Precisamos falar de política.

Pedro Teixeira de Araújo
Cyber Rabat e Salé
4 min readDec 7, 2016

Me refiro à política da forma que tem sido discutida diuturnamente: nas ágoras de antes e nas ágoras de agora. Quero dizer que temos que discutir a forma que o discurso político assumiu, a virulência, a animosidade, o maniqueísmo, a dicotomia e, acima de tudo: a ausência de empatia.

O maniqueísmo, conjuntamente com essa ausência de empatia que parece perene no mais das vezes, da conta de explicar por que vemos o outro como necessariamente mal intencionado, ruim; e quando jogado na política ganha novos contornos, porquanto no imaginário popular “todo político é igual” — e igual significa ruim.

Se sou coxinha, Lula é ladrão, chefe de quadrilha; se sou mortadela, não há integrante de partido da direita brasileira que não seja ladrão, atenda aos interesses privados da elite a que pertence.

E isso nos priva de elementos indispensáveis para o debate, como a racionalidade. Vemos as pessoas por uma lente enviesada.

A ideia de que todo político é ladrão, ou, inverso, de que o político inocente é o salvador — nem poderia sê-lo, mesmo se quiséssemos, pelo desenho institucional do nosso país. O ponto é que precisamos des-personificar a política, especialmente quando o herói ou os heróis escolhidos atendem um múnus público que o impedem, ou deveria impedir, que alentem a pecha de salvadores — que deixem o clamor do público inebriá-los, agindo como se político fosse.

A liderança política que precisamos não pode ser erguida à condição de Cristo — não servem como políticos, estes ditos heróis. São da Lei e a Lei deve se aplicar a quem quer que seja, doa a quem doer. É o que nos ensinam. Vivemos verdadeira midiatização do direito, que é fenômeno extremamente deletério para a saúde institucional de terrae brasilis.

Dizê-lo não é o mesmo que falar que as operações de combate à corrupção se desenrolando hodiernamente são incabíveis, ilegais ou o que o valha: nomeadamente a Operação Lava Jato não está beyond reproach, para usar o lingo grigo. Nem tampouco deveria se reconhecer a importância da Operação em todas as suas facetas indicativo de que se assina, também, o seu bias aparente (óbvio), as suas arbitrariedades e o precedente igualmente perigoso que o abarca.

O mundo não é binário. Não vivemos um constante conflito do bem contra o mal. E é imprescindível que entendamos isso, de uma vez por todas. É importante que olhemos para o dia a dia com o olhar que entende, como axioma, que aquilo que se vê é imanentemente complexo, dando-se tratamento que reconhece a complexidade do fenômeno.

As manobras que assistimos no noticiário são mais orgânicas que achamos, são interesses que se alinham, não sendo necessário, necessariamente, que se haja um grand conluio de corruptos para ensejar as medidas que, com pavor, tomamos notícia diuturnamente.

Pondo em outras palavras: o choro de Cunha em cadeia nacional foi sincero, no que Cunha fielmente acredita no que disse.

Se pensamos em termos de “todo político é ladrão”, então dinheiro é a única, ou ao menos primacial coisa que procuramos, mas não é só isso — não pode ser. Frank Underwood, embora vindo da ficção, nos dá lição com fundação firme no real: o jogo não é propriamente por dinheiro, mas por poder, têm nuances próprias. E mesmo Underwood acredita em Underwood.

É a razão para que a saída que tanto precisamos é necessariamente institucional, legal: passa por amplo debate no Congresso e na sociedade, não pode ser passada a toque de caixa, patrocinada por banquetes, acalentada nos bastidores e carreadas por palavras-chave, de ordem, de marketing.

O debate em torno dessas mudanças deve ser real.

A simplificação do debate impede que o debate verdadeiro aconteça, por fim. Afinal, não discutimos posições verdadeiras de esquerda em justaposição às ideias da direita — se é que existem somente essas duas posições divergentes, o que acredito não ser o caso.

O que vemos são caricaturas da direita, qual a esquerda percebe, sendo justapostas às caricaturas da esquerda, qual a direita percebe. Sendo as nuances no meio absorvidas, confundidas como um ou outro.

É um conflito de falácias. Um conflito sobre premissas equivocadas. Espantalho contra espantalho.

Falta empatia no debate.

Um lado não vê o outro como capaz de produzir outra coisa que não o errado, o engodo, a estupidez, a burrice; de tal maneira que toda proposição de um lado é vista com repulsa instantânea pelo outro lado, despicienda qualquer análise mais contundente, aprofundada. Aquilo é o que eu imagino que seja. Não há distinção entre doxa e episteme.

Nesse conflito, ideários basilares são soterrados, vistos sob a lente enviesada do falso conflito de espantalhos, e o que há de sagrado na democracia é visto como propositura fantasiosa e equivocada do outro lado: e nisso, os direitos humanos, produção salutar do estado liberal, grandiosíssima conquista histórica, é visto como direito dos mano, como direito penal do inimigo— que enrijece a impunidade ao mesmo tempo que encarcera milhares dos nossos — cite-se, a título de exemplo.

Vivemos num mundo de narrativas conflitantes: embate não de perspectivas diferentes, propriamente, mas de perspectivas versus a aparência do outro, que deve ser eliminado.

Ou mudamos os termos do debate ou corremos,a toda velocidade, na direção do populismo demagógico que já foi experimentado no passado, e que não produziu bons frutos. A bem da verdade, já estamos trilhando esse caminho.

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