Era digital: o vício que nos consome

Andressa Ruivo
Dados e Jornalismo

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Por: Andressa Ruivo e Mariana Braga

Os jovens e crianças dos dias atuais já não se divertem da mesma forma que seus pais e avós no portão de casa. Por isso eles passam uma boa parte do tempo presos no quarto mexendo só os dedinhos para dar golpes, tiros e montar casas nos mais diversificados tipos de games. Segundo dados do site de pesquisa CETIC, o número de domicílios com equipamentos de videogame no Brasil é de 17%.

Quando a palavra é vício, torna-se comum pensar em algo para ingerir ou injetar, mas um dos males da nova geração é o consumo excessivo de jogos. Em 2018, a OMS (Organização Mundial da Saúde) reconheceu que o vício de videogame é uma doença mental. Pessoas que têm equipamentos de videogame em casa para os filhos, precisam ficar alertas aos sintomas e procurar ajuda médica quando encontrados. Os sintomas são jogar sem parar, trocar horas de sono para jogar, se afastar das pessoas quando não está jogando, e o mau humor causado pela abstinência.

Os jogadores são popularmente conhecidos por gamers, e não criar um ciclo social pode trazer muitos malefícios para a vida de uma criança ou jovem. A geração atual está ficando cada vez mais distante das interações pessoais, assim não tendo capacidade de realizar comunicação contínua e criar obstáculos para atividades em grupo ou mesmo entrevistas de trabalho. Segundo a reportagem da revista Viva Bem é importante ter amigos para brincar pelo uma hora por dia e exercitar as relações pessoais.

Na China, por exemplo, pessoas com status sociais de gamers serão proibidas de realizarem alguns tipos de negócios. De acordo com o governo, os chineses que tiverem a prática de jogos não poderão comprar casas financiadas, fazer viagens e reservar quartos, pois tendo em mente que eles não fazem outra coisa a não ser jogar, não têm trabalho ou dinheiro. Assim vemos como é importante construir uma vida social. Veja a reportagem completa no site Tudo Celular.

Além da falta de interação, os jogos podem criar avatares capazes de ter funções e fazer ações como na vida real. Esse é um dos perigos causados, a projeção de atividades que podem ir da construção de uma casa às ações de um assassino ou mafioso, como se fosse um treino. Os experimentos comportamentais do jogo podem prejudicar o psicológico de uma criança que já está afastada das pessoas.

Gamers no cinema

Filme estrelado por Gerard Butler (Imagem reproduzida da internet)

Em 2009 foi lançado o filme Gamer, estrelado por Gerard Butler. Em um futuro próximo, o longa conta a história de um adolescente que joga o SLAYERS, um game que tem como avatares prisioneiros de verdade controlados por computador, em um jogo de batalha. O filme representa a preocupação dos usuários projetarem suas ações de comando com pessoas reais, sem considerar a hipótese de serem presidiárias ou não. Mas felizmente ainda não chegamos a esta realidade.

Problemas causados devido ao uso excessivo

Fora os problemas sociais, ainda há os efeitos físicos. A visão pode ser altamente afetada pela proximidade da tela do computador ou TV, prejudicando a visão de longe. O uso de fones pode causar danos na audição se estiverem em volume alto e passarem mais de trinta minutos fechando o canal auditivo. Também é comum haver dores nos pulsos e mãos, talvez o dano mais comum de quem passa horas jogando.

Os avanços tecnológicos e a globalização ainda trouxeram outros meios para jogar. Outro problema agravante da situação é a comunicação com usuários de todo mundo por meio de chats estabelecidos pelos jogos online e alguns gratuito, acessados por computador ou tablet. Como saber se o seu amigo virtual, companheiro de jogo, é quem diz ser?

De acordo com dados da Cetic entre as casas brasileiras, 23% possuem computador e 16% possuem tablets. Não é possível afirmar que este número de fato possui jogos online, mas a facilidade de acesso é maior. Por isso, pais que têm pelo menos um desses eletrônicos, monitorar o uso das crianças e jovens irá protegê-la de muitos riscos. Existem alguns perigos como a manipulação da criança ou jovem para fazer trocas de imagens de conteúdo sexual, o envio de mensagens ameaçadoras, e manipulação de comportamento dentro de casa. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), depois do cyberbullying os crimes sexuais são os mais comuns envolvendo crianças e adolescentes na internet.

(Infográfico: Mariana Braga e Andressa Ruivo)

Influência de jogos violentos

Atualmente é muito discutido se jogos violentos podem influenciar o comportamento de crianças e jovens que jogam esses tipos de games. A discussão provém de inúmeros ataques de jovens à escolas dentro e fora do país. Recentemente voltou a ser discutido após o massacre na escola em Suzano onde claramente o atirador se inspirou em algum jogo virtual.

A psicóloga Mariana Ribeiro diz que jogos violentos têm uma maior liberação de adrenalina, além da carência de outros estímulos: “Todo excesso provém de uma falta.”. Especialistas apontam que a televisão e o cinema ensinam aos espectadores como são os comportamentos agressivos, diferente do jogos de videogame, que vão além disso, ajudam os jogadores a praticar a violência.

A professora Kátia Ruivo conta sobre o momento em que percebeu que seu filho Flávio, estava passando dos limites ao pegar uma faca em uma discussão com um colega na rua. “Eu fiquei muito preocupada com essa situação e quebrei um jogo caríssimo dele, além de outros episódios que eu quebrei todos os CDs de videogame”.

Além dos jogos que instigam a violência, existem os jogos de interação virtual, onde o jogador interage com outros jogadores de qualquer parte do país ou do mundo. Essa foi a ferramenta que mais preocupou Kátia, quando viu uma conversa suspeita do seu filho, que na época tinha 12 anos, com um estranho num aplicativo de mensagens eletrônicas marcando um encontro: “Eu peguei uma conversa desse cara influenciando ele a faltar aula pra ir à um churrasco.”

O videogame esteve presente em grande parte da infância e adolescência do estudante Flávio Junior. Ele conta que passava, pelo menos, 80% do seu tempo livre jogando: “Quando eu era mais novo eu me considerava sim viciado em videogame, mas não de ter crises de abstinência. Eu jogava porque eu gostava muito.”

Kátia ao lado do seu filho Flávio Junior (Arquivo Pessoal)

Apesar de passar grande parte do seu dia jogando isso não atrapalhava o seu ciclo de amizades, chamava sempre os amigos para jogar em sua casa, amigos esses com quem mantém amizade até hoje. Na opinião da mãe, ele não era um completo viciado pois intercalava o videogame com outras atividades: “Ele conversava, interagia e sempre gostou muito de esporte. Os colegas chamavam para jogar bola e andar de bicicleta.”

Além do futebol, Flávio também fazia aulas de Kumon e curso de inglês, o que acabava diminuindo o tempo à frente da televisão. Seu desempenho escolar nunca fora afetado, embora ele não parasse de jogar para estudar sempre conseguiu dar conta das suas responsabilidades: “Nunca repeti de ano, nunca deixei de cumprir com as minhas obrigações. Passei ‘pra estudar o Ensino Médio no Pedro II e passei em 11º no vestibular da UERJ, mesmo jogando videogame.”

No Ensino Médio, época em que estudou no Pedro II, a greve das escolas públicas renderam à Flávio muitas horas de tempo livre e ele mesmo reconhece que exagerou na quantidade de horas que passava jogando. Ele acordava às 8h da manhã, dormia até o meio da tarde e já acordava para jogar de novo: “Eu lembro que eu passava a noite inteira jogando, meu pais iam dormir e eu tava jogando. Eles acordavam para ir trabalhar e eu ainda estava jogando. Nessa época eu exagerei mesmo.”

A psicóloga Mariana Ribeiro explica que o uso excessivo de aparelhos eletrônicos, principalmente momentos antes de dormir mudam a qualidade do sono pois tudo o que vemos ali fica armazenado em nossa mente, causando uma carga de pensamentos que rondam a nossa cabeça não nos deixando ter um sono leve e saudável: “Psiquicamente somos tomados por uma grande carga de ideias, cores e opiniões.”

Hoje, aos 23 anos, Flávio vive a realidade dos jogos de tiro que ele jogava na adolescência. Ele integra o grupo de cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras onde estuda para servir ao exército. Com a rotina corrida já não tem mais tanto tempo livre para jogar videogame: “Hoje eu ainda jogo, mas não é mais com a frequência de antes”. Ao ser perguntado se os jogos de tiro influenciaram a sua escolha na carreira militar, ele diz que talvez possa ter tido alguma influência, mas não totalmente: “Acho que uma coisa não tem nada a ver com a outra”. Já a mãe diz que a escolha da carreira vem da referência que tem do pai, que também é militar.

Flávio Junior na Academia Militar das Agulhas Negras (Arquivo Pessoal)

Faça um equilíbrio na sua vida para que o uso dos eletrônicos não se torne um vício e uma dependência.

Linha do tempo dos videogames

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