Agora é a vez delas

Julia Simas Ferreira de Faria
Dados e Jornalismo
4 min readOct 3, 2018

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Por Julia Simas

Desde a recente publicação do Ranking da Ancine — Agência Nacional do Cinema, se percebe que as mulheres ainda são muito desvalorizadas no audiovisual. Os dados coletados renderam críticas ao meio principalmente pelo movimento feminista, que preza pela igualdade de gêneros e, cada vez mais, vem adquirindo um novo peso a sociedade atual.

O movimento em si vem conquistando um espaço significativo não só no audiovisual, mas também nas redes sociais, nas ruas e até mesmo na política. No cinema, a materialização da ascensão recente do movimento se dá através de mulheres decididas a reivindicar seus direitos e a denunciar casos de machismo. No entanto, apesar de todo esse posicionamento, dados da Ancine comprovam que o audiovisual continua sendo dominado pelos homens.

Os números divulgados comprovam a pequena participação feminina em áreas de criação e liderança como roteiro e direção no audiovisual. É fato que existe desigualdade de gênero no mercado brasileiro, contudo, ainda assim, os dados surpreendem. Em 2016, por exemplo, 78% dos filmes lançados foram dirigidos por homens, contra apenas 20% por mulheres.

Para a assistente de direção Bianca Frossard, responsável por fazer a ponte entre direção e produção, de modo geral se tornar diretor é difícil. “Não é um mercado de mérito, é muito mais pautado em quem você conhece e nas oportunidades que tem na vida. Mas realmente para as mulheres, é mais difícil ainda entrar nesse meio, principalmente porque as equipes do cinema são em si machistas. E eu, como mulher, assistente de direção, me sinto menos respeitada do que um homem assistente de direção.”.

Além disso, os dados da pesquisa evidenciam que as histórias produzidas por brasileiros têm sido contadas do ponto de vista masculino. Afinal, 75% deles dirigem, 67% assinam os roteiros, 46% estão responsáveis pela produção executiva, 88% são diretores de fotografia. Apenas na direção de arte (sendo consideradas apenas as obras de ficção), as mulheres estão a frente com 58% de participação.

Sabe-se que assim como o cinema reflete a sociedade, também ajuda a formá-la e, as mulheres devido a todo movimento feminista perceberam que precisam de representatividade para se inspirarem a mudar a realidade que enfrentam. Ou seja, é fundamental ter mulheres no audiovisual porque a maior parte do público composto por elas não se identifica com as personagens estereotipadas do cinema.

Um dado que comprova isso é um estudo divulgado pela plataforma americana de cultura popular, Polygraph que analisou dois mil filmes e arrecadou informações sobre gênero. A pesquisa afirma que as mulheres têm a maior parte das falas em 22% das produções. E, somando-se a isso, a chance de um filme ter pelo menos duas personagens femininas entre os três destaques é de 18%, enquanto para homens, a chance é de 82%.

Contudo, vê-se que ocupar cargos criativos ou de liderança no audiovisual, não garante uma mudança nas narrativas ou nas formas de representação, por isso, o ideal segundo a assistente de direção, Bianca, é que homens e mulheres aprendam a não reproduzir mecanismos machistas para que esses valores não sejam reproduzidos como se fossem naturais. Ainda assim, ela complementa que a prova de que o cenário está mudando aos poucos são as séries produzidas por mulheres e para mulheres, como Big Little Lies e The Handmaid’s Tale. “As mulheres estão sim virando protagonistas no cinema e ganhando mais força escrevendo roteiros, dirigindo e isso se reflete nas telas. Por isso acredito que estamos no caminho certo.”.

Denúncias em Hollywood e o surgimento de campanhas feministas

Outro movimento essencial para comprovar a importância do feminismo no audiovisual começou com as denúncias de atrizes em Hollywood contra o produtor Harvey Weinstein, um dos magnatas da indústria cinematográfica. Todas as denúncias resultaram em campanhas como #MeToo e o Time’s Up, todas em prol de combater casos de violência sexual e discriminação de gênero no ambiente de trabalho.

Esses movimentos são essenciais por conta da representatividade que propõe, que é como Bianca se sente: “Acho maravilhoso que as mulheres estejam expondo esses escândalos. Finalmente esse movimento abriu portas para as mulheres falarem coisas que não era bem recebidas. Antes, se você fala de um cara importante e influente, você perdia oportunidades. E hoje isso está mudando, as mulheres são mais incentivadas a falarem sobre isso.”.

Por mais que as estatísticas não mostrem significativa presença de mulheres na frente ou por trás das câmeras, o engajamento feminino se mostra cada vez mais essencial, mesmo que demore alguns anos para sabermos o efeito prático de todos esses esforços feministas. Portanto, as mulheres devem comemorar que estão garantindo seu espaço, mas sem se esquecer de que ainda há muito a ser feito.

A desvalorização das diretoras mulheres no prêmio mais importante para o universo cinematográfico

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Julia Simas Ferreira de Faria
Dados e Jornalismo

23 anos, recém-formada em Jornalismo com experiência profissional em produção audiovisual, eventos, newsletter, customer success e atendimento.