Café de personalidade forte

Guilherme R. M. Menezes
Da Massa
Published in
7 min readOct 19, 2018

Bebida de qualidade, como tomamos em casa e em conta como de boteco de esquina. O Outro “pulo do gato” é a energia e a história do lugar

Especialistas que só querem saber de fazer o melhor café.

Por Guilherme Menezes

Em 1964, era lançado um filme italiano com raízes no faroeste norte-americano. Após tamanho sucesso de audiência, tanto em seu lugar de origem, quanto em outros países da Europa e nos Estados Unidos, o clássico ficou conhecido na época como um “Western Spaghetti”, nome que depois veio inclusive a se tornar um gênero de filme e inspirar uma série de outros nos cinemas.

Talvez você, caro leitor, não esteja entendendo muito o porquê estou falando tudo isso. E a razão é simples. O café Por um Punhado de Dólares não só herdou o nome desse filme inovador, como também, tal como ele, surgiu de uma grande ideia, se desenvolveu a partir de poucos recursos à disposição, do grande amor e know-how que o ramo exigia e foi pensado a partir da realidade social ao redor.

Não têm só café. Preparam diversas bebidas e alimentos variados.

Entretanto, um elemento chave nisso tudo é que o ambiente tem uma personalidade tão forte, que logo se nota assim que se entra no café. E isso é algo que não só levarei em consideração na avaliação que farei a seguir, como também pautará todas as minhas impressões. Vale lembrar do carinho especial com a escolha do ingrediente base, o café. Ele é cultivado exclusivamente para a cafeteria pelo produtor Zé Renato Figueiredo, na Fazenda Jalmma, em São Sebastião do Paraíso (MG). Isso eu soube através de uma conversa com o barista.

Como eu ia dizendo, logo que se entra no café, alguns elementos surpreendem antes mesmo que você se acomode. O local exala a personalidade forte e incisiva dos proprietários, e talvez dos funcionários e frequentadores. Mesmo que haja alguma influência das eleições e do drama político que vive o Brasil neste momento, observa-se que não há pudor em se expor seus posicionamentos, a ponto destes se tornarem parte da decoração.

Espaço permite boa circulação, tanto Às mesas, quanto aos banheiros.

Logo na entrada, são exibidos adesivos diversos, dentre eles os da campanha “#elenão”, “Lula livre” e outros do candidato do PT à presidência da República, Fernando Haddad. Além disso, no mezanino acima dos banheiros estão estiradas algumas camisetas com as mesmas mensagens. Sem qualquer juízo de valor sobre o posicionamento em si, trata-se de característica que em muito chamou a minha atenção.

Depois do “olá”, segui ao balcão para fazer o meu pedido. O dia quente pedia um café gelado, logo, foi o que escolhi — entre chás, cafés quentes, cervejas e outros. Havia duas opções: uma a base de café expresso e gelo, enquanto a outra (que eu escolhi), com suco de limão, rodelas de laranja e limão, além de gelo e café coado. Para comer, naquela hora tinha bolo de maçã integral, muffin de milho, bolinho de chocolate com café e ganache, muffin de aipim com coco e queijo cura e, por fim, bolo de cenoura com cobertura de chocolate.

Quanto às mesas, são um total de doze e acomodam confortavelmente duas pessoas em cada. Há também, para quem preferir, uma bancada, com seis bancos. Além disso, a iluminação favorece uma conversa entre as pessoas, bem como a visibilidade do que está em cima da mesa.

Hora mais saborosa da visita

Diante de uma bebida como essa, quem poderia dizer que é café de torra escura o principal ingrediente?

Vamos ao que interessa: o meu “meio suco, meio café”, por assim dizer. Ao som ambiente de um reggae agradável, fui provar o café gelado mais diferente que já tomei. Ele tem uma nota amarga, mas é refrescante e bastante suave. Na mesma proporção, você sente a laranja e o café da variedade Catuaí 99 (de torra escura, um tipo mais amargo e chamado por eles de Fuck Coffee — outra evidência da forte personalidade do estabelecimento), enquanto o limão cumpre mais a função de dar um pouco de acidez. Os mais atentos podem perceber a predominância do café assim que se põe na boca, enquanto que logo após degustar, é o frutado que mais aparece. Além da estética do copo, o canudo de metal é um charme à parte na hora de sugar o refresco cafeinado e não agride o meio ambiente. Outro recurso bacana é a água filtrada grátis, mais pela atenção adicional ao cliente mesmo.

Desafio mesmo é passar pelos docinhos e não pedir um…

As impressões sobre uma experiência são compostas por diversos fatores. Mesmo que, no caso do Por um Punhado de Dólares, ela se trate de consumir alimentos, procurei saber mais sobre o lugar, com o objetivo de enriquecer essa minha experiência.

Fui atendido pelo barista Robson Bernardo, ou Robinho, como gosta de ser chamado. Bastante feliz com a entrevista, me contou que foi garçom em buffet infantil. Algum tempo depois, virou bartender naquela casa e depois no Santo Grão, que foi onde conheceu todo mundo envolvido na Por um Punhado de Dólares. “Eu já sabia bastante do mercado de bebida, mas foi lá que me aprofundei no mundo do café. Fiquei no Santo Grão uns 6 anos, até o Marcola me chamar para abrir o PPD”, afirma.

Vale salientar que o Marcola é o Marcos Tomsic, professor de geografia e um dos donos, junto com seu sócio, o professor Felipe Yabusaki. Lembra lá no comecinho que eu falei de uma grande ideia dos donos? Pois em continuidade ao que Robinho dizia, explicou exatamente como surgiu o PPD: “O Marcola queria abrir um café de qualidade no centro de São Paulo. O centro já oferecia algumas boas opções de comida, mas se você quisesse tomar um café decente tinha que ir até os Jardins ou até Pinheiros. Ele queria abrir uma casa que oferecesse um bom expresso ao pessoal do bairro, por um preço regular e sem frescuras. Apenas um bom café para gente normal. A ideia é que tanto o doutor quanto o frentista da esquina possam tomar um bom café brasileiro. E só isso. Não temos mais do que 3 cafés na casa e o nosso expresso custa R$4, que é apenas R$0,20 a mais do que o do Estadão, por exemplo”.

Até o banheiro é “sem frescuras”. Não só por sua simplicidade, como se pode perceber.

E lembra que no comecinho eu falei dos recursos limitados? Pois veja o que o barista falou sobre como foi o empreendedorismo: “O Marcola já estava com essa ideia e a gente estava ruminando, naquela coisa de “um dia”. Até que o dia chegou, e bem antes do que a gente imaginava. O Marcola foi fazer manutenção numa máquina do Nice Cup, na Vila Mariana. Enquanto ele arrumava a máquina, a dona do café falou “se souber de alguém que queira comprar, eu estou vendendo”. Ela estava no vermelho há 2 meses e não queria nem pagar o aluguel do terceiro. Estava vendendo tudo por um preço super baixo, só para se livrar mesmo. Então ele me ligou e falou “Robinho, é agora ou nunca”. Essas mesas, essas cadeiras, a vitrine e a máquina, tudo isso que você está vendo a gente comprou dela. Então colocamos tudo isso entulhado na sala da mãe dele e partimos para procurar ponto aqui no centro”.

“Abrimos na loucura, sem saber exatamente o que estávamos fazendo. Nos primeiros meses o que segurou o PPD foi a manutenção das máquinas. Éramos quatro aqui e nos revezávamos no balcão enquanto eu e o Marcola saíamos para fazer manutenção. Agora já conseguimos nos sustentar com o café, mas a oficina ainda funciona lá no fundo da PPD.”, completou.

E lembra, também, do amor e do know-how que, junto com a personalidade, foram definitivos para o sucesso da grande ideia? Robinho disse que há somente 3 cafés e 3 formas de extração. Tal como é possível perceber quando se lê as opções de bebidas, afirmou que nem colocam os nomes ali: “é café um, dois ou três. Se nos perguntarem a gente sabe”. Além disso, o modelo de negócio da PPD inclui apenas algumas opções de sanduíches e de doces, por conta da personalidade forte. “todos muito bons, mas sem frescura”, ressaltou o barista.

“Aqui as pessoas pedem no balcão, buscam e pagam também no balcão. Não cobramos 10%, temos apenas o pote das gorjetas. Todo mundo aqui adora café, temos muitos anos de experiência e fazemos nosso trabalho com excelência, mas sem afetação. De vez em quando aparece aqui um ou outro que nos pergunta detalhes de como fazemos o nosso expresso e a resposta é sempre a mesma: apenas fazemos o expresso. Nós adoramos café, gostamos mesmo, mas cansamos desse elitismo que vimos acontecer em volta do café especial. Tem uma galera que levou o movimento do café especial para uma “frescurada” e não é nisso que acreditamos”.

Entendeu, leitor? Por todas essas razões, o PPD vale a visita. Já fique com o endereço: R. Nestor Pestana, 115 — Consolação, São Paulo — SP.

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