Apartamento Blues

Priscila Menezes
Da minha sacada
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2 min readAug 14, 2020

Sentada na sacada junto às plantas que compõem o cenário entre uma reunião e outra, faz de companhia canecas de café.

Às vezes chá.

Em dias frios, numa versão adaptada da penteadeira que agora serve de apoio às várias anotações ao longo do dia, se instala demasiada busca pelo comforto — como faz tão insistentemente com as canecas de chá.

Às vezes café.

Sextas-feiras blues com whisky, ou vinho embalado por Elis, Chico e tantos outros no vinil. O silêncio da semana vira voz em forma de rodopios no meio da sala. A tal esperança equilibrista resiste ao caos (im)perceptível. Mesmo que breve.

Ainda sem cortinas, o sol de uma estação indefinida desperta a relação mais próxima que se tem.

_ Alexa, qual a previsão de hoje?

_ A mesma de ontem. E anteontem. E o dia antes desse também.

Seguimos sem novidades.

O dias são iguais hoje, mas diferentes do amanhã que ainda nem chegou.

Ansiedade.

Para não dizer que nada muda, os números aumentam. Assim como a forma marcada do corpo no sofá nos dias de chuva e maratonas de séries.

_ Quando tudo melhorar, saímos!

_ Se não fosse a quarentena…

_ Eu sei, mas ainda teremos tempo.

_ Será?

Esse foi o combinado na última vez em que se viram. E se repete em todas as últimas chamadas por vídeo também.

Essa é a história da Clara, minha vizinha do 406. Diferente do nome e número do apartamento, ela existe.

Apartamento Blues faz parte de uma série de contos da minha sacada — que chamo também de quintal. Nela, por assim dizer, traço palavras que permeiam três mundos:

Aquele que vejo. O que imagino. E o que realmente é — ou pode ser. Depende do ponto de vista. E esse, é o Da minha Sacada.

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