Campanha contra homicídios de jovens negros em 2013. Centenas de silhuetas de corpos foram pintadas no chão do Largo da Carioca, centro da cidade, em alusão à marcação pericial de cenas de assassinatos.

A cor das vítimas de arma de fogo

O extermínio da juventude negra no Brasil.

Julia Chamarelli
Dados e Jornalismo
Published in
4 min readSep 16, 2016

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Em junho, um suposto tiroteio entre policiais militares e criminosos na região da UPP Borel, na Zona Norte do Rio, resultou na morte de Jhonata Dalber Mattos Alves (16 anos). O jovem levou um tiro na cabeça e chegou a ser encaminhado para o Hospital Federal do Andaraí, mas não resistiu.

Infelizmente, o caso de Jhonata reforça as estatísticas de jovens negros mortos por arma de fogo no país. Em 2014, a taxa de pessoas com idades entre 15 e 29 anos foi de 92,5 por 100 mil, número que supera o índice de mortos comparado aos conflitos armados em outros países, como a guerra da Golfo, no Iraque (94–96).

Dados do Mapa de Violência de 2016 do Brasil, desenvolvido pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfsz, mostram que apenas três estados — Tocantins, Acre e Paraná — matam mais brancos que negros.

O infográfico ao lado mostra a contrastante estatística entre as mortes de negros e brancos. O índice de homicídios é o que mais assusta.

No estudo, entre 2003 e 2014, a taxa de homicídios de brancos caíram 27,1%, enquanto a taxa de a negros aumentou 9,9%. Assim, a vitimização negra do país, foi de 71,7%, em 2003 para em 158,9%, em 2014.

A privatização da segurança

Assim como nas áreas de saúde e educação, a segurança é vendida àqueles que possuem melhores condições financeiras. Estes, segundo pesquisa domiciliar realizada pelo IBGE, em 2011, são representados pelas famílias brancas que provem de uma renda média de 75,2% maior que das negras.

A partir disso, desfrutam de uma dupla segurança: a pública e a privada; enquanto as menos abastadas, predominantemente negras, usufruem com o mínimo que o Estado oferece.

Uma herança colonial

Não reconhecer a origem histórica da violência no país e da construção de identidades marginalizadas é combustível para continuar tratando-as como coadjuvantes. Assumir nosso passado colonial de dominância europeia alimenta o estereótipo elitista, que por consequência, naturaliza o negro como ameaça apesar de ser a vítima. Os homicídios atingem 2,6 vezes mais negros que brancos no país.

Ronilso Pacheco, teólogo, articulador social pelo Viva Rio e ativista, autor do livro recém lançado “Ocupar, Resistir, Subverter: igreja e teologia em tempos de violência, racismo e opressão”.

“O racismo continua sendo uma marca importante e determinante da estrutura da sociedade brasileira e das nossas relações sociais. A ideia de, porque nós não falamos ou tratamos do racismo, o racismo é menor ou, quiçá, não existe de forma estrutural no Brasil, é um dos instrumentos do próprio racismo, que legitima a subalternização de negros e negras na sociedade ainda hoje. O negro não é só “coadjuvante”, ele é permanente lugar de segunda categoria.

Isso é absolutamente naturalizado, e quando a pauta da negritude aparece, ou do racismo, ela é tratada como uma pauta desnecessária, exagerada, deslocada. O Brasil quer acreditar que não é racista, que não funciona sob uma ótica e lógica racistas, mas isso é impossível de ser ocultado, escondido, porque é nítido no dia a dia, no mundo real, é impossível, com um mínimo de esforço, perceber o lugar do negro na sociedade, e as estatísticas, que dizem onde os negros mais estão. Estão morrendo mais, sendo mais encarcerados, ganhando menos, tendo menos acesso a universidade, sendo quase ausentes do corpo docente das universidades, etc.” , afirma Ronilso Pacheco, teólogo, articulador social pelo Viva Rio e ativista, autor do livro recém lançado Ocupar, Resistir, Subverter: igreja e teologia em tempos de violência, racismo e opressão.

No documentário Lutas.doc, o historiador Leandro Karnal mostra que o povo brasileiro é instruído a não reconhecer a sua história. Essa ideia é formada desde a escola, quando estudamos os principais conflitos territoriais. Geralmente, os tratamos como revoltas regenciais, o que diminui no imaginário social o peso destes acontecimentos.

“O Estado acredita piamente, por exemplo, na ‘guerra às drogas’, e a declara em alto e bom som permanentemente. Mas a política de guerra às drogas até agora só tem produzido mortes e mais mortes, em que quase todos os corpos envolvidos nessa morte são jovens, pretos e pobres. A imagem de povo alegre e amigável na verdade faz parte de uma característica muito peculiar da sociedade Brasileira que é essa capacidade de dissimulação, como a gente é capaz de mascarar nossas mazelas e conflitos a partir desse nosso jeito de ser. Posando como um povo alegre e amigável, nós mascaramos o racismo, por exemplo, mesmo sendo o racismo um legado ainda presente e permanente de nossa herança colonial e escravocrata. Essa guerra cotidiana é declarada, mesmo que de outra forma. Não é a narrativa da guerra tradicional, da guerra civil, é a narrativa de uma guerra que aponta para outras direções, mas que segue matando a parte mais pobre e destituída de direitos da população.” afirma Ronilso Pacheco.

coclusao

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