Cresce o número de denúncias de assédio no Brasil
Uma a cada três mulheres relata desproteção para denunciar assédio, aponta pesquisa do Instituto Ipsos.
Por Carina Petrenko e Luiza Ferreira
Pode começar com um simples olhar e evoluir para um contato físico não consentido. O debate sobre assédio vem crescendo e enfrentando uma herança social machista. O advento da internet e das mídias sociais contribui para a disseminação do tema, que tem acontecido de forma mais frequente e alcançado classes sociais que antes não possuíam conhecimento sobre. O movimento feminista é um dos grandes responsáveis pela popularização do termo assédio e por conta dele, muitas mulheres tem criado coragem para falar sobre a violência sofrida. No Brasil ocorre um caso de estupro a cada 11 minutos, segundo dados do IBGE. Nessa mesma linha, essa pesquisa também aponta que 4% dos alunos do 9° ano do ensino fundamental já sofreram estupro. A cultura machista ainda é muito forte no país, o que prejudica a denúncia das violências e prejudicam as estatísticas. Além disso, cerca de um terço da população culpabiliza a vítima pela violência sofrida, o que contribui para o silenciamento da mesma.
Violência no meio acadêmico
Segundo pesquisa do datafolha, 10% das brasileiras acima de 16 anos que afirmaram ter sofrido assédio sexual, disseram que a violência ocorreu no meio acadêmico. Jéssica Pinheiro (nome fictício) faz parte das estatísticas. A jovem afirma que sofreu assédio do professor, quando ainda estudava psicologia. “Meu professor dava em cima de mim, achava desconfortável, mas por ser aluna dele, não tinha coragem de reagir. Certa vez estava saindo da aula, ele estava de carro, parou do meu lado, me chamou e disse no meu ouvido para que na próxima aula dele eu venha com uma calcinha bem pequena e fale no ouvido dele qual a cor. Fiquei totalmente sem reação e não fiz isso, tentei evita-lo ao máximo.” A história de Jéssica é mais comum do que se imagina. Um levantamento feito pelo Action Aid entrevistou 503 estudantes, e 86% delas afirmam ter sido vítima de assédio.
Apesar do número alarmante de estupros e assédio sexual no Brasil, muitos casos não são registrados, pois muitas vítimas não denunciam o agressor por medo. Na prática, o cenário no Brasil é muito mais alarmante do que as pesquisas mostram. “Acabei não relatando por medo, na época não existia uma propagação tão grande do feminismo e sobre assedio de professor”, conta Jéssica. Por outro lado, o cenário atual encontra-se em mudança.
A professora Pesquisa e Opinião e Mercado da FACHA, Camila Augusta acredita que as redes sociais são o instrumento responsável por essa transformação. “Ela amplifica vozes, une minorias e torna-se mecanismo de denúncia. Assim, gera identificação e promove debate. Ao se falar mais sobre o assunto, ter acesso ao conhecimento, as pessoas denunciam mais.” Ainda segundo Camila, o meio acadêmico não possui as medidas necessárias para a prevenção do assédio: “Primeiro deve-se abordar o tema da sexualidade em sala para que todos tenham entendimento do que é assédio. Deve-se procurar a direção da escola, da universidade, que por sua vez recorrem à medidas administrativas.”
O assédio cotidiano sofrido por alunas é apenas uma parte de uma estatística ainda mais alarmante. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os casos de estupro registrados no Brasil aumentaram de 2016 para 2017. No ano passado, foram registrados 60.018 casos, tendo um crescimento de 8,4% em relação ao ano anterior, além de 606 casos de violência doméstica por dia no país. Nos anos antecedentes, os números oscilam em alta e baixa. Esses dados são resultado de uma política precária contra o assédio no país e de uma cultura de violência e subjugação feminina que chega a extremos com muita frequência.
Recentemente, foi sancionada uma nova lei federal que criminaliza os atos de importunação sexual, com pena de cinco anos de prisão. Apesar de já existir uma lei do estupro, ela deixa muito a desejar na falta de assistência às mulheres que sofreram a violência e na incredibilidade que é atribuída a ela. Ainda é preciso garantir sua aplicabilidade e enfrentar os riscos que hoje as vitimas correm para que a lei tenha efetividade.
Por outro lado, o movimento feminista vem tentando mudar esse cenário atual. Apesar de antigo, o movimento se tornou mais popular nos últimos anos, principalmente por meio das redes sociais. Contudo, junto com a velocidade de propagação que a internet proporciona, vêm a falta de informação. Um levantamento do Instituto Ipsos demonstrou que há uma disparidade entre a concepção do que é feminismo. 36% dos entrevistados se consideravam feministas quando foi perguntado. Porém, quando foi informado a definição de “feminista” como “alguém que apoia igualdade de oportunidade para mulheres”, o número aumentou a 56%.