(Imagem: Getty Images/ Fonte: uol.com.br)

A era do veganismo: o mercado brasileiro está preparado?

Mudança nos hábitos alimentares faz crescer a demanda por opções sem produtos de origem animal

Nathalia Villaça
Dados e Jornalismo
Published in
8 min readDec 2, 2019

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Por Nathalia Villaça

A onda do veganismo está longe de ser passageira. O estilo de vida baseado na redução ou corte total de produtos de origem animal cresce aceleradamente, ganhando cada vez mais adeptos: somente no Brasil o número de vegetarianos aumentou 75% em relação a 2012. São muitas correntes (flexitarianos, vegetarianos, veganos…), mas todas com o mesmo objetivo: promover saúde, sustentabilidade e ética animal. Esses são os protagonistas de uma nova era .

Uma pesquisa de 2018 divulgada pela revista Forbes afirma que 70% da população mundial está reduzindo ou abandonando o consumo de carne. Somente nos Estados Unidos, o número de pessoas que se declaram veganas aumentou 600% em 3 anos. São os jovens que mais surfam nessa onda, conduzida principalmente pelos “millennials”, geração nascida no auge de grandes avanços tecnológicos, prosperidade econômica e facilidade material.

No Brasil, não poderia ser diferente. Por aqui, o movimento vegano vem crescendo a passos largos: cerca de 14% da população brasileira já é adepta, em maior ou menor escala, a uma dieta que exclui carne do cardápio, colocando o Brasil entre os 10 países com o maior número de vegetarianos do mundo.

Mesmo diante de dados tão expressivos, a Associação Brasileira de Supermercados afirma que a oferta de produtos e serviços voltados para esse nicho no país ainda é deficitária. Movimentando tímidos R$ 15,3 milhões ao ano, parece que o mercado vegetariano e vegano brasileiro não está conseguindo atender a demanda.

Para entender melhor como funciona cada tipo de dieta vegetariana, o site Orvalho Verde, responsável por trazer dicas e informações sobre o vegetarianismo, criou esse esquema apontando as principais diferenças entre as várias correntes

Não é mole ser vegano no Brasil

Isabela Soares é vegana há quase um ano (Imagem: Arielle Frioza)

Isabela Soares, de 21 anos, é carioca, professora de inglês e seguia a dieta vegetariana desde agosto de 2018. Em janeiro deste ano, decidiu ir além e começou a surfar na onda do veganismo. Tudo começou porque ela se sentia hipócrita por comer carne ao mesmo tempo em que defendia ferrenhamente os animais domésticos contra abusos e sofrimento, então, por questões éticas, tornou-se vegetariana estrita. Isso significa que sua alimentação é vegana, visto que não contém carne, ovo, leite e nenhum outro derivado animal, mas outros produtos que também exploram animais, como peças de roupa e cosméticos, ainda não foram excluídos em sua totalidade.

Embora Isabela esteja satisfeita com sua opção por uma dieta altamente restritiva, nem sempre é fácil segui-la. “Minha rotina segue similar ao que era antes de me tornar vegana, preparo minha própria comida e a levo para onde tenho que ir. Eu já tinha em mente, porém, que seria complicado sair com um grupo de amigos em que nenhum deles está disposto a abrir mão de derivados animais. Apesar de cada vez mais propagado e popular, ainda há certa dificuldade em encontrar pratos veganos em certos restaurantes e lanchonetes”.

O vegetarianismo é caro?

Até 2017, existiam apenas 240 restaurantes vegetarianos e veganos em todo o Brasil. Em estabelecimentos não-vegetarianos, geralmente há pouca ou nenhuma variedade de opções veganas. A oferta menor que a demanda acaba encarecendo os produtos disponíveis, fazendo que com muitas pessoas desistam de seguir com a dieta. É o caso de Karina Gutman, de 21 anos. A estudante foi vegetariana por três anos, mas sentiu a necessidade de abandonar a dieta mais restrita quando saiu de sua cidade, Teresópolis, para morar sozinha no Rio de Janeiro. O vegetarianismo para ela, além de caro, não era prático. “Com o tempo que tenho e minha situação financeira, sei que seria inviável manter uma dieta vegetariana até hoje”.

Karina acredita que o movimento vegano é etilista:

“Você entra em um restaurante vegano e não vê pessoas com uma condição financeira ruim. A pessoa mais humilde não consegue comprar só itens vegetarianos. Fui a vegetariana mais pobre que conheci e não deu certo”

Assim como Karina, uma pesquisa realizada pelo Ibope indica que 60% dos brasileiros optariam por produtos veganos se tivessem o mesmo preço daqueles que já estão acostumados a consumir.

Já para Isabela, ainda que a falta de variedade seja um fator negativo, o senso comum peca ao afirmar que todos os produtos veganos são muito mais caros do que os demais. “Produtos gourmet feitos especialmente para esse público costumam ser caros, mas muitos se esquecem que, na maioria dos casos, os veganos se alimentam majoritariamente de vegetais e que estes não são caros — pelo contrário, costumam ser até mais baratos que a carne”.

Menos carne, mais lucro

30 milhões de brasileiros se consideram vegetarianos, o que quer dizer que o mercado de consumidores que desejam evitar produtos de origem animal atingiu uma proporção que não pode mais ser ignorada. Por esse motivo, gigantes do consumo, como McDonald’s, Burger King e Nestlé, estão investindo pesado em projetos veggie. A percepção de empresários do setor, de acordo com uma reportagem da Folha de São Paulo, é de que o mercado vegano brasileiro crescerá 40% ao ano.

Burger King lança o Rebel Whopper, seu hambúrguer vegetal no Brasil

É esperado que essa tendência ganhe mais força no Brasil nos próximos anos, sendo um segmento interessante inclusive para empresas que atuam no mercado animal. Até a maior companhia de carne bovina do mundo, a brasileira JBS, já está nadando a favor da maré. A Seara, uma de suas divisões, já fornece lasanha vegetariana, pizza com massa integral e até um hambúrguer feito com shimeji, shitake e cogumelo paris.

A nutricionista Karine Lahanna, especialista em nutrição integrativa, ressalta que essa revolução não é encabeçada somente pelos veganos: “Este mercado está em ascensão e não visa apenas veganos/vegetarianos, mas pessoas que buscam reduzir o consumo de proteína animal”. Isso inclui, por exemplo, aqueles com um grau de intolerância à lactose, que já atinge 70% dos adultos brasileiros. Embora a maior parte dos pacientes de Karine busquem a dieta vegana por conta da proteção aos animais, não existe um perfil exato entre os adeptos. Além das causas animal e ambiental, muitas pessoas optam por reduzir a carne por questões de saúde.

Afinal, vale a pena ser vegano?

Para quem estiver disposto, a resposta é sim. Karine explica que manter uma dieta vegana é benéfica para o organismo: “Uma alimentação a base de plantas e grãos é rica em antioxidante, auxilia na redução da glicose e perda de peso, reduzindo o risco de doenças cardiovasculares, ansiedade, depressão e fadiga”. O importante, ela afirma, é ter cuidado com a elaboração do cardápio diário, priorizando alimentos como verduras, legumes e grãos. “Cuidado na hora das escolhas, pois muitas vezes elas vêm mascaradas como junk food vegans (alimentos empanados, fritos ou ricos em carboidratos)”.

Recentemente, a Veja divulgou um estudo afirmando que excluir a ingestão de carne pode aumentar o risco de sofrer acidente vascular cerebral (AVC). O efeito estaria relacionado à deficiência nutricional causada pela ausência de produtos de origem animal necessários para o funcionamento do organismo. “Pode ocorrer deficiência de vitamina B12, nutriente que está presente de forma significativa em alimentos de origem animal”, ratifica a nutricionista. Para evitar esse tipo de problema, é fundamental que a transição para dietas altamente restritivas seja acompanhada de perto por um especialista.

Isabela e sua cachorrinha, Amora: “ Minha opção por seguir a dieta vegana sempre esteve puramente relacionada a uma questão ética”. (Imagem: Arquivo Pessoal)

Para a Isabela, personagem dessa história, os benefícios do veganismo vão muito além da saúde. Parar de comer carne abriu seus olhos para coisas que muitas vezes passam despercebidas, entre elas o sofrimento animal. “Optar por seguir uma vida livre de crueldade animal me tornou uma pessoa mais sensível para com o mundo em que vivo e os seres que nele habitam. Minha empatia foi além do meu próximo e passou a abranger aqueles que não possuem voz ou força para se defender. Assim, para mim, a filosofia vegana é capaz de transformar todo o ser de quem decide segui-la”.

Por um veganismo mais sustentável e acessível

Em 2018, o Greenpeace, uma das maiores organizações de proteção ambiental do mundo, publicou um relatório recomendando que a população reduza o consumo de produtos de origem animal pela metade até 2050. A previsão é de que, caso esta redução não ocorra, a agropecuária será responsável por 52% da emissão de gases nocivos ao meio ambiente nas próximas décadas.

Apesar do foco na questão ambiental, o relatório aborda ainda os males do consumo excessivo de carne vermelha para a saúde, relacionando-o a doenças como câncer, obesidade, diabetes e problemas cardíacos. De acordo com o Greenpeace, o índice dessas enfermidades seria muito menor se as pessoas tivessem acesso a uma dieta balanceada, rica em alimentos de origem vegetal.

É justamente pensando em acessibilidade que os assentamentos do MST investem na agroecologia, uma vertente mais sustentável da agronomia. Em 2010, famílias assentadas no Paraná criaram a Cooperativa Terra Livre, que atua exclusivamente com alimentos sem agrotóxicos. Toda semana a cooperativa entrega verduras, frutas e legumes agroecológicos em escolas municipais da região, ao passo que, somente em 2018, foram comercializadas 270 toneladas de alimentos orgânicos e agroecológicos.

MST: Cooperativas apostam na agroecologia para lutar por uma sociedade mais justa e igualitária (Imagem: Leandro Molina)

O movimento vegano por si só ainda não é suficiente para a redução da exploração animal no país, como aponta a ativista Sandra Guimarães. Acreditar que a luta se resume apenas ao consumo de produtos veganos fabricados por multinacionais não-veganas vai salvar o mundo, segundo ela, é uma lógica elitista e ineficaz. “A Nestlé ter leite vegetal não aumentou a acessibilidade do veganismo para todas as pessoas”. E para que isso aconteça, como pensa Sandra — e o MST — é necessário que haja uma reforma agrária popular.

“Deveria ser prioridade número um do movimento vegano estar no campo lutando. A gente só vai ter veganismo popular quando todos tiverem acesso a plantas”.

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