Imagem do canal Geek & Sundry, em que Terry Crews participa dando vida ao Thodak, o Ferreiro.

RPG de Mesa

Sobre RPG

Os primeiros passos

Vinicius I.S. Lara
Dá XP?
Published in
13 min readApr 29, 2020

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Em tempos de quarentena — e, infelizmente, acreditando que irá perdurar muito — o RPG de mesa vem ganhando ainda mais força e presença.

Verdade seja dita, já faz uns bons anos que o mercado de RPG de mesa vem ganhando espaço no Brasil, seja através de lançamentos internacionais traduzidos para nossa língua (Dungeons & Dragons 5ª Edição), seja por materiais criados e publicados diretamente por brasileiros para brasileiros (Tormenta 20), seja por outros bons materiais brasileiros disponibilizados gratuitamente (Crônicas RPG), seja por produtores de conteúdo (RPG Notícias, Quest Cast…).

Mas, é inegável, que o momento em que estamos vivendo tem contribuído para um aumento na produção de materiais para o RPG de mesa. Talvez para ajudar produtores e consumidores a se distraírem e controlarem sua ansiedade. Ou talvez devido ao tempo disponível, no momento, que é favorável para tirar do papel projetos e ideias há muito guardadas (vide nosso próprio portal).

O mais provável é que sejam todos os dois motivos e mais um pouco.

Então, vem a pergunta, o que raios é RPG (de mesa)?

Role Playing Game

A sigla RPG, como é mundialmente conhecida, vem das palavras Role Playing Game. Numa tradução livre, para o nosso português, seria Jogo de Interpretação de Papéis.

Porém, RPG — tomarei a liberdade de usar a famosa sigla — é muito mais que um “jogo”, propriamente dito. Claro que, ouso dizer, como todo jogo, há exercício mental, desafios e interação social. Mas o RPG tem coisas particulares. Muito particulares. Em sua essência mais básica, trata-se de uma atividade narrativa. Uma narrativa colaborativa, para ser mais preciso. Pode-se encontrar elementos de narrativa colaborativa em outros meios, como em peças teatrais de improviso — onde o truque “sim, e…” é uma das principais ferramentas.

O gancho com teatro é proposital, pois, como mostrado na tradução livre, Jogo de Interpretação de Papéis, o ato de contar uma história, de construir uma narrativa, é realizado interpretando personagens fictícios — muito próximo a uma peça de teatro, a uma série de TV ou a um filme.

Pode soar estranho para aqueles que nunca ouviram falar desta atividade. Mas ela foi ganhando adeptos desde a década de 1970, quando a atividade foi criada, e o motivo para isto, são vários. Vou listar alguns, sem uma ordem específica de importância.

SOCIABILDIADE: como uma atividade complexa, em sua função e funcionalidade, um dos aspectos que acredito ser extremamente importante, é o ato de se relacionar com outras pessoas. Em tempos de crise de saúde global, a atual pandemia nos coloca em cheque com nossas relações sociais, nos testando diariamente em nos manter em contato com quem realmente importamos.

Sendo assim, atividades que tenham em seu cerne o ato social, a relação entre pessoas, acaba ganhando uma atenção toda especial.

RPG é um jogo, uma atividade lúdica, sim, mas tem um enorme potencial social. O termo “RPG de mesa” não é a toa. Pois não se trata de um jogo virtual, um videogame. Nem de um jogo de tabuleiro, com pecinhas, cartas e outros componentes (apesar de poder ganhar essas características). Trata-se de contar uma história. Uma atividade tão básica a nós, meros humanos, que surgiu juntamente com nossa capacidade de comunicação — não sou historiador nem linguista, mas ouso, novamente, criar a reflexão de que antes da fala, o homem pré-histórico fazia uso das pinturas rústicas nas paredes para se comunicar e, com isso, contar uma história.

O ato de contar uma história tem múltiplas funções. Informar, e isto pode ser feito de maneira direta, como jornalistas e alguns documentários o fazem, ou ainda pode ser feita como meio de Entretenimento, que, ao entreter, ao cativar as pessoas que consomem aquela história, também aproveita para transmitir outras mensagens, que além da informação em si, pode provocar à reflexão e/ou crítica.

O premiadíssimo filme Clube de Compras Dallas, tem como um de seus pilares abordar sobre o vírus HIV durante a década de 1980.

Ao elaborar uma narrativa colaborativa, uma história coletiva, o RPG de mesa incentiva as pessoas à desenvolver temas que será compartilhado por todos: amizade, heroísmo, traição, sobrevivência, liberdade; passando por temas até mesmo mais impactantes e reflexivos, como diversidade, racismo, relacionamentos abusivos…

DIVERSÃO: a parte lúdica. A principal para a maioria. Para muitos, o ponto alto é a reunião com os amigos, onde todos se juntam na casa de um dos integrantes, dividem bebida, pedem comida, contam piadas e, quando dá, avançam com a narrativa (estou nesse grupo). Outros já ficam ansiosos para começar a criação do personagem, imaginar sua trama, como esse personagem será, física e psicologicamente, como será sua dinâmica com os outros personagens (também estou nesse grupo). Tem aqueles jogadores que adoram a construção da ficha, rabiscar no papel o que seu personagem, de fato, é capaz de fazer, no que ele é bom, no que ele é péssimo, e no que ele consegue passar despercebido (e sim, também estou nesse grupo).

A diversão também está na interpretação propriamente dita. Na narrativa avançando, nas surpresas da história. Nas reviravoltas. Quem nunca desejou estar num filme, ou naquela série preferida (ser a Mãe de Dragões, por exemplo?). Ou quem nunca se viu dentro do livro que está devorando, compartilhando aquelas sensações e experiências? Jogar um RPG de mesa é algo bem parecido, pois ao interpretar um personagem, você é capaz de impactar a narrativa de maneira única e imprevisível.

CRIATIVIDADE: para quem acredita que criatividade é um dom que recai apenas aos escolhidos, permita-me dizer que: não, não é. Criatividade, assim como qualquer outra habilidade, seja física, social ou mental, deve ser treinada e aprimorada.

Como? Não sou nenhum profissional da área — e sim, há profissionais, há até faculdades voltadas para a criatividade. Mas, o que aprendi, como escritor independente, jogador de RPG e arquiteto é que estudo e prática são os pilares de qualquer atividade criativa. E ambos estão ao alcance de todos.

Estudo inicia já nas referências que acumulamos enquanto vivemos: nossos filmes preferidos, as séries que gostamos de ver, os jogos que escolhemos jogar, livros, desenhos, pinturas e música. As pessoas com as quais convivemos. Para quem deseja criar (seja lá o que for), deve-se dar atenção às coisas, principalmente às pessoas.

Prática está em exercitar aquela atividade que se pretende dominar. Desenhe, cante, toque, escreva, componha, dance, pinte, programe.

Crie.

E, no caso do RPG de mesa, este tópico nos leva ao próximo.

ESCRITA E LEITURA: é verdade que todos os jogadores buscam fontes em filmes, séries e games. Até em música. Mas a leitura ainda é um fator fundamental. Primeiro que um jogador que deseja participar de um RPG de mesa precisa ter sua própria compreensão do mundo ou universo em que a trama ocorrerá. E o costume em leitura ajuda a desenvolver o senso crítico, fazendo cada jogador ter sua própria visão do cenário em questão — o que enriquece, e muito, a trama que será desenvolvida pelo grupo.

A escrita se mostra igualmente importante. E não me leve a mal. Quando menciono escrita, não faço referências a escrever livros ou algo similar. Mas a escrita é vital em dois pontos: o primeiro é para organizar as informações e ideias a respeito de criação — seja de cenários, tramas ou personagens. Muitos escrevem ao menos uma folha resumindo a essência de seu personagem. O que nos leva ao segundo ponto, que são as anotações. Por se tratar de uma narrativa colaborativa, os outros integrantes irão colocar elementos novos na história. Se você não anotar essas informações, pode fazer com que seu personagem entregue, de bobeira, apenas por ter confundido os nomes, o cajado-mágico-do-raio-da-morte para o Feiticeiro-Vilão-das-Trevas achando que ele era o Alquimista-Lesado-do-Vale-Perdido. Um erro que pode resultar na morte de metade dos personagens dos outros jogadores…

Para aqueles que dizem “nossa… odeio ler, odeio escrever!”, pense que você não estará fazendo isso para se preparar para a prova de gramática para a semana que vem, nem para desenvolver sua monografia da faculdade ou o relatório do trabalho. Você está criando uma versão sua para uma narrativa lúdica. Uma persona para momentos de descontração e diversão com seus amigos. Não duvide: será o começo de piadas internas e experiências exclusivas do grupo.

EMPATIA: Jogo de Interpretação de Papéis. Deve-se ter isto em mente. Jogar RPG de mesa não tem nada a ver com atuar para ganhar o Oscar — chamamos isso de “sangrar na mesa” e nem sempre é interessante. Interpretar bem está ligado a tomar atitudes e ações que faça sentido ao seu personagem e não a você, jogador. A imersão e diversão aumenta quando os jogadores criam maneirismos e modos de falar para os seus personagens, interpretando as falas de maneira mais interessante. Mas ainda assim, o fato de controlar um personagem fictício numa situação fictícia nos faz exercitar a empatia, uma palavra desconhecida por muitos, cujo significado é praticado por poucos.

Empatia está vinculado a capacidade de uma pessoa em compreender e processar sentimentos e sensações de outra pessoa ou de um objeto — neste caso, mais vinculado a objetos com fins artísticos. Portanto, quando você tenta compreender a situação de outra pessoa, seus dilemas, seus sentimentos, você está exercendo a empatia. E sim, isso é muito difícil de se fazer no cotidiano.

No RPG de mesa, porém, os participantes são, no mínimo, convidados a desenvolver empatia por seus personagens, compreendendo suas personas de maneira mais ampla, para que possa determinar suas ações e de que maneira seus personagens colaboram com o desenvolvimento da narrativa.

Invariavelmente, a relação social estabelecida numa mesa de RPG desenvolve a empatia entre os demais personagens e, principalmente, entre os demais jogadores. Neste ponto, dois aspectos são tão importantes que merecem um artigo à parte: o poder de fala e o contrato social — iremos nos aprofundar sobre estes tópicos em outra oportunidade.

Certo, interessante, mas… Como Jogar?

Primeiro vamos tratar de elementos ligados ao social.

É necessário um grupo de pessoas para se jogar RPG de mesa. E, neste momento, não podemos ignorar a situação do mundo. Pandemia. Quarentena… Bem, não cabe, aqui e agora, falarmos diretamente disto… Mas como tudo e todos estão sendo severamente impactados pela situação atual, o ato de reunir pessoas, presencialmente, pedir comida (aquela pizza maravilhosa para uma pausa), compartilhar bebidas e bater papo…

Enfim… Não é o momento, ainda… Mas há a internet, os aplicativos e os programas. Para reunir seus amigos, virtualmente, pode-se usar o Skype, Discord, Teams Microsoft, o próprio Whatsapp entre outros programas de videoconferência. É possível usar o celular para isso, tranquilamente.

No entanto, para quem quer fazer uso mais adequado do elemento de jogo, há plataformas e apps que rolam dados — sim, dados, como os de jogos de tabuleiro; esse é um elemento vital no RPG e um dos principais elementos para dar o clima de jogo. Há também sites que, além de permitir rolagem de dados, também possibilitam compartilhar imagens, mapas, tabelas e fichas de personagens. Ou seja, todo um mundo de informações necessárias para fazer o grupo ter uma imersão adequada da história que pretendem contar.

Nós, do Dá XP?, estamos usando o Roll 20. Pode ser utilizado de maneira gratuita e já garante o mínimo necessário.

Bem, com as ferramentas online compensando, dentro dos limites possíveis, os encontros presenciais, vamos para o próximo ponto.

O que jogar?

Aí depende do seu grupo. A maioria gosta de quê? Terror cósmico no estilo de Lovecraft e suas entidades terríveis (Call of Cthulhu, em inglês, e tem o Chamados de Cthulhu, sistema nacional, distribuído pela New Order Editora — há materiais gratuitos, inclusive)? O suspense e o terror da decadência da sociedade contemporânea frente as criaturas das trevas (Vampiro: A Camarilla, em inglês, mas é possível encontrar versões da década de 1990 gratuitas para download)? Ou ainda histórias de aventura e magia, num universo medieval fictício (universos diversos, de vários planos, dos complementos de Dungeons & Dragons, é necessário os três livros)? Tem cenários inspirados na cultura asiática, onde o dever e a honra se sobrepõem ao ego e às riquezas, e um samurai deve pensar mais de duas vezes antes de fazer um inimigo, seja pelo fio da espada de um habilidoso soldado buchi, ou pela ponta da pena de um cortesão manipulador que não hesitará em tensionar suas peças políticas (Lenda dos Cinco Anéis)?

Distribuído no Brasil, em português, pela New Order Editora.

Cada universo citado acima conta com informações detalhadas de como funciona a imersão, os principais enredos, as tramas. Ou seja, cada universo mencionado se propõe criar um “clima” específico. E cada um deles possui um sistema (as vezes simples, as vezes complexos) de regras onde a parte de jogo acontece — muito similar, por exemplo, a um jogo de tabuleiro, ou de baralho; cada jogo possui suas regras.

Mas nada impede de o grupo criar suas próprias regras e seus próprios mundos. O mais importante é que todos participem da história e que todos se divirtam.

Referências

Para que você compreenda como funciona a dinâmica de uma mesa de RPG, deixarei aqui alguns links de sites brasileiros que são referências no mercado nacional.

Deem uma olhada e divirtam-se!

Formação Fireball (projeto Skyfall)

Um universo totalmente criado pela mente do Pedro Coimbra. É um universo onde a magia é tão presente que é confundida com tecnologia, onde há inúmeras raças (que são chamadas de melancolias e impulsos) e é tão rico quanto libertador. O material ganhou vida após uma campanha de sucesso de financiamento coletivo no Catarse.

O sistema utilizado foi o sistema D20 da 5ª Edição de Dungeons & Dragons, mas com adaptações feitas pelo próprio Mestre Pedrok para que a experiência em contar uma história em Skyfall seja única.

Game Chinchila (Jogando RPG)

Uma trama que se estende por 3 temporadas e 2 spin offs com jogadores carismáticos e produção de alta qualidade. A trama se passa no Continente da Ferradura, um universo de fantasia medieval criado pelo Vinzaum, um dos criadores do Canal Game Chinchila.

O sistema utilizado é o D20 da 5ª Edição do Dungeons & Dragons.

Maré Geek (20 Natural)

Um grupo de sete pessoas, com personagens bastante únicos, que desenvolvem uma trama sinistra de entidades e criaturas estranhas em um universo criado por eles mesmos chamado de Xalária (não sei se é assim que escreve, então perdoem!).

O sistema é uma mistura entre o D20 da 5ª e da 3.5ª de Dungeons & Dragons e regras D20 de Pathfinder.

Ordem do Dado (Heróis de Baldur’s Gate)

Usando um dos mais famosos cenários de Dungeons & Dragons, numa metrópole fantástica medieval, Stephinha conduz o grupo em uma trama urbana nos Portões de Baldur (é, em inglês a sonoridade é melhor: Baldur’s Gate).

Sistema utilizado é o D20 da 5ª Edição de Dungeons e Dragons.

Há ainda podcasts maravilhosos para quem quer ouvir enquanto lava a louça, limpa a casa, passeia com o cachorro (pode?), ou faz o que tem que fazer para sobreviver nesse mundo cruel (que até parece ficção apocalíptica):

NerdCast

É até covardia referenciar o pessoal do Jovem Nerd. Quem não conhece os caras? Mas eles possuem vários podcasts específicos de RPG de mesa, desde jogos gravados, como os do link, como episódios em que conversam sobre a experiência de se jogar e narrar RPG de mesa. Vale a pena.

RPG Next — Tarrasque na Bota

Um podcast feito com muito cuidado e carinho, cujo o grupo foi crescendo com o passar do tempo. Coloquei o link de uma trama que achei ousada: envolve grupos diferentes de jogadores e de personagens com o mesmo objetivo. A experiência narrativa ficou bem interessante!

Preciso comprar livros?

Sim.

E não.

Na verdade, depende. Fato é que um jogo de RPG precisa de um sistema básico de regras, e esse sistema pode ser criado pelo próprio grupo, ou ser utilizado através dos livros vendidos.

Há muitos sistemas. Muitos. Mesmo. Tanto que creio ser necessário um artigo apenas para falar dos sistemas e como adquiri-los.

Porém, para aqueles que estão começando ou que pretendem começar, além das referências citadas acima, há também alguns sistemas gratuitos disponíveis no mercado. Isso possibilitará que seu grupo comece o hobby sem gastar nada.

Crônicas RPG

Um sistema brasileiro, distribuído pela New Order Editora, é simples, fácil e funcional. Focado na narrativa e em histórias com baixa fantasia, é altamente indicado para aquela narrativa viking, para quem ama a série de mesmo nome. Serve muito bem no universo de O Senhor dos Anéis e de Game of Thrones. Apesar desses últimos terem sistemas próprio, o Crônicas RPG é um sistema que é bastante fácil de adaptar.

Há um cenário exclusivo para este sistema, que está gratuito (por enquanto): trata-se de Belregard, publicado pela New Order Editora, um universo inspirado na idade média europeia, em que a ruína da humanidade é palpável e o pecado e a queda moral são as únicas certezas.

Old Dragon

Também brasileiro, distribuído inicialmente pela Editora Red Box, e agora pela Dungeonist Marketplace, os criadores de Old Dragon quiseram resgatar a essência dos primeiros sistemas criados para o RPG de mesa, remontando às primeiras edições de Dungeons & Dragons. Para isso, a regra é reduzida ao básico, deixando que o grupo complete as lacunas conforme a narrativa e o senso comum. Exige-se cautela e um foco muito maior na interpretação e narrativa, do que nos dados, fichas ou elementos de jogo.

Qualquer universo pode ser usado para este sistema, inclusive, há vários complementos também gratuitos, que contam com sistema de batalhas em massa, navegação e armas de fogo.

É muito mais que um jogo

Nota-se que dentro de uma atividade tão “simples” e vista por muitos como infantil, o RPG de mesa se abre para vários mundos e experiências narrativas incríveis.

Para aqueles que possuem preconceitos, há estudos acadêmicos e trabalhos educacionais excepcionais utilizando essa atividade lúdica. Prometemos trazer mais material sobre o uso do RPG nas atividades educativas e os benefícios, comprovados, desse hobby que ganha cada vez mais adeptos!

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Vinicius I.S. Lara
Dá XP?

Escritor Independente. Narrador de RPG nas horas vagas. Tentando sonhar menos e realizar mais...