Esquerda: Quinn, aprendiz de mago dos Trovadores do Poente, personagem do . Direita: Estelhawn, sobrevivente proscrito das Estrelas Prateadas, personagem do . Fontes: Quinn: Coey Kuhn, Estelhawn (não encontramos a fonte dessa imagem! Quem souber, favor nos comunicar)

Crônica de RPG O Senhor dos Anéis: A Tempestade Vem do Norte

Capítulo 2: Quinn e Estelhawn, os Jovens Dúnedain

Temporada 1: Guardiões do Norte

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Dia 19 de Outubro de 3.008 da Terceira Era. Em algum local a norte de Bri…

Outono avançava a passos rápidos, e os ventos gelados do norte intensificavam sua presença, passando por cada vão de porta e fresta de janela. As pessoas se enrolavam em grossos casacos e camadas e mais camadas de cobertores.

No entanto, alguns povoados mantinham tradições ancestrais de receber o inverno — principalmente quando há fartura de comida — com celebrações, homenagens e agradecimentos às Forças Antigas, Poderes, Deuses ou Valar — apesar que deste último nome poucos se recordam.

Dentre estes povoados, não há um que mereça a atenção dos Sábios (ou do Inimigo). Ou melhor… Com exceção de um. Talvez…

Pedrasfundas é uma aldeia bem ao norte de Bri, no meio das Colinas dos Ventos, conhecida por poucos Guardiões que, em grande necessidade, se hospedam entre as duas dúzias de casas que flanqueiam um pequeno vale cercado por pedras longas e pontudas como dentes de dragão.

E é esta aldeia que Quinn, um jovem peregrino (quase) sem destino, observa do alto das colinas.

Pedrasfundas

A noite escura, de uma lua nova escondida entre nuvens preguiçosas, era iluminada pelas fogueiras, lá embaixo.

Três fogueiras crepitavam no centro de uma praça (a única praça, melhor dizendo). Um leitão gordo estava sendo tostado na primeira fogueira, a gordura pingando num chiado provocante e emanando um cheiro que se misturava com outros aromas. Na segunda fogueira, partes de um boi queimava nas chamas.

A terceira aquecia panelas com ervas e caldos suculentos.

Para Quinn, aquilo era uma parada obrigatória. Após alguns dias de viagem solitária, cuja última pausa fora numa aldeia ainda menor e mais pobre que aquela, precisava daquela parada.

Não havia esperança alguma em obter as informações de que necessitava. Mas havia oportunidade de uma boa comida e, talvez, algumas moedas e uma cama quente.

O problema era vencer aquelas últimas duas colinas, à noite, e ignorar os roncos de sua barriga. Mas deveria ser feito.

O cajado lhe ajudou bastante e, enquanto fazia a última descida, pode observar a aldeia. Era um local simples. Simples e alegre. Uma vintena de casas flanqueava o pequeno vale. Tratava-se de casas baixas, de madeira e, possivelmente, de apenas um cômodo, dispostas num grande circulo, de modo a ocupar todo o vale. Alguns filetes de água desciam pelas colinas, numa linha fina e tímida, devido à secura do outono.

Não era um local ruim para descansar, Quinn sabia. Principalmente quando sua vida fora cheia de viagens e acampamentos de tendas. Mas tinha orgulho de sua linhagem, história e conhecimentos. E tinha saudades também…

Assim que terminou sua descida, um homem gordo e risonho o recebeu de braços abertos.

Quinn segurou o cajado e a alça de seu alaúde com força. Aprendeu, recentemente, a não confiar muito em pessoas risonhas.

- Seja bem-vindo a Pedrasfundas jovenzinho! — o homem estendeu uma mão redonda — Vejo que está na estrada há um bom tempo! Vamos, vamos! Gostamos de receber visitas, principalmente do seu povo! Aliás — o homem agora sussurrou, como se contasse um segredo. — Só recebemos visitas de vocês, homens altos.

- Pode me chamar de Quinn. E obrigado pela recepção — não sabia se era adequado falar mais alguma coisa.

- Quinn! Certo, certo! Venha, o banquete está quase pronto!

O rapaz seguiu o homem gorducho, notando que não sabia o nome do anfitrião, apesar de ter revelado o seu.

No centro da aldeia, os aromas das carnes lhe roubou momentaneamente a atenção, fazendo sua boca salivar. Uma garota, que aparentava ser um pouco mais jovem que ele, ajudava a servir e distribuir a comida para os aldeões.

Filha do líder de Pedrasfundas, Terla está aprendendo com sua vó as artes da cura, para assumir a posição de Curandeira da aldeia. Fonte: (não encontramos a fonte dessa imagem! Quem souber, favor nos comunicar)

- Terla! Temos um convidado inesperado! Quinn é seu nome! Ele precisa de um pouco de comida e de uma cama para descansar! Cuide disso, está bem? — então o homem virou-se para o rapaz. — Fique a vontade, jovem Quinn!

E, com aquelas palavras, o homem caminhou para longe, falando com cada pessoa que cruzava seu caminho. Sempre risonho. Sempre com estardalhaço.

- Sabe tocar? — Terla estendeu um prato muito bem serviço ao rapaz.

- Sei. Obrigado pela comida.

Sentou-se num tronco cortado, atendendo ao pedido mudo da garota.

- Então, pode tocar? Digo, assim que terminar de comer, claro — Terla servia os outros com o mesmo sorriso gentil, mesmo quando ela lembrava que a pessoa da vez estava recebendo o segundo prato enquanto outros ainda não foram servidos.

- Com certeza.

A noite se estendeu enquanto Quinn terminava sua refeição.

Uma senhora simpática lhe ofereceu chá e, assim, alimentado e descansado, Quinn pegou seu alaúde e começou a dedilhar.

Odor, o Caçador de Pedrasfundas

Caçador de Pedrasfundas, Odor goza de respeito na aldeia. Fonte: (não encontramos a fonte dessa imagem! Quem souber, favor nos comunicar)

Verdade seja dita, conhecia poucas melodias simplórias. Não que elas não merecessem sua atenção. Apenas não as conhecia. Não houve muitas oportunidades para aprendê-las.

No entanto, os últimos meses foram produtivos (tratando-se de canções simplórias). Descobriu rápido que aldeões e fazendeiros gostavam daquele tipo de música. Nada de histórias prolongadas e nomes difíceis. Enquanto dedilhava despreocupadamente seu alaúde, lembrou-se de uma rima que aprendeu recentemente: Risos e vinhos.

Seus dedos se moveram com habilidade, num acorde ritmado e alegre. Não ousou cantar. Sua voz não era tão boa quanto os cantores dos Trovadores do Poente…

Para sua surpresa, alguns aldeões conheciam a canção — ou a melodia, uma vez que cantavam uma letra ligeiramente diferente.

Enquanto contemplava a alegria genuína daqueles aldeões, os olhos de Quinn varreram a praça. O gorducho risonho havia se retirado. A velhinha simpática contava algumas histórias. Terla, a garota alegre, não estava tão alegre…

Foi então que Quinn presenciou uma estranha discussão entre ela e um homem atarracado de braços fortes.

- Não, garota! Vou fazer o que acho certo para Pedrasfundas. Não é uma garota ingênua que vai me dizer aonde devo ir, o que devo falar e o que devo fazer.

- Odor, só estou pedindo para que pense melhor! Este jovem é claramente um dos Guardiões…

- Vagando desse jeito? Sem equipamentos? Parece mais um mendigo.

- Odor! Como ousa? Sempre ajudamos os Andarilhos…

- Oras, por isso mesmo! Reconheço um Andarilho quando vejo um. São todos altivos, morenos e andam como se tivessem nascido reis. Todos eles! Este aí não. É um ruivo magricela esquisito. Perdido. Exatamente como foi nos alertado.

Quinn viu Odor dar as costas para Terla, agarrando seu arco e encerrando a discussão. Mas a garota não se deu por vencida, e foi atrás.

- Não gostei daquele senhor, ele tinha um olhar maligno. Mal intencionado. Eu pude ver isso… Ai!

Odor, cansado de trocar palavras com Terla, moveu o braço num gesto brusco, arremessando a garota ao chão.

- Deixe-me Terla! Você é a futura Curandeira da aldeia, responsável pela nossa saúde. Eu sou o Caçador. A segurança de todos depende de mim!

Quinn parou de tocar.

Caminhou até a garota, sem tirar os olhos de Odor. O Caçador subiu uma das colinas numa velocidade desconcertante e sumiu na noite escura.

- Obrigada — Terla se escorou nas mãos de Quinn. — Desculpe… É só que… Somos todos uma família… E acho que Odor está cometendo um grande erro.

- Que erro? Sobre o que vocês discutiam?

- Sobre confiança… — Terla encarou os olhos verdes de Quinn. Abriu a boca para falar algo, mas pareceu mudar de ideia. — Obrigada, e… bem… aproveite o banquete…

Com aquelas palavras, entrou numa das casas (a maior delas), ao norte da aldeia.

Quinn sentou-se novamente perto do fogo e entoou melodias mais calmas. De repente, ficar ali em Pedrasfundas não era mais interessante.

A melodia serena emanava de seu alaúde e, talvez por ter passado da meia-noite, talvez pelo banquete ter acabado, ou talvez pela melodia convidar a sonhos tranquilos; uma a uma, as pessoas da aldeia caíram num sono profundo.

Um sono de paz.

Quinn pendurou seu alaúde no ombro, juntou algumas sobras de comida, encheu seu cantil com água e partiu.

Antes de abandonar a aldeia, avistou uma garrafa de vinho, e levou-a consigo.

No final das contas, a estrada sempre o chamava.

Dia 21 de Outubro de 3.008 da Terceira Era. Floresta Chet, ao norte de Bri.

Precisava pensar com calma. O mais difícil havia sido feito: fugir dos Mantos-negros.

Agora era se afastar o mais rápido possível de Bri. Mas também tinha que comer e, em algum momento, teria que parar para descansar.

Em algum momento, mas não imediatamente.

Estelhawn andava com a urgência de quem deseja salvar a própria alma. Precisava se afastar, olhar as coisas sob uma nova perspectiva. Só assim poderia descobrir quem era. E o que deveria fazer.

A Floresta Chet, logo ao norte de Bri, lhe serviria como uma cobertura natural. Caminharia por entre as árvores, depois pegaria o Caminho Verde, a estrada abandonada que apenas os dúnedain ousam trilhar. Com sorte, chegaria até Fornost em, no máximo, duas semanas. Pelo menos era o que calculava…

Parou num rompante e, sem pensar no motivo de suas ações, saltou para trás, a mão pousando no cabo da espada.

Uma lâmina passou na sua frente num borrão, acertando um tronco de árvore.

Um golpe à altura de seu pescoço, mas executado com certa despretensão. Mais um aviso que uma ameaça.

- Ora, ora! Olha quem eu achei! Estelhawn… ou melhor, Déor, o Selvagem.

- Will…

- Para onde vai, camarada?

- Bri…

- Mesmo? Ótimo! Mas… Bri fica ao sul e você caminha para o norte. Está mentindo para seu irmão Manto-negro, caro Déor?

Estelhawn observou a maneira debochada com que Will apontou para o sul e o norte conforme falava. Uma adaga em cada mão…

Will era rápido. Ele também…

Puxou sua espada da cintura. O ruído metálico reverberando na madeira das árvores. Girou a espada curta num corte de baixo para cima, um movimento fluído e contínuo com o desembainhar da arma.

Mas errou.

Will fora mais rápido, recolhendo um dos braços e deixando o aço cortar o ar inutilmente.

- Ora, ora, camarada! Você não ousaria lutar comigo, ousaria?

Ousaria. Estelhawn iniciou um movimento, mas fincou os pés ao ouvir um assobio.

Era só um assobio, mas conhecia a ameaça carregada naquele som agudo.

Os Manto-negros

Havia mais um atrás dele. O som veio do alto, o que, a princípio, não seria um problema. Seu arco curto estava nas costas e sabia que poderia puxá-lo e encaixar uma flecha num instante.

O problema era que Will estava na sua frente, pronto para agir, enquanto que, em cima de alguma das árvores às suas costas, outro mercenário estaria com o arco tensionado. Apenas esperando…

Precisava ganhar tempo, arranjar uma oportunidade.

- Você não sabe entender uma indireta? — Estelhawn olhou ao redor, poderia correr para a direita e embrenhar-se nas árvores…

Uma flecha passou por ele num borrão. Um tiro de aviso.

- Ora, ora — disse Will. — E você sabe? — prevendo algum movimento de Estelhawn, continuou. — Não faça isso, você é um bom camarada. Guarde essa arma e seja obediente. Você é jovem! Há muita vida pela frente…

- Não fale como se me conhecesse. Você não sabe quem eu sou.

- Ora, ora! — Will girou as adagas nas mãos, feliz por mostrar sua destreza. — Você também não me conhece. Não sabe quem eu sou…

Outro assobio.

Claramente era outro assobio, pois vinha de um local diferente, à sua esquerda. Estava cercado por pelo menos três mercenários.

Abaixou sua espada (mas não a embainhou).

- Quanto interesse — murmurou. — Quantos de vocês vieram atrás de mim?

- Um número necessário — Will exibia um sorriso jocoso.

- Vocês não desistem mesmo…?

- Por que desistiríamos? Um homem da sua estirpe. Com sua pontaria. Capaz de matar a sangue-frio. Por que desistiríamos?

- Tudo bem — Estelhawn embainhou a espada. Um confronto direto seria morte na certa. Viveria mais um dia. Na próxima, não seria tão fácil assim cercá-lo. — Tudo bem… Vamos conversar com o nosso camarada.

- Vamos conversar — então Will gritou para as árvores: — Vamos conversar!

Dia 20 de Outubro de 3.008 da Terceira Era. Colinas dos Ventos.

Após a partida de Pedrasfundas na calada da noite, Quinn venceu as Colinas dos Ventos antes do meio-dia.

A última descida da última colina estendia-se a sua frente num declive suave e colorido: a aridez das pedras duras dava lugar a moitas, flores e algumas árvores frágeis. Olhando para oeste, à direita, Quinn vislumbrava alguns bosques que, conforme se esticavam para o sul, iam se juntando numa massa fechada, formando a Floresta Chet.

Para o leste, à esquerda, uma planície se prolongava até o horizonte, pontuada por algumas colinas solitárias.

À sua frente, uma mancha se destacava no horizonte. Ali estava o odiado Pântano dos Mosquitos.

Quinn ajeitou a mochila nas costas.

- Bem… onde posso ter mais chances para me esconder? — não precisava daquela resposta. Era óbvio. Calculava que antes de anoitecer atingiria as primeiras árvores. Depois, chegaria até Bri através da floresta.

Simples e seguro.

Os ventos cortantes foram amenizando conforme se distanciava das colinas. Apressou o passo: aquela região era exposta demais, e não gostou do tal caçador de Pedrasfundas — o que era suficiente para suspeitar de todos os aldeões.

Uma estranha patrulha

O sol poente derramava uma luz preguiçosa quando Quinn alcançou as primeiras árvores. O terreno ainda se mostrava íngreme, com pedras espalhadas por todo o lado.

E talvez tenham sido os ossos da terra que fez com que o jovem dúnedan conseguisse ouvir aquele grito.

Chegou através de ecos distantes, mas, nem por isso, menos apavorantes. O grito soou mais duas vezes antes de Quinn abaixar-se sobre um amontoado de arbustos e espiar para o leste.

Como uma pessoa curiosa que era, conhecia uma ou duas palavras em algumas línguas, e o dialeto órquico era uma delas. Conseguiu distinguir uma ordem de marcha. Forçou a vista, olhando para o leste. Demorou um pouco até conseguir avistar alguma coisa.

- Vamos…! Seus vermes imundos…! — uma figura liderava um bando de sombras. Bem, por falar em órquico, Quinn deduziu tratar-se, claramente, de orcs. Mas o líder não caminhava como uma daquelas criaturas. Observando por mais um tempo, notou tratar-se de um homem. E um homem liderando aquelas criaturas era algo atípico — ao menos para seu (nada) vasto conhecimento.

Bárbaro que Quinn avistou liderando vinte orcs. Fonte: (não encontramos a fonte dessa imagem! Quem souber, favor nos comunicar)

Agora conseguia ver mais detalhes: o líder corria à frente, envolto em um casacão de pele de urso, sua cabeleira loira refletindo à luz dourada do sol de final de tarde. Atrás dele, cerca de 20 orcs o seguiam, num estardalhaço típico daquela raça.

A terra dura propagava o som com perfeição.

- Corram…! — o líder ergueu uma arma, um machado. — Corram…! — dois tambores ribombavam ritmados, ditando a velocidade da marcha.

Quinn sabia que estava seguro, o problema era que o estranho bando rumava para o norte. Para as Colinas dos Ventos… Eles se destacavam na planície, machucando o solo com prazer hediondo. Esperava que o barulho que faziam fosse o suficiente para alertar o povo de Pedrasfundas…

Floresta Chet

No dia seguinte, sob uma noite de lua nova, Estelhawn caminhava ao lado dos seus camaradas. Will papeava qualquer idiotice na vã esperança de desviar sua atenção.

Aquilo era patético. Estelhawn não perderia o foco. Não quando se tem dois mercenários andando atrás de você, com arcos prontos para disparar flechas nas suas costas. O próprio Will o olhava com certa ansiedade, como se esperasse que fizesse qualquer estupidez que justificasse o uso das adagas.

A noite acabara de deitar, mas uma hora eles parariam. Teriam que passar ao menos aquela noite na floresta.

Mas antes disso acontecer, todos ouviram passos leves e despreocupados atrás deles. Os ruídos de folhas secas e galhos sendo quebrados os alertaram de que algo ou alguém se aproximava.

Um dos arqueiros atrás de Estelhawn virou-se com o arco pronto.

- Ora, ora! — Will encarou as árvores. — Será que teremos companhia? Ou será um urso? Ou será um gato? Ou será um coelho? Ou… o que poderá ser?

- Acho melhor vocês olharem… — Estelhawn precisava que eles se dispersassem. Poderia lidar apenas com Will e, depois, cuidaria dos arqueiros. Eles não teriam chance contra a sua pontaria.

- Acho melhor você ficar quieto. Pois pode ser um cervo. Ou um veado? Um cabrito?

Mas não era animal algum. Era Quinn, que surgiu no meio das árvores.

Estelhawn observou o jovem magro e alto. Aquele rapaz ruivo carregava um longo cajado de viagem e uma mochila que lhe pesava nos ombros finos. O alaúde ia às costas, preso de algum modo na mochila. Os olhos verdes pularam de Estelhawn para os outros mercenários.

E, enquanto era estudado com atenção, Quinn tratou de fazer o mesmo. Quatro pessoas vestidas de maneira muito semelhante o encaravam de volta. Os dois arqueiros e o homem risonho (realmente, não gostava de pessoas risonhas) vestiam-se com roupas simples e escuras, surradas de viagem. Mas o quarto elemento chamou mais a sua atenção: como um animal selvagem, estava acuado, tentando esconder o nervosismo apertando o cabo de sua espada; os olhos castanhos o encaravam de volta; e Quinn notou que portava um arco nas costas e aljava cheia; o capuz lhe cobria a testa, deixando o rosto na penumbra. Havia algo curioso em Estelhawn.

- Opa! — disse Quinn. — Não esperava encontrar companhia na estrada.

- Ora, ora! — respondeu Will. — Muito bom! Muito bom! Alguém para conversar — então se virou para Estelhawn. — Porque você não fala nada. Seja bem-vindo, senhor…

- Quinn.

- Quinn! Sou Will. Prazer, prazer! Vejo que tem um instrumento, pode tocar para nós?

- Claro, posso tocar envolta da fogueira.

- Boa ideia! Já está tarde, vamos parar e acender uma fogueira. Descansaremos! Ouviremos uma música, cantaremos. Vamos relaxar um pouco.

- Pensei que estávamos com pressa — disse Estelhawn.

- Você não acha nada — Will se voltou para Quinn. — Não seria bom ouvir uma musiquinha? Dançar? — gesticulou o corpo de maneira desengonçada, ensaiando uns passos de dança.

- Claro — disse Quinn. — Eu já ando por horas. Seria bom parar um pouco.

- Ótimo! Estelhawn, acenda uma fogueira para nós, por favor.

- Perfeito… — resmungou Estelhawn.

Canções

Quinn não demorou muito para entender que estava em má companhia. Notou que o jovem acuado não parecia confortável com a situação. A atenção dos outros três estava toda focada naquele jovem.

Os quatro se mediam constantemente. Estelhawn parecia se preparar para algo. Os outros três pareciam se preparar para algo que Estelhawn se preparava…

Quinn sorriu, puxou o alaúde e começou a dedilhar uma canção lenta.

Estelhawn levantou o rosto aos poucos, encarando Quinn numa surpresa que não conseguia dissimular. O que ouvia era uma das tantas canções que sua mãe cantava para ele, na sua infância. O Brilho do Poente.

- Uma bonita canção — disse Estelhawn.

- Sim, é uma bela canção — respondeu Will. — Mas confesso que não compreendo porra nenhuma dessas rimas.

- Às vezes não precisa entender. Basta sentir.

- Cara… Você é muito estranho…

A noite avançava demoradamente. E nenhum dos cinco pareciam interessados em dormir. Era como se houvesse uma aposta muda: o primeiro a dormir, perderia tudo.

Quinn lembrou da garrafa de vinho que tinha pego em Pedrasfundas. Pescou a garrafa na mochila e ofereceu para os demais.

- Maravilha! — Will ficou radiante. — Veja, Déor, seu selvagem imundo, aprenda bons modos com ele.

A garrafa passou entre eles, mas Estelhawn fingiu beber — o cheiro bastava para lhe alertar que a bebida não era de boa qualidade.

Uma rodada da bebida bastou para deixar os mercenários mais tranquilos. Os arcos foram largados ao chão e Will sorria com tranquilidade.

- Excelente vinho — Estelhawn cochichou cinicamente para Quinn.

- Parece que nem todos aqui dizem a verdade — retrucou Quinn.

- Ora, ora! — Will começou a gargalhar. — Ele percebeu sua mentira! Ha, ha, ha, ha, ha! A merda do vinho está acabando… Não há mais?

- Infelizmente não — disse Quinn.

- Onde você arranjou essa beleza?

- Nos reinos do sul.

- Porra… do sul? Mas você não veio do norte?

- Pois é, mas eu sou um artista. Já caminhei por várias cidades. Este vinho está comigo há muito tempo.

- Maravilha! Ora, ora… Quando eu acabar com essa vida… Digo, sair dessa vida… Enfim… Eu, eu… Quero viver disso. Assim. Deste jeito aí…

- Cantarei agora em sua homenagem — disse Quinn.

Os dedos de Quinn dedilharam as cordas do alaúde com calma.

- Quem são eles? — cochichou Quinn para Estelhawn. Os mercenários fartavam-se com o final do vinho, confiando que a vantagem numérica era suficiente para deixar as coisas sob controle.

- Não posso sair da floresta com eles.

- Mas quem são? Você é prisioneiro?

- Apenas me ajude. Depois eu te explico.

Quinn não confiava naqueles homens. Não podia dormir. Estudou Estelhawn e concluiu que poderia confiar minimamente num rapaz que conhecia as canções dos dúnedain.

Focou-se na música. Fechou os olhos e, enquanto cantava O Lamento de Elendil, o som de seu alaúde se espalhou pelas árvores.

A balada lenta rapidamente envolveu os outros como um cobertor quente numa noite gelada — e a noite estava gelada.

Afinal, quem resiste ao sono depois de um dia inteiro de caminhada? Depois de parar tarde da noite e degustar um (péssimo) vinho? Com a bebida aquecendo numa noite onde as árvores são incapazes de conter o vento gelado?

Os jovens dúnedain

Quinn acordou Estelhawn. Poderia ter partido sozinho, é claro. Assim como também poderia ter voltado para Pedrasfundas e alertado os aldeões sobre o bando de orcs.

Provavelmente a consciência lhe pesou, fazendo escolher ajudar um estranho em vez de seguir sua estrada solitária.

Assustado, Estelhawn acordou num sobressalto. Jurava que estava se esforçando (além do normal) para não cair no sono. Seu plano consistia em ser o último a dormir para fugir dos mercenários…

Olhou em volta, deparando-se com os três mercenários deitados, embalados por um sono pesado. Quinn o havia acordado… Aquele rapaz foi o último a dormir?

- Obrigado — cochichou Estelhawn, em élfico.

- Você me deve uma explicação — respondeu Quinn, também em élfico.

- Vamos nos afastar, então você terá sua explicação.

Nota da Edição: Este trabalho é uma adaptação das sessões de RPG de mesa, que estamos desenvolvendo para um formato de texto, romanceado. Quaisquer erros de informação quanto às Fontes (de imagem e demais documentos) ou erros quanto à informação do universo de Tolkien, nos comuniquem que atualizaremos.

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Vinicius I.S. Lara
Dá XP?

Escritor Independente. Narrador de RPG nas horas vagas. Tentando sonhar menos e realizar mais...