Lisboa x Rio: Por que tantos cariocas se mudam?

Sofia Peregrino
Dados e Jornalismo
Published in
9 min readApr 26, 2022

Qualidade de vida, segurança e familiaridade com a língua motivam cariocas

Brasil x Portugal. Imagem: Canva

De alguns anos pra cá, muito tem se falado a respeito de brasileiros que decidem se mudar para Portugal. Em 2020, os brasileiros ocuparam o topo da lista de autorização do governo do país para viver em Portugal. Segundo o Serviço de Estrangeiro e Fronteiras (SEF) português, dos 117,5 mil novos títulos de residência emitidos em 2020, 41,9 mil foram dados a brasileiros. Os brasileiros representam 36% do total apurado de pedidos de residência.

Segundo a BBC News Brasil há alguns fatores comuns que levam brasileiros a optar pela mudança, como a escalada da crise no Brasil, a vontade de melhorar a qualidade de vida e a familiaridade com a língua. Além disso, o país possui legislação favorável à imigração, ao contrário de outros países da Europa. Portugal permite a regularização com relativa facilidade daqueles que chegam como turistas (sem visto) e decidem trabalhar e viver no território.

De acordo com os números levantados em novembro de 2021 pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), 214.500 brasileiros residem em Portugal. Os números englobam aqueles em situação regular e, também, os que possuem cidadania portuguesa ou de outro país europeu.

Salário mínimo e salário médio

Atualmente, o salário mínimo de Portugal é de € 705,00. Levando em consideração que no país pode-se receber até 14 salários por ano, a média sobe e fica em € 822,00.

De acordo com o INE (Instituto Nacional de Estatística), o salário médio em Portugal aumentou para € 1.326,00 bruto. Ganham esse salário principalmente pessoas com formação superior ou formação técnica na área e que trabalham nas grandes cidades do país.

Já o salário mínimo do Brasil é de R$1.212,00. Dados do Ministério do Trabalho apontam que o salário médio brasileiro de 2022 é de R$1.920,59 bruto, pouco acima do mínimo.

Foram entrevistadas duas pessoas, com idades e estilos de vida diferentes, para relatarem o que os levaram a tomar a decisão de morar em Portugal. De acordo com eles, os pontos mais relevantes para a mudança foram o custo de vida do país, a segurança, o poder de compra e a oportunidade de ter um futuro melhor.

Beatriz Pacheco e namorado. Imagem: arquivo pessoal.

Beatriz Pacheco é uma jovem carioca de 23 anos que decidiu, junto de seu namorado, se mudar para Portugal. Eles não tinham emprego em vista, mas foram tentar a sorte no país em busca de uma qualidade de vida melhor. Beatriz tem o sonho de viajar e conhecer o mundo inteiro, coisa que, segundo ela, não seria possível tendo em vista a atual situação do Brasil. E mesmo que ela tivesse o mesmo padrão de vida no Brasil, ainda escolheria morar no país europeu, pois acredita que a segurança e a igualdade social nem entram em comparação.

Em sua primeira semana em Viana do Castelo, Beatriz e seu namorado, Marcos, logo conseguiram emprego. Ela ganhou uma oportunidade de trabalhar como caixa em uma loja de conveniência e ele, numa fábrica. “Emprego é o que não falta por aqui, praticamente todas as fábricas e lojas estão precisando de funcionários, eles contratam muita gente e de forma rápida”, disse Beatriz.

Atualmente, o salário mínimo de Portugal é de 705 euros. A jovem diz que dá para viver muito bem com esse valor. “Tendo consciência financeira, o dinheiro dá e sobra”.

Se comparado ao Brasil, o poder de compra em Portugal é bem mais elevado. Beatriz afirma: “Morando no interior, você consegue achar um aluguel barato. Nos mercados encontramos coisas bem baratas também. Uma compra de um mês para um casal, por exemplo, gira em torno de 150 euros. Saúde aqui é pública também, apenas algumas coisas que são pagas, mas ainda assim, nem se compara com o Brasil.”

Muito se diz sobre o tratamento de nativos com estrangeiros, mas a carioca não teve experiências ruins com eles. “Até o momento todos foram muito gentis comigo, principalmente na hora de repetir o que falavam, porque apesar da familiaridade com a língua, os brasileiros não conseguem entender nada do que eles dizem. Um ou outro que é meio ríspido mas temos que levar em conta que português é grosso mesmo de natureza (risos).”

Sobre o Rio de Janeiro, Beatriz diz que além da família e dos amigos, o que mais sente falta é do calor e das praias, que são cartões postais da cidade maravilhosa.

Nuno Gonçalo, sua esposa e seus dois filhos que moram em Portugal. Imagem: arquivo pessoal.

Depois de 40 anos no Brasil, Nuno Gonçalo se mudou para Portugal com sua mulher e seu filho mais novo. Para ele, a ideia de se mudar surgiu logo após as Olimpíadas, que aconteceram no Rio de Janeiro em 2016, por conta da falta de segurança. Nuno já não estava mais feliz com a cidade e vinha se desagradando com o país também, estava tudo encarecendo e tornando ainda mais difícil manter a vida na cidade. Por já ter dois filhos mais velhos, o aumento dos valores das escolas foram outro fator que o faziam pensar cada vez mais em deixar o Brasil.

“A mudança foi decidida no final de 2016 e aconteceu no início de 2017. Estávamos numa época pós olimpíadas, onde a violência começava a retornar. A segurança no Rio de Janeiro foi um ponto super trabalhado até 2016, principalmente após a Copa de 2014. Como morador do Rio de Janeiro, a mudança mais nítida ocorreu durante a preparação para as Olimpíadas, que foi sediada na cidade. As UPPs foram o maior marco desse sistema de segurança que teve de ser melhorado para que esse evento mundial acontecesse. Em 40 anos de Brasil, nunca havia sentido uma segurança tão forte como a que senti nesse período. Porém, no segundo semestre do mesmo ano, com o término dos jogos olímpicos, as UPPs foram desmontadas e a violência voltou com muita força. Eu voltei a ouvir muitas trocas de tiros à noite em Botafogo, onde morava… Então, meu maior motivo foi essa construção de uma sensação de segurança e o retorno da violência de uma forma abrupta.

Sendo pai de três filhos, pensei “quero tentar dar uma opção melhor pra família’’. Somado a isso, acabei sendo desligado de um trabalho de mais de nove anos e vi ali uma oportunidade. Além disso, a educação estava encarecendo e, com a intenção de ter um segundo filho com a minha atual esposa, aumentar a família no Brasil se tornava inviável. A saúde também foi outro ponto que influenciou a decisão. Durante anos, com meus filhos mais velhos, o plano de saúde que meu trabalho fornecia nos dava acesso a hospitais que ficavam perto de casa. Porém, a empresa passou por dificuldades e precisou alterar para um plano mais básico, o que fez com que a distância até os hospitais aumentasse. Com a falta de segurança, a educação ficando mais cara e meus auxílios de saúde reduzidos, pensando na família, decidi me mudar No fim, com os direitos que recebi devido a minha demissão da empresa, consegui zerar minha vida no Brasil e recomeçar em outro país. E o destino prometia, justamente, o que estava faltando no Brasil.

Aqui as escolas públicas funcionam de um jeito diferente, são por bairros. Todas as crianças do bairro frequentam o mesmo colégio. Também não é permitido ter crianças não matriculadas, todas têm que estudar. E, lógico, o ensino público aqui não se compara ao do Brasil. Na saúde é o mesmo esquema das escolas. Morando em determinado lugar frequenta-se um posto de saúde específico e tem que ter um médico de família, é obrigatório. Aqui, onde eu moro, acabaram de construir mais dois novos centros de saúde. O plano de saúde daqui também é diferente. Enquanto no Brasil paga-se só o plano e ele cobre tudo, aqui paga-se um valor mensal menor e toda vez que se utiliza as redes conveniadas, paga o valor de uma consulta ou exame usando o privado.

Eu ainda escolheria morar em Portugal pelo clima, o calor extremo do Rio de Janeiro me incomodava demais, já aqui podemos sentir todas as estações, e também pelas condições de educação, saúde e segurança, que no Brasil não melhorou e aqui em Portugal se manteve positivo. Acredito que se fosse pro Brasil, teria um padrão de vida pior do que o que eu tenho aqui. Para fornecer uma boa educação para os meus filhos, teria que pagar mais caro e com o salário que recebia, isso estava se tornando cada vez mais difícil. E por estar ficando mais velho, para o mercado de trabalho é sempre mais complicado…Então meu padrão de vida diminuiria no Brasil, pelo custo de vida ser muito alto. E morando aqui, por não pagar escola para meus filhos mais novos, consigo auxiliar os mais velhos com a faculdade aí no Brasil. Se eu não tivesse me mudado não seria possível pagar uma educação de qualidade para os meus quatro filhos.

Se for um emprego não qualificado é mais fácil, mas se for um emprego qualificado aumenta a dificuldade. Os empregos bons estão nas mãos dos locais ou com estrangeiros que têm uma qualificação muito grande. Mas se você tem uma especialização, como é o caso da minha esposa, que é fisioterapeuta especializada em coluna, é mais fácil concorrer a uma vaga. Por outro lado, eu, que sou formado em administração de empresas e não tenho uma especialização, na hora de procurar um emprego não tenho tanta força para concorrer. Então vejo os dois lados e pra mim foi mais difícil do que para minha esposa.

Não dá pra viver bem com um salário mínimo, mas dá pra viver melhor do que no Brasil. Porque aqui temos acesso a saúde, educação, transporte subsidiado pelo governo, então não é necessário gastar dinheiro com esses recursos. E aqui em Portugal, a maior parte das pessoas ganham um salário médio de 1.200 euros, que é baixo, isso acaba nivelando o país.

Percebo que os portugueses ainda tratam os brasileiros com xenofobia. Um lado muito negativo dos portugueses, é que, qualquer pessoa que vá começar um trabalho, não presta, até que se prove o contrário. Então observo, que, de acordo com o emprego que o brasileiro tem, ele pode ou não sofrer preconceito por parte dos portugueses. Se tiver um emprego qualificado, o brasileiro consegue impor respeito fazendo com que o nativo evite um comportamento xenofôbico. Os brasileiros, aqui em portugal, acabam forçando o sotaque português para tentar passar despercebidos e evitar uma suposta situação de preconceito.

A relação humana do Brasil é algo que sinto falta. Aí é mais fácil fazer amizade, aqui em Portugal as pessoas são mais frias. Fomos acostumados com esse tipo de relação mais descontraída, mais coletiva e os portugueses não são nenhum pouco parecidos com isso. A água do mar do Brasil também é muito melhor, aqui é muito gelada”.

O custo de vida mais baixo em Portugal proporciona uma experiência mais vantajosa que no Brasil. O infográfico abaixo mostra a diferença de preços comparados em reais e euros:

Gráfico custo de vida Lisboa e Rio de Janeiro

Qualidade de Vida em Lisboa e no Rio de Janeiro

A qualidade de vida em Lisboa também dispara se comparada a do Rio de Janeiro. De acordo com o Numbeo, o índice de qualidade de vida no Rio é considerado muito baixo e o de Lisboa, alto

Gráfico qualidade de vida Lisboa e Rio de Janeiro

Para a professora de Geografia Jaqueline Losa, os brasileiros decidem morar em Portugal por alguns aspectos, como a proximidade da língua, a facilidade da cidadania, o sonho europeu e melhores oportunidades de destaque e de estudos.

“Pelo fato do Brasil ter sido colonizado por Portugal, faz com que muitas pessoas brasileiras tenham descendentes portugueses, o que facilita bastante essa questão da dupla cidadania.” Disse Losa.

Outro fator que chama a atenção dos brasileiros é o sonho europeu, que nada mais é do que sonhar em fazer parte daquela cultura e ganhar em euro.

“A culinária brasileira também é um ponto muito relevante, pois é reconhecida a nível internacional. Isso também é muito significativo, pois indo morar em Portugal, os brasileiros podem se tornar destaques com a habilidade culinária que, aqui no Brasil, não rende tanto prestígio e valorização como lá. Dá a possibilidade de realmente ser destaque dentro dessa área.”

Pensando pelo lado de estudos, a professora afirma que as oportunidades de estudos em Portugal são bem mais atrativas se comparadas ao Brasil, pois as faculdades são mais baratas e de excelente qualidade.

A geógrafa concluiu que o brasileiro decidem se mudar por possuírem mais oportunidades de salário, emprego, estudos, segurança e uma qualidade de vida superior a encontrada no Brasil.

Por Carina Mattos e Sofia Peregrino.

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