“Nós somos o natural”

Mesmo ganhando avanço nos direitos, população trans e não-binária ainda é a que mais sofre com LGBTfobia

Sol Barreira
Dados e Jornalismo
5 min readApr 5, 2022

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-Texto de autoria de Sol Barreira e Karla Barbosa

A população transgênero/travesti e não-binária, teve uma avanço em seus direitos a cidadania no dia vinte e seis de novembro de dois mil e vinte um. Nesse ano lhes foi permitido, na cidade do Rio de Janeiro, que alterassem seu nome gênero na certidão de nascimento para não-binárie, em um mutirão organizado pela FioCruz e o Tribunal de Justiça.

Mesmo com celebridades (que podem ser vistas na caixa abaixo) se declarando não-binárias, a identidade de gênero ainda é nova e se refere a pessoas que não se vêem como masculinas nem femininas. Entre essas pessoas está Indianarae Siqueira, transativista (responsável pelo preparaNEM e casa Nem), ex-candidata a vereadora nas últimas eleições municipais. Logo após a entrevista Indianarae contou que sairia para buscar seu RG retificado.

Indianare Siqueira, transativista, ex-candidata e recentemente retificada com “não-binárie.” (FOTO: LARISSA KREILI)

“A binariedade de gênero, ela se define através desses parâmetros, de biologia, genitais, cromossomos XX, XY etc. Se você tem tudo isso mas ainda tem um corpo que te define visual e socialmente como corpo oposto àquilo tudo que é definido na biologia, se você está definido pela sociedade e não por si próprio, como masculino, mas o teu corpo você constrói para aquilo que você se identifica, de um corpo que você pensa ser o teu padrão, você diverge daquilo que foi definido” Explica a ex-candidata, sobre as identidades de gênero divergentes da norma.

“Pessoas trans, travestis já são a não binariedade sem nem saberem que são. Essa seria a nossa natureza. Pois não nos é ensinado a ser trans. Já eles são ensinados a ser hetero, cisgênero, a se portar como tal, eles são uma performance e nós somos o natural. Pois mesmo não nos ensinando nós existimos.”

A ex-candidata conta também a importância de sua retificação aos 50 anos “O país me reconhece, né? A sociedade, a justiça, as leis. Não tem como dizerem que eu não existo, que é coisa da minha cabeça ou loucura minha. Eu existo, ainda que, através de uma decisão judicial da Suprema Corte desse país que me reconhece enquanto sujeito de direito e sujeito não-binárie.

A falta de dados sobre três milhões de Brasileiros

O antropólogo Fabrício Longo, fez sua defesa de mestrado baseada em Indianarae. (Foto: acervo pessoal do entrevistado)

Embora esse mutirão tenha acontecido, dados sobre a população trans/travesti e não-binária são escassos, geralmente colhidos por ONGs, ativistas ou pesquisadores acadêmicos. O sintoma, para o antropólogo e pesquisador do Núcleo de estudos em corpos, gêneros e sexualidades (NUSEX) do Museu Nacional é plural.

“É ‘natural’ que seja assim pelo histórico de como foram criados os direitos trans/travestis no Brasil e pelo fato de ser uma população que teve menos visibilidade do que tem hoje.” Explica Fabrício. “Então, de fato a maior parte dos dados são colhidos pelo ministério da saúde, por ter sido uma população considerada de risco, por ONGs e por ativistas.”

“Claro que a partir dos anos 2000, pessoas trans começaram a ocupar alguns espaços, as universidades, a aparecer em novelas, a Lina no BBB… Fica mais fácil as pessoas se reconhecerem enquanto trans. E eu acredito que estamos no inicio da escalada e que esses dados começarão a aparecer para além dos que temos.” O pesquisador completa.

Uma comunidade com prazo de validade

Segundo o dossiê de violência contra a população T da Associação Nacional de Transexuais e Travestis (ANTRA) a expectativa de vida dessa população é de, em média, até 35 anos, pelas questões de violência e vulnerabilidade social. Indianarae assim como a maior parte da população sabe que ser um corpo divergente é estar em constante vulnerabilidade e por isso criou a CasaNEM. Um espaço de acolhimento para pessoas LGBTIA+ que estão desabrigadas.

“Já tivemos espaços LGBT, em aparelhos do governo, mas como era dentro de um espaço de acolhimento voltado para toda a população de rua, esse espaço se tornava excludente e as colocava em situações de agressão no próprio espaço. Por isso é imprescindível espaços exclusivos, pra um acolhimento mais específico, tanto para um acolhimento psicoterapêutico e de ver as questões que cada indivíduo necessita para deixar a situação de rua.” Explica Indianarae

Ela completa “Enquanto do contrario não é possível dentro de um espaço onde a comunidade LGBTIA+ esta em conjunto com a comunidade cisheteronormativa. Sempre vai surgir LGBTIfobia e haveria que ter um combate dessa questão onde já não deveria ocorrer esse problema(violência) e tendo que se preocupar com todas a dificuldades da comunidade LGBTIA+ de inclusão.”

Já para o antropólogo a situação da transfobia é uma urgência, ele diz “Nós vivemos num país extremamente transfóbico onde esses corpos matáveis recaem sobre um discurso do cidadão branco de bem principalmente quando se tem uma população empurrada para marginalidade desde cedo.”

Quando questionada sobre os índices de violência contra populações vulneráveis, principalmente a trans, Indianarae respondeu “Em todos os lugares existe a transfobia, em maior ou menor grau. O Brasil é o país que mais mata travestisgeneres e LGBTIA+, é o 5° país que mais violenta e mais mata mulheres cisgêneras no mundo. Isso tudo é culpa do patriarcado e do machismo que estruturam a sociedade que é pautada onde o homem cisgênero, branco, classe média/alta… Eles têm o poder na sociedade de criar normas e leis com a finalidade de protegê-los, não são leis pensadas para a maioria da população, como proteger mulheres, crianças, LGBTIA+, pessoas negras, indígenas , todos os indivíduos que formam a diversidade de uma sociedade.”

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Sol Barreira
Dados e Jornalismo

Estudante de Jornalismo. Trans NB. Buscando entender e expressar melhor o mundo ao redor através dos textos que escrevo.