“Domingo, eu não vou ao Maracanã”

Rubens Achilles
Dados e Jornalismo
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5 min readJun 26, 2019

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Esvaziamento de estádios no Brasil já traz dificuldades aos times

Por Rubens Achilles e João Godoy

Wallace Freitas tem 58 anos, trabalha com próteses dentárias e é fanático pelo Flamengo. No passado, não perdia um jogo do time do coração. Estava sempre no Maracanã, frequentava a extinta “Geral” e presenciou momentos importantes da história do futebol brasileiro, como partidas lendárias do craque Zico e o desabamento da grade do antigo “maior do mundo” em 1992.

A “Geral” era uma das marcas do Maracanã

Hoje, sua torcida não pode ser mais a mesma. Com o encarecimento dos ingressos e a exclusividade de partidas nos serviços de pay per view, Wallace acaba perdendo boa parte dos jogos do Flamengo. Praticamente só os que passam na TV aberta são acompanhados por ele. Na época em que Wallace frequentava o Maracanã, tudo era mais barato. Hoje, os ingressos chegam a valores antes inimagináveis, o que costuma ser justificado pela modernização das arenas nos recentes anos de grandes eventos esportivos internacionais.

Foto do Maracanã lotado, tirada na partida Argentina x Bósnia, pela Copa de 2014 — Getty Images

Estádios mais modernos

O repórter esportivo Álvaro Loureiro, da Fox Sports, respondeu se considera válida ou não a justificativa de a modernização dos estádios é motivo para ingressos mais caros.

“Na minha visão, não se justifica. Passamos por um período de realizações de grandes eventos, como Panamericano de 2007, a Copa do Mundo em 2014 e finalizando com as Olimpíadas em 2016. Com isso, surgiram novas arenas, muitos estádios foram reformados e através disso os ingressos acabaram ficando muito caros. Houve uma elitização do futebol brasileiro. Mas para mim, isso não é bem justificado, pois em muitos casos os estádios estão vazios, as médias de público no futebol brasileiro são ruins. Então, houve a elitização do esporte, o encarecimento dos ingressos, mas não é bem justificado, pois na sua maioria as arenas não estão lotadas, pelo contrário, estão vazias.”

Segundo a Revista Placar, a última vez que um clube atingiu média de público superior a 50 mil em uma edição do Brasileirão foi em 1983, justamente com o Flamengo. O ano de 2018 até chegou perto dessa marca, mas foi exceção. As maiores médias por clube nos últimos anos variam, geralmente, entre 20 e 30 mil, uma redução significativa em comparação a uma época como as décadas de 1970 e 1980, quando os números chegavam a bater 60 mil em algumas ocasiões.

As tais modernizações dos estádios, como pontuou Álvaro, estão ligadas ao encarecimento dos ingressos de alguma forma. O Maracanã, antes das reformas do Pan de 2007, teve diversas partidas com mais de 150 mil torcedores presentes. Álvaro também respondeu se essas modernizações tˆm uma ligação com a quase extinção dessas partidas com casa cheia.

“São dois aspectos. O primeiro diz respeito aos administradores dos estádios ou aos próprios clubes, enfim, quem determina os valores dos ingressos. Há uma contradição, parece que preferem ter um estádio com menos gente, mas com um valor do ingresso mais alto, a ter um estádio com mais gente, mas com um ingresso mais baixo. E o outro aspecto que diz respeito a qualidade do futebol que é oferecido, a qualidade do produto que é oferecido ao público, que muitas das vezes não é atrativo. Então, temos na maioria do primeiro semestre, campeonatos estaduais esvaziados pelos clubes, pela pouca importância que dão a essas competições. Muitos clubes acabam poupando vários jogadores, pois tem outras competições mais importantes sendo disputadas ao mesmo tempo. Tudo isso tira o interesse do torcedor com relação ao futebol que é apresentado. Com um ingresso alto e um produto pouco valorizado, o torcedor prefere não ir ao estádio.”

A perda de qualidade no futebol observada por Álvaro é um ponto levantado por diversos especialistas e mesmo torcedores. Há quem diga que o Brasil não fabrica mais tantos craques, e que os poucos são logo vendidos para clubes do exterior. Além disso, a agenda das equipes é muitas vezes sobrecarregada com campeonatos menos prestigiados, como os Estaduais. Nem sempre foi assim.

“Acredito que a culpa é do nosso calendário, um calendário muito inchado. O estadual acaba sendo espremido no começo da temporada e tem concorrência com outras competições, consideradas mais importantes pelos clubes. Com isso, os clubes optam por poupar jogadores, esvazia os jogos e tira o prestígio do campeonato estadual. Então, o campeonato estadual que tinha muita importância no passado, hoje, vai perdendo muito seu destaque.”

É possível achar que aumentar o preço dos ingressos significa obter um alto lucro. Mas não é bem assim. Com entradas a valores salgados, o clube acaba tendo um público muito baixo e pode ficar no prejuízo, devido aos custos com o estádio. Com os canais de TV passando todos os jogos, fica difícil atingir marcas altas de público. Se o acordo com o estádio é ruim, a possibilidade de lucro passa a ser mais baixa.

“Nem sempre um grande público significa de uma grande renda. Depende muito da negociação que existe entre o clube e o estádio. No ano passado, o Flamengo teve casa cheia em todos os seus jogos, mas o lucro era pequeno. Especialmente, se comparamos com o Palmeiras, que também jogava com casa cheia e tinha um lucro muito maior. Se a gente comparar os números, o Flamengo sempre teve mais torcedor no estádio que o Palmeiras, mas como o Alviverde é proprietário do estádio, ele lucrou muito mais.”

Levantamento feito pelo Globoesporte.com mostra média semanal de público nas séries A, B e C

Segundo levantamento do Globoesporte.com, em 2019, o Flamengo tem a maior média de público: em torno de 45 mil torcedores empurram o rubro-negro no Maracanã, levando, até a data presente, R$ 26 milhões aos cofres do clube. Porém, quem fatura mais é o Corinthians, que tem média de 33 mil torcedores e recebeu cerca de 29 milhões.

O futebol perde com estádios vazios. Equipes como o Palmeiras ainda conseguem atingir uma renda aceitável, mas grande parte dos clubes do Brasil vivem em situação apertada, lutando contra o bolso para realizar as partidas e pagar os salários. É essa a situação do país que ainda é chamado por muitos de “o país do futebol”.

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