O QUE LEVA O JOVEM A EXPERIMENTAR O CIGARRO?

Letícia Ponso
Dados e Jornalismo
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9 min readOct 2, 2019
Crédito: exame.abril.com.br

Autores: Álefe Panaro e Letícia Ponso

Coloca os fones de ouvido. Aperta o play. E em segundos está em um clipe indie pop da Lana del Rey. Carro vintage, cabelo ao vento, desilusões amorosas e um cigarro na mão. É assim que jovens do ano de 2013 queriam se sentir. Karina não era diferente. Nos seus 15 anos, a idade de se sentir adulta e querer ser livre, ela e seu grupo tinham em comum bandas como The Neighbourhood , Arctic Monkeys e a famosa série Skins. Temas envolvendo jovens, relacionamentos e cigarro.

Férias de junho de 2013, em Teresópolis. Uma notificação no grupo do colégio no Whatsapp chamando para sair. Praça, vodka barata e conversas. Karina chega em casa, pega o celular, entra no Twitter e manda a seguinte mensagem “Amigo, eu quero experimentar cigarro”. A curiosidade pairou durante todas as noites que viu o melhor amigo segurando o objeto entre os dedos e soltando devagar aquela fumaça. Pedro já se considerava fumante há um ano, desde os 14 anos, e a maioria dos seus amigos também.

Na manhã do dia seguinte, os dois se encontraram ruas depois de sua casa. Pedro retirou o cigarro, ascendeu, explicou como fazia e entregou para Karina. Cof Cof. Uma tosse desesperadora e descontrolada. Os dois caem na gargalhada, tudo com ar de brincadeira. À noite, na mesma praça e com mais um amigo, tentou novamente tragar. Uma, duas, três… E quando viu já estava juntando dinheiro para comprar escondido seu maço na padaria.

Seis anos depois, entre muitas tentativas de largar o vício em nicotina, Karina com 21 anos parou de fumar. Tem quatro meses que não coloca nenhum cigarro na boca. Antes de junho deste ano, ela fumava em cinco dias um maço do cigarro Chesterfield vermelho ou até mais quando ficava ansiosa ou sozinha em casa.

A história de Pedro e Karina é igual a de milhares de jovens. O uso do cigarro pela primeira vez tem média no Brasil de 16 anos, tanto para as mulheres quanto para homens. Segundo o Pense, em 2015, 18,4% de estudantes do 9° ano, entre 14 e 15 anos, já utilizaram e entre eles, 5,4% de adolescentes são considerados fumantes, o que equivale a 32.083 alunos.

A psicóloga Esther Aguiar atribui esse alto número de jovens fumantes a uma busca de satisfação e esclarece que os adolescentes são mais impulsivos:

“Ainda que a impulsividade seja algo natural, é preciso lembrar-se das consequências mais sérias, como as dependências. Isso acontece porque nessa idade, ao ser impulsivo, o jovem não consegue por limites nas suas relações, o uso com o cigarro passa a ser exagerado, o que faz parte da sua busca pela satisfação. Esse sentimento resulta facilmente na procura de influências de amigos ou até mesmo ídolos”

Não são apenas os jovens brasileiros que utilizaram da droga legalizada. Segundo a ONU, em todo mundo, mais de 24 milhões de crianças entre 13 e 15 anos fumam cigarro. 17 milhões de meninos e 7 milhões de meninas, o que equivale a 7% de todos os jovens dessa faixa etária. Como podemos perceber pelos dados, em vários países a curiosidade de adolescentes não é evitada e a maioria das propagandas é sobre problema de saúde, risco de morte e também medicamentos para parar de fumar. E para não começar, existe alguma medida?

Fonte: Dados PENSE E INCA

A mudança e a velocidade das propagandas

Nos dias atuais, adolescentes ficam na grande maioria de seu tempo no celular e nas redes sociais. Eles se comunicam em milésimos de segundos com pessoas de várias regiões e inclusive de outros lugares do mundo. Vivemos em um mundo globalizado, aonde a informação chega de todo o canto e por diversos meios. Todo tipo de conteúdo, seja ele bom ou ruim. E o cigarro não é diferente. A questão é que o jovem não está preocupado no amanhã, ele quer viver loucamente o aqui e o agora e também se sentir pertencente a um grupo. A informação acelerou e os desejos instantâneos também.

É inegável que antigamente a indústria do cinema teve uma relação direta com a experimentação do cigarro. Nos anos 20, o objeto surgiu como elemento que transmitia glamour, rebeldia e, muitas das vezes, até como metáfora para a relação sexual. No auge de Hollywood, entre o final dos anos 30 ao início dos anos 60, o impacto foi potencializado e o fumo teve função quase que de protagonista na sétima arte. Segundo uma pesquisa conduzida pela Dartmouth Medical School de New Hampshire (2003), 10% de todos os jovens que participaram do estudo, havia começado fumar por terem assistido cenas em que seus atores favoritos apareciam fumando. Os pesquisadores americanos dizem também que levaram em conta a pressão vinda de amigos e a atitude de rebeldia próprias da adolescência e concluíram que os jovens que pertenciam ao grupo que havia assistido a mais cenas com cigarros têm três vezes mais probabilidade de iniciar o hábito.

Em uma coletiva dos Encontros O Globo, o Dr. Barros Franco relembra “Há 30 anos a propaganda de cigarro era fantástica, existiam cigarros para a mulher bonita, para o esportista, para os amantes de Hollywood, para quem gostava de andar a cavalo e até para quem praticava esportes. Acredito que algo mais eficaz do que dizer que o cigarro causa mal é impedir a propaganda dele, que antes era até vendido em lojas de crianças. Hoje já existem leis para isso. Talvez o grande problema dos jovens seja achar que são imortais, eles não têm medo de que isso um dia vai lhe trazer prejuízos, eles estão preocupados com outras coisas, mas informação eles possuem”.

Os ídolos influenciam?

O impacto do desejo pelo cigarro aumenta quando se atrela a nomes idolatrados pelo grande público, que sentia a necessidade de repetir o comportamento dessas personalidades, principalmente no mundo cinematográfico, que é algo comum até hoje. Recentemente, por exemplo, ele esteve em alta nos EUA. De acordo com um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças do governo americano (2017) mostra que, entre 2010 e 2016, a incidência do uso do tabaco nos filmes aumentou 80% em apenas um ano, e a tendência se amplia em longas metragens voltadas para jovens. Desde 2010, o fumo nos filmes com classificação inadequada para menores de 13 anos aumentou em 43%. A alta dessa representação de artistas fumando preocupa autoridades de saúde pública de todo o mundo.

Cantora Lana del Rey

Um exemplo recente é a cantora Lana del Rey que em sua passagem pelo Brasil no Lollapalozza, em 2018, ao pedir uma sugestão de musica aos seus fãs, afirmou: “Vocês estão dizendo Get Free? Vocês têm certeza? Mas eu vou precisar de um cigarro, então”. Ela atendeu ao pedido do público, enquanto recebeu o cigarro já aceso da produção. Também nesse festival, em 2019, houve uma polêmica de propaganda em que no encarte do maço Souza Cruz, em um stand do local, tinha escrito “sabor único e refrescante”.

A indústria de tabaco vai mudando suas estratégias ao longo do tempo e de uma forma diferente de atrair os jovens. Antes eram propagandas mais explicitas, hoje é mais velado através de um estilo de vida em que é apenas uma questão individual e não de propagação. A questão é que o alcance via hashtags, stories e curtidas impulsionam seguidores e fãs a quererem ser iguais a blogueiros, cantores e atores e se, o cigarro faz parte da pessoa ideal e aclamada, também vai fazer parte da vida dos adolescentes.

Propagandas antigas de cigarro. Créditos: Caféhistória e Memorias oswaldo hernandez

Políticas Públicas e doenças

Lei Antifumo- créditos: educacaosubvisarj.blogspot.com

No Brasil, a lei contra a propaganda de cigarro chegou em 1996, entretanto a atuação governamental começou a institucionalizar-se em 1985 com o Grupo Assessor para o Controle do Tabagismo e, em 1986, com a criação do Programa Nacional de Combate ao Fumo. O Projeto tem como objetivo reduzir a prevalência de fumantes, principalmente entre adolescentes e jovens, protegendo a população da exposição à fumaça ambiental do tabaco e reduzir o dano individual, social e ambiental. Em novembro de 2005, o Brasil se juntou à OMS para o Controle do tabaco. O INCA e o SUS desempenharam e continuam atuando em várias funções nessa política. Em 2014, passou a valer em todo o país a chamada Lei Antifumo que proíbe, entre outras coisas, fumar em ambientes fechados públicos e privados.

Como resultado de uma forte política de controle do tabagismo com enfoque multisetorial, a prevalência do tabagismo no Brasil está em queda, Entre adultos, a prevalência entre 1989 e 2008 caiu de 35% para 18,5%. Os resultados de um inquérito nacional de saúde indicaram que o uso constante do tabagismo em 2013 caiu para 14,7%. Porém, apesar do declínio em adultos, o uso do tabaco entre os jovens permanece estável em torno de 5% para ambos os sexos e a taxa de experimentação em torno de 19% para meninos e 17% para meninas, informa a pesquisa da OPA (Organizações Pan-Américana de Saúde)

Segundo o Ministério da Saúde, os jovens tendem a fumar mais que os idosos. Em 2018, dos 18 a 24 anos, 6,4% fumam. Em comparação dos maiores de 65 anos, com 6,1% de fumantes. A quantidade de fumantes adultos caiu em 40 % nos últimos 12 anos. De 15,7 em 2006 para 9,3% em 2018. Seria esse um indício da falta de iniciativas públicas voltada para esse público?

Apontando como um dos maiores vilões para o câncer de pulmão, de acordo com a pesquisa do VIGESCOLA (2009), o narguilé foi o produto mais usado depois do cigarro tradicional entre os estudantes de 13 a 15 anos que já experimentaram o tabaco. Dentre as capitais brasileiras, se destacam com maior frequência de consumo as cidades de Campo Grande (87,3%), São Paulo (93,3%) e Vitória (66,6%). Segundo a OMS, uma rodada de Narguilé tem 100 vezes mais alcatrão, 4 vezes mais nicotina e 11 vezes mais monóxido de carbono comparado ao cigarro comum. Perguntado sobre o tratamento de câncer de pulmão nos mais jovens (18–35), O Dr. Cláudio Domênico, mestre em cardiologia pela UFRJ, diz que os procedimentos tendem a serem os mesmos, e que tudo depende dos diagnósticos presentes nos exames. Mas alerta ao citar estudos que afirmam que o câncer, em geral, antes dos 35 anos de idade são mais agressivos e com altos índices de letalidade.

E não é só o Narguilé que é tido como uma alternativa perigosa para o cigarro entre os mais jovens, segundo o CDC (Center for Disease Control) e o FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos, os cigarros eletrônicos podem ser responsáveis por doenças pulmonares que podem levar à insuficiência respiratória e eventualmente a óbito. Até o dia 30 de agosto de 2019, foram notificados 354 casos em 29 estados americanos.

Créditos : Pinterest.com

De acordo com o Dr. Barros Franco, na coletiva do O Globo, um dos piores riscos do cigarro eletrônico é o uso de substâncias presentes neles. “A principal substância que se coloca no cigarro eletrônico é a Nicotina, que é a droga viciante dos cigarros tradicionais. E os mais jovens acham que, por estar em outra vitrine, ele é mais inofensivo e acabam fazendo o uso desenfreado. Nos Estados Unidos já possuem dados de que esse novo material tem causado graves doenças pulmonares. Outro ponto negativo é que nele se pode colocar qualquer outra substância, incluindo drogas ilícitas”, conclui o membro da comissão de câncer de pulmão da sociedade brasileira de pneumologia.

E ao contrário do que muito se pensa, as prováveis consequências do cigarro não é somente no pulmão. 25% das mortes por doença coronariana (angina e infarto do miocárdio) estão relacionadas ao tabagismo. Assim como as 25% das doenças vasculares (entre elas AVC), 85% das mortes por bronquite crônica e enfisema pulmonar e 30% das mortes decorrentes de outros tipos de câncer (boca, laringe, faringe, esôfago, estômago, pâncreas, fígado, rim, bexiga, colo de útero, leucemia).

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