu time, relatando experiências recentes que tive, em diversas empresas. Boa jornada!

A hora da verdade — quem sabe faz ao vivo

Chega a hora marcada da Retrospectiva e estão todos lá, te desafiando: o time, os post-its, canetas coloridas, quadros, folhas de flip-chart e agora é saber comunicar a importância deste momento, é saber conduzir o grupo a alcançar o objetivo desta reunião, que serve para afiar os machados, lubrificar as engrenagens, apertar os parafusos, fazer curativos, medir a pressão e temperatura, discutir a relação.

“Para ser eficaz, essa reunião requer certo nível de maturidade emocional e um ambiente de confiança. É essencial que todos se lembrem de que não estão procurando um culpado, mas sim examinando o processo. (…) É crucial que as pessoas assumam a responsabilidade pelo processo e pelos resultados em equipe e busquem soluções em equipe. Ao mesmo tempo, os indivíduos precisam ter estrutura emocional para mencionar as questões que os incomodam de modo a buscar uma solução, e não de uma forma que pareça acusatória. E o resto do grupo tem que ter maturidade suficiente para ouvir o feedback, leva-lo em consideração e procurar uma solução, em vez de ficar na defensiva. A reunião de Retrospectiva é a parte ‘Verificar’ do ciclo Planejar-Fazer-Verificar-Agir (PDCA), de Deming” — Jeff Sutherland, Scrum: A Arte de Fazer o Dobro do Trabalho na Metade do Tempo.

Inspecionar e Adaptar

Minha opinião é que a implantação de métodos ágeis na empresa ou em um time deve começar com uma boa Retrospectiva.

“Como podemos fazer melhor aquilo que fazemos?”

Jeff Sutherland

O Guia do Scrum menciona que o propósito da Retrospectiva da Sprint é:

“Inspecionar como a última Sprint foi em relação às pessoas, aos relacionamentos, aos processos e às ferramentas;
Identificar e ordenar os principais itens que foram bem e as potenciais melhorias; e,Criar um plano para implementar melhorias no modo que o Time Scrum faz seu trabalho;(…)
A Retrospectiva da Sprint fornece um evento dedicado e focado na inspeção e adaptação, no entanto, as melhorias podem ser adotadas a qualquer momento”

Sou incentivador do Agile Agnóstico, apesar de ser mais experiente em Scrum e Scrum-ban mesmo. Independente de como a sua empresa chama o método de trabalho utilizado, mesmo não adotando uma cultura ágil, deve haver reuniões recorrentes para conversarem sobre como melhorar. Então, antes de iniciar uma “transformação ágil”, uma Retrospectiva com o(s) time(s) para “ver como estamos indo até então e o que precisa mudar” tem grande valor.

Mas, obviamente, lidar com pessoas não é tarefa banal, e alguns facilitadores lançam mão de dinâmicas de grupo, inspiradas na psicologia, para auxiliar. É um recurso opcional, uma ferramenta de trabalho, que funciona com alguns times, outros abominam.

Eu já trabalhei por anos em times que não utilizavam dinâmicas nas Retrospectivas, e elas se tornaram chatas e ineficientes até que foram extintas. Uma pena.

O domínio do facilitador sobre a dinâmica a ser aplicada é fundamental, ou o grupo não sentirá confiança para falar de forma realmente transparente sobre os problemas, sobre as “dores”, sobre o que realmente está atrapalhando, e incentivar o que funciona. Sem uma boa facilitação, a reunião acaba virando o tal “muro de lamentações”, uma choradeira.

E sem o acompanhamento da execução de eventuais ações de melhoria definidas, por vezes a reunião é até extinta, já que “não serve pra nada”, vira “só perda de tempo”.

Mas, de novo: houve um dia que até mesmo o mais experiente facilitador das galáxias nunca havia facilitado uma dinâmica antes.

OK, feita esta reflexão ideológica inicial, vamos ao pragmatismo.

Teve um dia que eu sabia que teria que encarar a Retrospectiva como facilitador e busquei material sobre como conduzir boas reuniões desse tipo. Encontrei o livro Retrospectivas Divertidas, do Paulo Caroli, e selecionei algumas possíveis dinâmicas que eu teria condições de aplicar. Tem algumas que se assemelham a brincadeiras de recreadores infantis de tão divertidas, mas como meu perfil não é tão descontraído assim, optei por algumas que eu me sentiria confortável em aplicar e usei empatia para imaginar o que funcionaria bem com o grupo.

“Todas equipes devem fazer uma retrospectiva por semana, a menos que estejam sem tempo. Daí devem fazer duas!” — Paulo Caroli e Tainá Caetano

Por este livro conheci a Diretiva Primária de Norm Kerth, cuja Primeira Diretiva diz:

“Independentemente do que descobrimos, nós entendemos e realmente acreditamos que todos fizeram o melhor trabalho que poderiam, dado o que era conhecido na época, suas habilidades e competências, os recursos disponíveis, bem como a situação em questão.”

Em uma experiência, inclusive, fiz no Canva um cartaz bonito com essa diretiva e imprimi em folha A3 em gráfica, e fixava no quadro nas reuniões, para retomar o sentimento de profissionalismo, de empatia, incentivar a participação de todos sem apontar culpados que esse momento requer.

Também reservei diversas outras dinâmicas encontradas em blogs, uma delas a Squad Health Check da Spotify.

Segue, então, o relato de algumas experiências reais minhas como facilitador de dinâmicas em Retrospectivas, e dicas para aplicá-las na prática:

Squad Health Check — Spotify

Em um projeto de desenvolvimento que liderei, tínhamos autonomia sobre a forma de trabalho. Havia um escopo claro, regras de negócio bem definidas, porém muitas incertezas técnicas.

Não tínhamos certeza se iríamos conseguir, possuíamos uma deadline e nossa permanência na empresa talvez até dependesse do sucesso alcançado neste projeto.

Escolhi utilizar Scrum, seria a primeira vez que eu atuaria como Scrum Master de fato, e quando chegou o momento da Retrospectiva, escolhi a dinâmica Squad Health Check para conduzir a retrô.

A dinâmica consiste em avaliar a situação atual baseada em um conjunto de diferentes perspectivas: qualidade, valor gerado, velocidade, diversão, etc.

Execução da dinâmica Squad Health Check em um time
“Dashboard” da avaliação de 3 times

Bati fotos do quadro, as melhorias de processo que anotamos nos post-its viraram recados ou tarefas no Scrum Board, com responsável e prazo.

Duas semanas depois, apliquei de novo a dinâmica no time, repassamos as tarefas que havíamos definidos na última e assim foi recorrentemente até o final do projeto.

Feedback positivo do cliente e dos membros do time com o resultado do projeto e com a forma de gerenciá-lo.

O que aprendemos ao utilizar esta dinâmica:
A dinâmica é ótima para conduzir com objetivos bem claros a conversa, definir e acompanhar pontos de melhoria e para obter um conjunto de métricas subjetivas do processo.

Dificuldades:
Alguns pontos levantados pelo time deixam dúvidas sobre onde enquadrar o assunto. Aí a escolha vai de consenso, escolhe uma linha e coloca alí. Não perca tempo nisso, o importante é a reflexão e os insights gerados, não rótulos.

Eu optei por não imprimir os cartões para votação, apenas algumas folhas explicando o que seria cada tópico avaliado, e a votação inicialmente era com a mão: “Quebrado (Ruim)? Mais ou menos? Eufórico (Bom)”. Aí contava as mãos levantadas.

O problema de fazer desta forma é que ocorre, de fato, influência de opiniões. Um membro do time que está meio indeciso acaba indo na onda dos outros, ao ver que muitos levantaram a mão. Então, após algumas facilitações da dinâmica, cortei cartões verdes, amarelos e vermelhos representando os sentimentos, e pedia para todos levantarem ao mesmo tempo e manterem levantados para eu contar. Não podia mudar. Funcionou muito melhor, e agilizou a dinâmica.

Ocorre seguidamente de perguntarem se podem mudar o voto, após ouvir os relatos de porque está ruim/bom de outros. Seja firme e não permita. Ou diga para expressar essa opinião na votação da Tendência.

Dica: mesmo tendo aplicado literalmente dezenas de vezes esta dinâmica nos últimos anos, em diferentes times e empresas, em todas elas eu esqueço de solicitar o sentimento sobre a Tendência, e então tenho que retomar o assunto. Coloque um alarme no seu celular, peça para o grupo lhe lembrar, ou terá que retomar os assuntos já debatidos, e fica meio chato.

Com os dados obtidos, monte e exponha um dashboard na sala do time para que todos relembrem aquele momento e se preparem para o próximo.

Outra dica: não faça essa dinâmica a cada Retrospectiva, como eu fiz no primeiro projeto. Fica cansativo, faça a cada dois meses (quatro sprints), mais ou menos, para medir a evolução, e intercale outras dinâmicas nesse meio tempo.

Quando, desculpe, SE o time atingir carinha feliz em algum ou vários tópicos e mantiver assim por várias iterações, mude os tópicos.

Com o tempo, é possível medir a evolução (ou não) dos times a cada avaliação:

Se você for mais metódico (como eu), organize uma planilha para acompanhamento das avaliações

Estalo de Empatia para os Grandes Momentos

Consiste em cada participante escrever em um cartão o seu momento de sucesso na última iteração, ou em um projeto. Em outro cartão, escreve o seu nome. Então, cada participante pega um cartão com o nome de outro participante e tenta adivinhar qual o grande momento daquela pessoa. E aí se compara o que foi escrito pela própria pessoa com o que foi dito pelo outro participante.

A reflexão é sobre o quanto prestamos atenção no sentimento dos colegas no dia a dia do trabalho. Não se trata de o que fez, como fez, e sim como SE SENTIU fazendo. Grande mudança de paradigma, desperta a consciência sobre o trabalho em equipe, sobre o senso de pertencimento, a gratidão, eleva a maturidade pessoal e profissional.

Recomendo aplicar essa dinâmica quando houver indícios de atritos no time, ou surgirem reclamações sobre a comunicação interna, ou ao perceber que alguém está meio desligado nas dailies quando os outros estão falando.

Dificuldades:
Muito normal as pessoas não gostarem de falar sobre sentimentos. A dinâmica é leve, mas percebi alguns constrangimentos. Teve casos que alguém nem sequer notou a presença do colega na Sprint, e até externou isso, em tom de brincadeira mas com fundo de verdade. Esteja preparado para lidar com isso, mencione que fará novamente esta dinâmica mais adiante, para ficarem mais atentos ao dia a dia, especialmente nas dailies. Conduza na brincadeira, como um quebra-gelo, mas sempre puxando o link com a empatia com o colega, que é o motivo de realizar esta dinâmica.

Carro de Corrida — Abismo

Esta, até então, é minha preferida e a que mais utilizei, pois não se restringe somente ao passado: permite uma reflexão sobre os riscos futuros e suas possíveis mitigações (futurespectiva).

Desenhe um carro de corrida, com um paraquedas. Pergunte ao time o que acelera o time, anote em post-its e cole próximo ao motor ou à parte da frente do carro. Pergunte o que atrasa o time, e cole os post-its próximo ao paraquedas.

Depois, desenhe um abismo à frente do carro. Anote quais os “perigos” à frente (riscos), e cole dentro do abismo. Depois pergunte: “O que pode ser feito para superar o abismo?”, desenhe uma ponte e cole as respostas sobre ela.

Dinâmica do Carro de Corrida — Abismo. Variação do Carro Veloz

O feedback que recebi de todos os times que trabalhei esta dinâmica foi muito positivo, e por ser uma analogia de fácil entendimento por todos, o foco acaba sendo no assunto debatido e não na dinâmica em si.

Recomendo desenhar o carro e o cenário em uma folha de flip-chart e deixá-la pendurada visível na sala do time, durante as iterações.

Dica: Sempre registre em qual iteração/sprint um assunto surgiu, ou até data, no canto do post-it. A cada Retrospectiva verifique se aquilo continua, ou se foi resolvido ou não acontece mais, e então faça um check mark. Se o assunto ainda é vigente, marque um ponto com a caneta, indicando que aquilo foi falado em mais uma sprint. É um indicador de quanto tempo o time leva para resolver um problema ou melhorar algo. Com o passar do tempo e a natural falta de espaço na folha, remova os post-its já marcados como concluídos.

Balão de Ar Quente — Tempo Ruim

Eu nunca facilitei esta dinâmica pessoalmente, mas vários times que trabalhei em conjunto como Agile Coach aplicaram e o resultado é idêntico à dinâmica com o Carro Veloz ou Carro de Corrida — Abismo.

A atividade é identificar forças que fazem o balão ir para cima e forças que puxam o balão para baixo, em analogia ao que teve de bom ou ruim, e colar os post-its apropriadamente.
Ainda, pode-se falar do futuro, desenhando uma nuvem de tempestade de um lado do céu e um sol do lado oposto, e perguntar: “Qual a tempestade à nossa frente? O que deixará a viagem turbulenta?” e colocar os post-its próximo à nuvem. Depois, perguntar “O que podemos fazer para fugir da tempestade e ir em direção ao céu ensolarado?” e fazer as devidas anotações.

Vale alternar entre as dinâmicas após algumas iterações, apenas para oxigenar as Retrospectivas, fazendo algo diferente. Quando vários times ocupam uma mesma sala e penduram suas folhas, a parede fica mais diversificada.

Maior Arrependimento / Maior Orgulho

Não lembro e não encontrei a fonte, mas esta é boa para grupos recém-formados, ou quando o Scrum Master é introduzido em um time já formado. É uma dinâmica de Team Building, pode ser usada como quebra-gelo em uma Retrospectiva.

Apliquei apenas uma vez em uma empresa, há alguns anos, quando fui designado Scrum Master para ajudar um time que estava com problemas de relacionamento e baixa produtividade.

Consiste em, primeiramente, pedir para cada participante relatar qual o seu maior arrependimento ou decepção na carreira. Pode ser na empresa atual ou anterior. Cada um fala a sua.
Depois de todos falarem, pergunte: “E qual o seu maior orgulho?”, e faça uma nova rodada.

Só isso, não precisa anotar nada, não precisa elencar ações. Quebre o gelo com ela e siga com outra atividade para melhorar o processo.

Esta dinâmica é bem intensa emocionalmente, dá pra ver no olho dos participantes sentimentos de amargura e satisfação ao relatar os seus casos.

Feedback muito positivo de quem participou, todos — inclusive eu, que fiz o meu depoimento também — saímos da reunião com uma sensação de leveza, e um sentimento de estarmos todos no mesmo barco.

Indico fortemente para momentos de início de projetos ou mudanças de membros de time, ou até quando a moral estiver meio baixa.

Essas são as minhas melhores experiências com dinâmicas em Retrospectivas. Facilitei muitas delas nos últimos anos, não variei muito, apesar de ter um arsenal à mão com o livro do Caroli, pois tive ótimos feedbacks destas que mencionei acima.

Uma última dica: se for fazer, faça com entusiasmo, com paixão, ou então não faça. Dinâmicas lúdicas conduzidas por quem não acredita e domina o que está fazendo, ou sem humildade para colocar o time como protagonista, faz o facilitador parecer um bobo e não produzem resultados. Se for o seu caso, não perca tempo nisso e chame alguém que se encaixe neste perfil para lhe ajudar, ou desista e siga fazendo de forma chata e burocrática, mas saiba que desperdiçará ótimas oportunidades de extrair o máximo da sua equipe na melhoria contínua da forma de trabalhar.

Outra técnica que já utilizei, e incentivo, é fazer um rodízio de facilitadores com os próprios membros do time que tiverem vontade.

Espero que se sintam inspirados a aplica-las em seus times e que minhas dicas sejam úteis para obterem, também, bons resultados!

Referências:

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Marcos Vinicius Henke Arnoldo
CWI Software

Analista de Testes Automatizados na CWI Software. Apaixonado por desenvolvimento de software que gosta de compartilhar o que sabe