O AUMENTO DA DEPRESSÃO NA PANDEMIA

Pesquisas alertam para o problema de saúde mental que será enfrentado pós-pandemia

Sueliregina
Dados e Jornalismo
7 min readApr 27, 2021

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Carioca nata, frequentadora da praia e dos melhores restaurantes da zona sul, Renata Marinho, 30 anos, perdeu o emprego em uma grande empresa de checkup médico para executivos e, após 1 ano de pandemia pelo corona vírus, se viu em definhamento físico e psíquico. Ela que era uma mulher comunicativa, expressiva e extremamente sociável, se fechou em seu apartamento em Botafogo desde o início da pandemia e aos poucos foi se fechando para as redes sociais, se fechando em seu quarto e, por fim, em sua cama. Diagnosticada com um quadro de depressão profunda, conhecido no mundo clínico como TDM (Transtorno Depressivo Maior), Renata agora faz parte dos 11,5 milhões de brasileiros diagnosticados com sintomas depressivos, cerca de 5,8% da população brasileira.

Segundo o OMS (Organização de Saúde Mundial) existem cerca de 322 milhões de pessoas no mundo que sofrem de depressão, sendo o Brasil o segundo maior país com casos de depressão na América.

Medidas sanitárias, como o lockdown, podem causar perda da liberdade e, secundariamente, perda de relações íntimas, amizades e suporte social. As pessoas podem se deparar com múltiplas perdas simultaneamente (tais como de pessoas queridas, liberdade e emprego).

Para a psicóloga Samantha Sittart, especialista em Psicoterapia Psicanalítica e membro do Grupo de Pesquisa Envelhecimento e Saúde Mental (GPESM-CNPq) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o impacto dos problemas envolvendo saúde mental é percebido desde o início da pandemia.

A privação do ir e vir, do lidar com o desconhecido e saber que há uma ameaça invisível podem gerar sintomas ansiogênicos, tais como crises de pânico, sentir falta de ar com o uso da máscara, oscilações de humor e sintomas depressivos por conta do próprio isolamento social. Temos visto um grande aumento de procura por atendimentos psicológicos e psiquiátricos — explica a psicóloga.

Em abril de 2020, quando a maioria dos estados brasileiros já havia decretado quarentena, a busca por “atendimento psicológico” no Google chegou a 100%.

Fonte: Google Trends • Valores parametrizados: 100 representa momento de maior busca

Um estudo feito pelo Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), coordenado pelo professor Alberto Filgueiras, estudou 1.460 brasileiros, logo no início da pandemia, e apontou que os casos de transtorno depressivo praticamente dobraram desde o início da quarentena. O estudo mostrou ainda que, entre março e abril de 2020, dados coletados on-line indicaram que o percentual de pessoas com TDM saltou de 4,2% para 8,0%, enquanto que, para os quadros de ansiedade, o índice foi de 8,7% para 14,9%. Segundo o professor, estes resultados sugerem um agravamento preocupante, mas ressalta que a pesquisa sinaliza que quem recorreu à psicoterapia pela internet apresentou índices menores de estresse e ansiedade.

Ligações de ajuda Serviços de linhas diretas de prevenção ao suicídio relataram um aumento no número de ligações em, pelo menos, 20%. O crescimento da utilização desses recursos sugere que os problemas de saúde mental estão crescendo, frente ao pavor, ao medo e à incerteza ampliados e relacionados à pandemia.

Pesquisa realizada, no início de maio de 2020, pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com associados de 23 estados e também do Distrito Federal, apontou que houve aumento em torno de 25% nas consultas, somente nos dois primeiros meses ao início da pandemia. Já 89,2% dos entrevistados destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos, devido à pandemia de covid-19, nos pacientes já em tratamento.

A psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental e sistêmica de casal e família, Simone Zaffari, de Porto Alegre, viu a procura no consultório pelo atendimento individual e de casais aumentar a partir do segundo semestre de 2020. Surgiram ainda mais casos de ansiedade, depressão profunda, problemas de insônia e de relacionamento.

— Normalmente, estas pessoas já tinham esta pré-disposição para desenvolver um transtorno psiquiátrico. A pandemia foi o gatilho que faltava, pois, provavelmente, elas já tinham utilizado todos os seus recursos internos para lidar com essa situação, como passear, visitar amigos e parentes. Então, desta forma, se viram quase obrigadas a encararem o problema e foi preciso buscar um auxílio profissional — justifica a psicóloga.

Também uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, por meio de questionário online disponibilizado no próprio site, entre 23 de abril e 15 de maio de 2020, rastreou a existência de depressão, ansiedade e/ou estresse pós-traumático na população brasileira devido à pandemia da COVID-19. Constatado, após análise em um total de 17,5 mil questionários respondidos, que a ansiedade afetava 86,5% das pessoas. A amostra preliminar foi realizada com indivíduos com idade média de 38 anos, variando entre 18 e 92 anos, onde a participação do sexo feminino representou 71,2% do total.

Para discutir sobre a saúde mental da população brasileira no contexto da pandemia, em setembro de 2020, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em parceria com a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), realizou um webinário com a participação de Ubiraci Matildes de Jesus, coordenadora executiva do Fórum Nacional de Mulheres Negras; Margareth Arilha, pesquisadora do Núcleo de Estudos Populacionais Elza Berquó (NEPO/Unicamp) e Maria Dilma Alves Teodoro, coordenadora Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (DAPES/SAPS/Ministério da Saúde).

A pesquisadora do Núcleo de Estudos Populacionais Elza Berquó (NEPO/Unicamp), Margareth Arilha, trouxe para a discussão no encontro, fatores sociais que podem ter sido repensados e agravados durante o período da pandemia.

A epidemia trouxe uma perspectiva de indagação. Ela indaga a nossa vida cotidiana, as formas como estamos nos relacionando conosco e com o outro, indaga nossas relações afetivas, sexuais e reprodutivas; aponta questões que eram negligenciadas e provoca questões latentes como abandono, solidão, violência, vulnerabilidades de gênero, raça e idade ou aquelas trazidas pelas perspectivas das orientações sexuais. — afirma a pesquisadora.

O webinário pode ser visto na íntegra no site da UNFPA Brasil ou no link https://brazil.unfpa.org/pt-br/news/pandemia-pode-ter-agravado-saude-mental-da-populacao-brasileira .

De acordo com o site do Ministério da Saúde, durante a pandemia, houve reforço no atendimento em saúde mental sendo investido R$ 1,1 milhão para ampliação dos serviços e incentivada a abertura de 24 novos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), 11 Serviços de Residência Terapêutica (SRT), uma Unidade de Acolhimento Infanto-juvenil e 40 novos leitos de saúde mental em hospital geral, além de habilitadas 21 Equipes Multiprofissionais de Atenção Especializada de Saúde Mental para atendimento ambulatorial.

O que fazer para não adoecer mentalmente durante o período da pandemia

Especialistas da saúde alertam para a necessidade de movimentar o corpo, pois a atividade física, além dos aspectos de saúde mental, associa-se a uma melhor saúde cardiovascular e a menos doenças crônicas degenerativas, como obesidade, diabetes e hipertensão arterial.

Durante a pandemia, estudos iniciais demonstram que os brasileiros reduziram em aproximadamente 60% o tempo gasto em atividades físicas moderadas e intensas, e aumentaram mais de 40% o tempo gasto em comportamento sedentário, por dia. Aqueles que passavam 15 minutos por dia em atividades físicas mais intensas, ou 30 minutos em atividades moderadas ou intensas, tinham 30% a 40% menos chance de apresentar sintomas de depressão e ansiedade. Já aqueles que passavam mais de 10 horas por dia em comportamentos sedentários tinham um risco 30% maior de ter sintomas de depressão.

Fonte: Guia de Saúde Mental Pós-Pandemia no Brasil — Sociedade Brasileira de Psicologia

Evidências também indicam que intervenções de meditação e mindfulness podem auxiliar na redução de dor e da insônia, e na melhora da imunidade, essencial para pessoas com sintomas de depressão e ansiedade. Essas estratégias também são úteis na redução da compulsão por álcool e drogas, o que é relevante nesses tempos de distanciamento.

Para quem busca apoio gratuito, algumas alternativas estão sendo oferecidas pelo Instituto de Psicologia da USP (Ipusp). Sendo três modalidades diferentes de atendimento que são feitas via internet e servem desde a comunidade USP até as pessoas em geral. Além de um quarto projeto que tem como objetivo oferecer ferramentas que ajudem psicólogos hospitalares em atendimentos durante a pandemia. Um modelo desse serviço já era prestado pelo Centro Escola do Instituto de Psicologia (Ceip) de forma gratuita antes da quarentena, mas agora a iniciativa teve que se adaptar.

LEGENDA

Na mesma direção a Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) disponibiliza em seu site um material muito rico de conteúdo elaborado por renomados especialistas (psiquiatras, psicólogos, neurologistas, geriatras, cardiologistas e educador físico) e coordenado pelo psiquiatra Luis Augusto Rohde da UFRGS, onde o objetivo é levar informações úteis para profissionais de saúde que não são especialistas em saúde mental e para a comunidade leiga em geral. Este guia que recebe o nome de Guia de Saúde Mental Pós-Pandemia no Brasil, pode ser baixado no link https://www.sbponline.org.br/arquivos/Guia_Saude_Mental_P%C3%B3s-Pandemia no Brasil.pdf, assim como um pequeno Manual de como manter a saúde mental em época de COVID-19.

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