A cada 5 dias uma mulher é vítima de feminicídio no Rio

Isabela Carvalho
Dados e Jornalismo
Published in
7 min readSep 27, 2020

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Discriminação, constrangimento, sofrimento físico, moral, sexual ou psicológico também é violência contra a mulher

Por: Isabela Carvalho, Aline Pessanha e Brunno Salles

Dados do Dossiê Mulher, relatório produzido pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) retrata que, em 2019, os homicídios dolosos de mulheres no estado do Rio de Janeiro apresentaram redução de 12% comparado com o ano anterior. Apesar do aumento da veiculação deste tipo de violência, os relatos mostram que as estratégias de defesa dos direitos da mulher ainda são frágeis. O preconceito e a ideia de que a vítima pode ter culpa pelas agressões sofridas ainda prevalece na sociedade. As pessoas ainda normalizam a violência contra mulher em suas redes sociais e em seus discursos, o que dificulta a luta para a redução desses dados.

De acordo com o estudo, 71 mulheres foram vítimas do feminicídio no estado e um terço dessas mulheres foram vítimas dentro de casa e 43,8% morreu em decorrência do uso de arma de fogo. Ao todo foram analisados 85 casos de mulheres que registraram boletim de ocorrência no estado, mostrando que 49 delas tinham entre 30 anos e 59 anos e 58 eram negras (68,2%). A análise mostra ainda que 82,4% das mortes foram cometidas por parceiros ou ex-parceiros e 32,9% dessas mulheres morreram atacadas por facas, facões ou canivetes. A mesma pesquisa destaca que para 44% das vítimas, o motivo desses crimes é o fim de relacionamentos mal terminados. Por fim, 15 dos feminicídios, o filho da vítima presenciou o crime.

A violência contra a mulher pode ser definida como qualquer ato ou conduta de agressão, coerção ou discriminação baseada no gênero, que cause morte, dano, limitação, perda patrimonial, constrangimento ou sofrimento físico, moral, social, sexual, político, psicológico ou econômico à mulher, tanto na esfera pública como na privada. Ela representa a violação de direitos humanos e ocorre independente de raça, religião, etnia, orientação sexual e faixa etária. Apesar da violência física ser costumeiramente a primeira que vem à mente das pessoas, há também outras formas de violação como: violência psicológica, sexual, patrimonial, moral, institucional, doméstica e familiar e o feminicídio.

Um estudo da OMS, Organização Mundial da Saúde, realizado em dez países sobre a saúde e a violência doméstica contra a mulher, atesta que de 10% a 52% das mulheres já foram vítimas de agressões físicas do seu parceiro em algum momento de suas vidas. Essa presença tão marcante na sociedade é reflexo de políticas públicas eficazes no enfrentamento e prevenção da violência.

Os governos em suas diversas esferas (federal, estadual e municipal) precisam comprometer-se com essa pauta tão essencial para a qualidade de vida, principalmente, das mulheres que perdem seus direitos básicos, como até mesmo trabalhar. A Lei Maria da Penha, publicada em 7 de agosto de 2006, foi elaborada com o objetivo de criar mecanismos para coibir e prevenir a violência familiar e doméstica contra a mulher, independentemente da classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião.

O feminicídio é o homicídio praticado contra uma mulher em decorrência do simples fato dela ser mulher ou em decorrência de violência doméstica. A lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio, alterou o Código Penal Brasileiro, incluindo o fato de uma mulher ser morta simplesmente pela condição de ser mulher como qualificador do crime de homicídio, e o incluiu no rol dos crimes hediondos. O feminicídio, então, passa a ser entendido como homicídio qualificado contra as mulheres por razões da condição de serem do sexo feminino.

Desde o início da pandemia da Covid-19, os relatos de violência contra a mulher aumentaram em todo o país. Segundo a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, somente no mês de abril, o número de casos relacionados à violência doméstica deu um salto de 28% em relação ao mesmo mês do ano passado. O fato se deve à presença do companheiro por mais tempo em casa devido ao isolamento social e, consequentemente, à perda de emprego, férias coletivas ou licença. Isso nos leva a concluir que, na maioria dos casos, o agressor é o próprio companheiro da vítima. Com o agravamento da situação, a divulgação e o debate se tornam ainda mais importantes e fundamentais. A vítima precisa perceber o que está vivenciando, se sentir forte e segura para tomar uma atitude e, ainda, denunciar seu agressor. A discussão do tema é uma iniciativa que se transforma em coragem e apoio para muitas mulheres que estão passando por situações semelhantes, pois elas se sentem fragilizadas e impotentes. Toda e qualquer ajuda é necessária nesse momento tão difícil.

Por que as mulheres não denunciam seus agressores?

Grande parte das mulheres que sofrem qualquer tipo de violência não denuncia formalmente seu agressor e, muitas vezes, não dividem sua angústia e seu sofrimento com ninguém, nem amigos ou parentes. A pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) , em fevereiro de 2019, um estudo feito pelo Datafolha ouviu 2.084 pessoas em 130 municípios brasileiros e concluiu que 52% das mulheres que sofreram agressão em 2018 nada fizeram. Esse é um fator preocupante, pois casos não denunciados ficam fora das estatísticas.

A carência de informação e o baixo número de denúncias tiram o poder e a força de enfrentamento da mulher violentada. No entanto, é preciso aprofundar o que é exatamente a falta de informação neste caso. Não se trata somente de desinformação, mas também da carência de dados.

A mulher tem dificuldade para identificar que sofre algum ato de violência, pois a dominação do homem, oriunda do sistema no qual vivemos, é muito presente em nossa sociedade. Além disso, são tantos os diferentes tipos de violência que, não só as vítimas, mas especialistas e todos nós em geral, podemos ter dificuldades em perceber quando ocorrem.

A que mais as mulheres assumem, pois há fácil constatação, é a violência física. Ela não tem relação com sutileza e deixa rastros. Algumas são sutis, como a sexual, a moral, a psicológica e a patrimonial. A autoridade da figura masculina oprime e inferioriza a mulher, além de validar a violência. Modificar a natureza desse sistema é bem complexo.

Há ainda os casos de mulheres que sabem que sofrem violência, mas que não denunciam. Elas silenciam por razões pessoais ou pela descrença no sistema judicial.

A presidente da Comissão OAB Mulher/Niterói Helga Mansur, completa: “A violência contra a mulher é um ato de covardia, que está arraigado na cultura machista que traduz que somos propriedade e seres inferiores, que temos que nos submeter a tudo.” E, destaca que os crimes contra a mulher têm amparo no Direito Civil e Penal brasileiro. A OAB Mulher/Niterói atua em todas as fases do direito da mulher, advogada ou não. “ Fazemos encaminhamentos, orientações e todo suporte que está ao nosso alcance.”, diz a advogada civilista e criminalista.

DELEGACIAS DE ATENDIMENTO À MULHER

Ache a mais próxima de você: http://www.policiacivilrj.net.br/dgpam.php

  • Como identificar se uma mulher está sofrendo violência doméstica?

Identificar possíveis comportamentos de uma mulher que está sofrendo violência doméstica pode não ser, muitas vezes, algo tão aparente. Eles começam a aparecer desde o primeiro episódio de violência, seja ela física ou psicológica. Quebrar o silêncio não é tarefa fácil porque além da vergonha, há também o medo. Para ajudar nessa identificação, vamos saber quais são os principais sinais apresentados por uma mulher que foi ou está sendo vítima de violência, de acordo com a coordenadora da ONG Rede Mulher, Vera Vieira. As características não são apenas as desculpas de quedas e batidas para explicar sinais físicos evidentes. Veja:

  • O quê é a Lei Maria da Penha?

A Lei Maria da Penha — como ficou conhecida a Lei nº 11.340 /2006 — recebeu este nome em homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes. Foi a história desta Maria que mudou as leis de proteção às mulheres em todo o país. A biofarmacêutica foi agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, ele tentou assassiná-la duas vezes: na primeira, com um tiro, quando ela ficou paraplégica; e na segunda, por eletrocussão e afogamento. Somente depois de ficar presa à cadeira de rodas, ela foi lutar por seus direitos. Então lutou por 19 anos e meio até que o país tivesse uma lei que protegesse as mulheres contra as agressões domésticas. Em 7 de agosto de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Maria da Penha , criada com o objetivo de punir com mais rigor os agressores contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Hoje, Maria da Penha é símbolo nacional da luta das mulheres contra a opressão e a violência. A lei alterou o Código Penal no sentido de permitir que os agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada. Antes disso, mulheres vítimas desse tipo de violência deixavam de prestar queixa contra os companheiros porque sabiam que a punição seria leve, como o pagamento de cestas básicas. A pena, que antes era de no máximo um ano, passou para três. Contudo, o propósito da legislação não é prender homens, mas proteger mulheres e filhos das agressões domésticas. Entre as medidas protetivas à mulher estão: proibição de determinadas condutas, suspensão ou restrição do porte de armas, restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, pedidos de afastamento do lar, prisão do agressor, etc.

  • Novidades Trazidas com a Lei Maria da Penha:

Prisão do suspeito de agressão;

a violência doméstica passar a ser um agravante para aumentar a pena;

não é possível mais substituir a pena por doação de cesta básica ou multas;

ordem de afastamento do agressor à vítima e seus parentes;

assistência econômica no caso da vítima ser dependente do agressor

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