Ciclos de um Relacionamento — A eterna sequência de conhecer, brigar e amar

Rodrigo Glejzer
Dados e Jornalismo
Published in
12 min readApr 26, 2022

por Rodrigo Glejzer e Dani Zecchin

Namorar pode ser uma tarefa difícil. Pode haver a expectativa de dedicação completamente a outra pessoa, por vezes abandonar vontades e sonhos, e manter a esperança de ser igualmente retribuído. Muitas vezes não vai dar certo e é preciso recomeçar tudo de novo. Só que dessa vez ou mais maduro ou magoado.

Para o brasileiro esse ciclo pode ter dois lados. Isso porque o Statista, uma empresa alemã especializada em dados de mercado e consumidores, realizou, em 2021, o Relatório de Aplicativos de Namoro. Nele ficou estabelecido que são os brasileiros o segundo povo mais presente nos apps de relacionamento em busca de um romance (22%). Ficam atrás apenas dos suecos (25%) e acima de indianos (20%) e britânicos (20%).

A questão é que na mesma medida em que deseja começar um ciclo novo, o brasileiro não parece interessado em manter-se totalmente comprometido com ele. Isto porque a Ruby Life, empresa responsável pelo site de relacionamentos Ashley Madison (voltado para pessoas casadas ou comprometidas), apontou em pesquisa, no ano passado, que o Brasil foi o segundo mercado a fornecer mais usuários mensais para a plataforma (63.295), só perdendo para os Estados Unidos (228.537).

Na tentativa de compreender melhor esta dinâmica é preciso observar como o relacionamento funciona. Para isso, utilizaremos a perspectiva de Linda Carroll, terapeuta de família e autora do livro “Ciclos de amor: os cinco estágios essenciais do amor duradouro”, para explicar a forma básica de como os casais se formam e desenvolvem.

Ashley Madison, famoso site de relacionamento para pessoas comprometidas — Foto: Reprodução/Tecnoblog

A história de Ana e as cinco fases do relacionamento

Primeiro é preciso entender que o relacionamento não se resume a uma constante evolução até um final feliz e perpétuo. Na verdade, por mais que a pessoa atravesse diversos obstáculos junto ao seu par, muitos outros irão aparecer, por vezes através de feridas antigas, em um eterno ciclo de aprendizagem. Dito isto, é hora de apresentar o primeiro estágio do relacionamento: a Fase de Lua de Mel

1) Lua de Mel

É quando tudo em um relacionamento dá certo. As pessoas se amam a ponto de ignorarem completamente qualquer defeito, por mais visível que seja, e fazem todo o possível para agradar e impressionar seu parceiro (a). Segundo Carroll, existe uma série de mudanças bioquímicas em nosso cérebro, ocasionadas por um coquetel de hormônios (dopamina, ocitocina e endorfinas), que desencadeiam e mantêm esse forte estado de paixão. Em êxtase, acabamos vendo até os defeitos como algo positivo. O site Brides, especialista em casamentos, coloca que esta fase dura, em média, entre seis meses a dois anos até as pessoas começarem a ter um choque de realidade.

Foi o que aconteceu com a Ana, uma jovem estudante que pediu para usar um pseudônimo e manter completo anonimato, quando começou seu primeiro relacionamento:

“O meu relacionamento parecia muito normal, muito bom. Ele me tratava da melhor maneira que alguém poderia imaginar. Era cuidadoso, carinhoso, preocupado e inteirado. Namoramos por três anos e tivemos um ótimo relacionamento nos dois primeiros. Ele era só um pouco ciumento, mas nada extremo”

2) Dúvida ou Negação

Aqui é quando a mágica começa a quebrar e os defeitos da pessoa amada ficam aparentes. O casal passa a questionar qualidades que antes pareciam tão perfeitas e perceber todos os pequenos e grandes defeitos na personalidade do parceiro. Carroll é bem enfática quando propõe pensar que “à medida que nossa decepção aumenta, também aumentam nossas respostas biológicas ao estresse”.

Dependendo da personalidade da pessoa e circunstâncias em que é submetida, pode começar a sentir necessidade de lutar por seus pontos de vistas, ideias e aspirações. A sensação de que “talvez não sejam o casal perfeito” rompe o conto de fadas até então vivido.

No caso de Ana, ela percebeu que a situação começou a desandar a medida que o comportamento do seu namorado mudava e passava a mostrar um lado mais manipulador:

“Mais com o tempo começou a ficar extremo o ciúme. A gente estudava na mesma escola, só que ele de manhã e eu à tarde, e ele sempre ficava até de tarde pra gente se ver. Só que ele começou a reclamar do jeito que eu usava o uniforme. Falava que chamava muita atenção porque a saia do uniforme acabava ficando curta. Pra ele não reclamar mais comecei a usar casaco amarrado na cintura. As minhas amigas começaram a falar que isso era errado e tal que, que ele estava querendo controlar minha vida e até as roupas que usava.”

Depois de um tempo, é inevitável que o relacionamento comece a criar algumas rusgas — Crédito: Reprodução/Capricho

3) Desilusão

É a fase dos questionamentos e das brigas. “Você já não é o mesmo de antes”, “Já não me trata tão bem quanto no início do namoro” ou “Não mostra o mesmo interesse de antes” são frases comuns neste momento. O que era antes posto para debaixo do tapete, por causa da paixão no começo do relacionamento, agora começa a ser exposto com ambas as partes defendendo a sua posição com unhas e dentes. Segundo Carroll, isso acontece porque, no estágio de Desilusão, o cérebro está se concentrando em todas as deficiências do casal. As coisas que estão dando certo são ignoradas e as que dão errado chamam toda a atenção.

É nesse momento que questões como a traição começam a surgir já que o atual relacionamento está em crise e dúvidas se fale ou não apena continuar surgem. Em entrevista ao editorial Donna, do grupo Zero Hora, a psicóloga Patricia Scheeren pontua: “A infidelidade diz que a relação, muitas vezes, não está bem. As pessoas estão mostrando que estão insatisfeitas, e, na maior parte dos casos, buscam envolvimento fora por não estarem sexualmente ou emocionalmente se sentindo bem na relação.”

Na mesma publicação, a psicanalista Gabriela Seben faz uma importante observação sobre o motivo de as pessoas preferirem “pular o muro” do que dar um fim a relação:

“Separar-se é bem mais difícil, pois envolve uma série de fatores, como ajustes da vida financeira, a criação dos filhos e o luto que se vive ao término de um relacionamento, que pode ser bastante doloroso e traumático para alguns.”

Desentendimentos passam a ficar frequentes e dúvidas passam a ser corriqueiras nos relacionamentos — Crédito: Reprodução/MFHung

Contudo, por mais que as situações ruins estejam claras, a mente humana ainda consegue criar formas de se proteger dessas emoções negativas. Em seus estudos, Sigmund Freud estabeleceu os conceitos do que viria a ser conhecido como mecanismos de defesa, um subterfúgio criado na mente das pessoas com o objetivo de minar determinadas emoções que causem sofrimento ou decepção. Em termos práticos, Jo Hemmings explica como funciona o cérebro em casos de perdas ou separações:

“Essencialmente, é um estado de perda emocional devastadora. Embora seja diferente para cada um de nós, os sentimentos intensos de tristeza, luto e a sensação avassaladora de nunca ser capaz de superar a dor são comuns. Em termos cerebrais, as áreas responsáveis ​​por sentir dor física ‘acendem’, da mesma forma como se você estivesse realmente sentindo dor.”

Desta forma, não é anormal que as pessoas tomem a mesma decisão que Ana e prefiram viver em negação mesmo que tudo e todos digam o contrário. É uma maneira da própria mente preservar-se contra possíveis traumas.

“A gente saía bastante com os amigos dele e acabei virando amiga deles também. Então um amigo nosso falou que ele estava ficando com uma menina na escola, que era da sala dele. Meio que não acreditei, mas depois surgiram várias pessoas falando que ele estava me traindo com outras meninas. Não acreditei, parei de falar com muitos amigos por conta disso e continuei com ele. Só que ele continuou piorando as coisas. Ficou cada vez mais abusivo e no final do ano me dei conta do que realmente estava acontecendo, que as pessoas falaram a verdade, e decidi terminar o namoro”

Segundo Freud, a nossa própria mente cria mecanismos de defesas contra as desilusões — Foto: Reprodução/IstoÉ

4) Decisão

É aqui que a escolha final é tomada. Depois de pegar o seu pêndulo, colocar em cada ponta tudo o que foi negativo e positivo no relacionamento, pesar e ver o que se sobressaiu, a pessoa faz a sua tomada de decisão. Dar mais uma chance ou simplesmente ir embora? Segundo Carroll, um sentimento de indiferença e afastamento permanece no ar até alguém realizar o último passo.

No entanto, a autora de “Ciclo do Amor” deixa uma dica valiosa:

“Antes de tomar qualquer decisão, recomendo ao casal colocar um ultimo esforço no relacionamento. Muitas vezes, a dupla sente que quere sair do relacionamento, mas quando aprende a habilidade para se comunicar de forma eficaz, anos de ressentimento ou distanciamento podem desaparecer. Mas caso os casais decidam se separar que seja de uma maneira construtiva, desejando o bem um ao outro e entendendo sua própria parte no que aconteceu.”

5) Amor Sincero

Aos casais que sobreviveram a todas as outras fases, este é o estado da perfeição. Ambas as partes se entenderam, as diferenças foram postas de lado e o amor vivido é o mais sincero possível. Agora os casais aprenderam ouvir bem e se apoiarem quando entram em conversas desconfortáveis. Não há mais a sensação de estarem ameaçando ou agredindo um ao outro.

Agora podem rir, relaxar e aproveitar cada momento juntos. Passam a desfrutar e experimentar novas sensações, experiências e paixões. Aos poucos vão redescobrindo maneiras de se apaixonar novamente. Todavia, vale o aviso:

O amor é cíclico então todos os problemas passados vão acabar aparecendo uma hora ou outra. Basta que as partes continuem em um caminho de coesão e continuem os esforços para se entenderem independente da situação

Conhecer, brigar, duvida, pensar em ir embora e amar incondicionalmente ou procurar outra paixão. O ciclo sem fim do amor — Crédito: WigleGif

Viciados na paixão

Que o amor além de ser cíclico, também tem algo de viciante. Como vimos anteriormente, cada nova paixão libera uma série hormônios e neurotransmissores responsáveis por torna a pessoa mais excitável, atenta e energizada.

Todavia não é um efeito a longo prazo. Os efeitos tendem a baixar a níveis menos desgastantes, pois conforme a ocitocina vai sendo liberada no cérebro o corpo vai transformando toda essa excitação em algo mais ameno e fácil de administrar, transformando a paixão em afeto.

A grande questão é ao mesmo tempo vai se instaurando uma inconformidade. Os casais sentem que vão perdendo aquela magia e quando não conseguem se acertar, passam a procurar por novos parceiros. Alguns, como visto, preferem apenas arranjar relacionamentos por fora (ao invés de passar por todo o ciclo de luto do término), enquanto outros encaram todas as fases do relacionamento, desde a lua de mel até o amor sincero ou fim do namoro.

As pessoas acabam entrando nesse eterno ciclo do amor. Vão aprendendo com seus erros para ou se acertarem com seus parceiros ou procurarem por aquele novo frenesi em um aplicativo de celular qualquer. No fim, é a procura por se manter apaixonado ou continuar se apaixonando.

Os relacionamentos são ciclos eternos de amar, brigar, perder e apaixonar— Crédito: Gabriel Dantas (@bifedeunicornio)

Uma pesquisa rápida: amor traumático?

Para complementar o trabalho, tomamos a iniciativa de criar uma enquete para saber algumas das principais questões que envolvem um relacionamento. Ao todo 50 pessoas participaram da pesquisa. Para ajudar na interpretação dos dados, tivemos a participação do psicólogo Abner Pires.

O primeiro dado a interpretar, e o mais curioso o que obtivemos, foi sobre a tomada de decisão sobre o término. Enquanto tínhamos cerca de 25 respostas, o número de homens era superior ao de mulheres e a opção mais escolhida foi que a parceira (o) é quem normalmente tomava a iniciativa de por um ponto final.

Contudo, conforme fomos recebendo novos retornos, o número de participação feminina não só aumentou como superou a masculina. Fechado em 61% e 39%, conseguimos chegar a uma nova conclusão: a porcentagem da parte de iniciativa também virou. Agora a maioria das pessoas selecionou que partia dela a decisão do término.

Questionado do porque essa mudança de percepção, Pires optou por correlacionar, de maneira subjetiva, essa mudança com o nosso cotidiano cultural. Principalmente pelos novos espaços que as mulheres vem conquistando, dos novos direitos adquiridos e do aumento das oportunidades dentro da sociedade civil.

“ Se parar para pensar, antigamente, a mulher não tinha muita perspectiva. Ela era forçada a viver em um relacionamento infeliz para escapar dos olhares culturais da época. Era muito fácil pro homem colocar a mulher com quem se relacionava no lugar que ele quisesse. Hoje as mulheres não só vem ocupando seus espaços como também passaram a decidir se querem ou não manter a relação.

No entanto, ele também destacou a falta de maturidade que a sociedade ainda atribui ao homem, principalmente na questão de tomada de decisão:

Acredito que esse amadurecimento feminino contribui, enquanto nós homens fomos bastante mimados pela sociedade. Ainda somos muito “amamãezados” de uma forma geral. Estamos sempre esperando que alguém faça algo pra gente. Que alguém tome as decisões.

Infantilidade masculina pode ser uma das causas para os homens não tomarem a atitude de terminar — Foto: Reprodução

Ainda sobre essa questão da maturidade, Pires reforça que a procura por ajuda psicológica ainda é um “tabu” para o lado masculino da sociedade. Muitos ainda tem dificuldade de procurar auxílio por conta própria e costumam ir somente a pedido de suas parceiras.

A clínica ainda é um lugar bem preconceito para o homem. Apesar de mais da metade do meu público ser masculino, coloco que uns 70% foi a mulher que fez o primeiro contato ou viu necessidade. Alguns permanecem, outros nem tanto, mas, normalmente, quem sinaliza para fazer terapia é a mulher.”

Segundo a nossa pesquisa, um pouco mais das metade dos que responderam informaram sofrer ao menos com um tipo de transtorno mental relacionado ao término de um relacionamento. Cerca de 51% responderam sobre lidar com a ansiedade, enquanto outros 30% enfrentaram a depressão. Ainda tivemos 22% reportando adquirir comportamento agressivo (8%) e crises de pânico (14%).

Questões físicas também foram assinaladas. Fora insônia e falta de apetite, quem respondeu mostrou ter padecido com problemas digestivos (16%) e até queda de cabelo (12%).

Algumas dicas de como indentifcar uma crise de ansiedade — Crédito: Neurologia e Psiquiatria

Para explicar o porque do nosso corpo reagir dessa forma ao término, Pires propõe pensar a situação, novamente, de forma subjetiva e afirma que “cada corpo, cada organismo, vai responder de uma forma”. Sobre o indivíduo sofrer tanto física como mentalmente, ele correlaciona da seguinte maneira:

“Normalmente vão aparecer questões emocionais dentro desse sujeito e isso vai provocando questões físicas. Não temos como separar o físico do emocional. Nós somos um só, corpo e mente. Então é natural que quando nós passemos uma situação traumática, e a separação pode vir a ser um processo traumático, é muito possível a pessoa sentir dor, ficar gripado, ficar de cama, melancólico. É bem comum.”

E isso, ainda segundo Pires, vai variar dependendo do contexto e da estruturação cultural em que a pessoa está inserida:

“ Você vai ver ver gente que vai querer ficar com todo mundo quando terminar o relacionamento. Você vai ver gente que vai querer ficar isolada ou junta dos amigos e parentes. Depende da crença que ela tem sobre o que é relacionamento e a partir desde ponto é que vamos conseguir entender o seu comportamento pós término.”

No entanto, ele também é enfático ao afirmar que o processo do luto é inevitável e as pessoas vão ter que lidar com todo o sentimento de perda ao fim do relacionamento:

Porque muda o contexto do hábito. A pessoa está com a outra a um tempo, sai desse processo relacional e começa a se questionar sobre o que fazer com essa liberdade, com esse tempo que vai ficar ocioso. Tudo que nós perdemos, vivemos o luto. Seja emocionalmente, afetivamente ou materialmente.”

O luto é inevitável e os sentimentos variam de pessoa para pessoa — Crédito: CNN Tonight

Mas será que depois de passar por tantos problemas, a pessoa ainda se sente a vontade em entrar em um novo relacionamento? Pelo que apontou a nossa pesquisa, a resposta é sim. Mas com ressalvas.

49% dos que responderam afirmaram que não tem problemas em começar todo o ciclo novamente e que são capazes de deixar as questões do passado de lado. Entretanto, outros 28% disseram que depende exclusivamente do parceiro, contando que a pessoa dê o suporte emocional necessário, e 16% passam a achar que o novo amado (a) pode ir embora a qualquer minuto e por qualquer motivo.

Quando consultando seus pacientes, Pires afirma que é normal as pessoas relatarem certas inseguranças com novos relacionamentos, principalmente o medo que transtornos ocorridos em uniões passadas voltem a se repetir na atual.

“Elas procuram muito a terapia para isso. Contar um pouco da insegurança, da incredibilidade. E isso é muito comum quando está voltado a um relacionamento que a pessoa saiu. Quando é abusivo, ela não tem muita esperança de ter um um namoro normal no futuro. Muitas até se culpam e, de uma forma geral, colocam-se como responsáveis pelo que aconteceu. Tem muita crença negativa pelo que foi vivido. Então é preciso reestruturar a autoestima, a confiança e o direito de ser feliz e partilhar com outra pessoa. Mas isso leva um tempo, não é do dia para noite. É um processo.”

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