Pequenos do Rio revelam 1,5 % dos atletas da Série A

Maria Beatriz Castro
Dados e Jornalismo

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Madureira, Bangu, Audax-RJ e Nova Iguaçu são os que mais revelaram jogadores. Foram analisadas 33 equipes profissionais em todo o estado

A rotina de Pedro Menezes, de 21 anos, sempre foi bastante atarefada. Nascido e criado em São João de Meriti, na região metropolitana do Rio de Janeiro, Pedrinho, como é chamado pela família e pelos colegas, tinha um sonho que é bastante popular entre os meninos na infância: ser um jogador de futebol profissional. Para atingir esse objetivo, ele contou com a ajuda de inúmeras pessoas — pais, tios, professores e olheiros.

O menino gostava de passar os finais de semana na casa dos tios em Nova Iguaçu, brincando com os primos e com as outras crianças, no campinho de futebol perto da sede do clube local. Em uma dessas visitas, o tio de Pedro informou ao sobrinho que iria haver “peneiras” para as crianças, dentro dos próximos dias, realizados pelo Nova Iguaçu Futebol Clube, e que ele estava inscrito. Com a ajuda da mãe e do tio, Pedrinho faltou a escola para comparecer nos dias dos testes, onde se saiu bem e chamou a atenção dos olheiros locais ao marcar um bonito gol de falta. Alguns dias depois, o menino foi chamado para integrar oficialmente a categoria infantil B da agremiação, aos 12 anos, o que fez com bastante orgulho — apenas após prometer ao pai não largar os estudos — fazendo parte do plantel do Nova Iguaçu FC até o final de 2018.

Como todo jogador iniciante, Pedrinho teve dificuldade em conciliar a escola com os treinos do time, além de ter gastos com o deslocamento entre São João de Meriti e Nova Iguaçu. Por conta da estrutura precária do clube, ele também tinha gastos extras com o uniforme, as chuteiras e com situações médicas mais graves.

Durante uma partida pela equipe juvenil B do clube, contra o time do Boavista, Pedrinho sofreu uma falta do zagueiro adversário e caiu sentindo muitas dores no joelho direito. De imediato, foi substituído e levado para o hospital mais próximo da região, com a suspeita de um rompimento ligamentar. Para investigar mais a fundo a lesão, o médico do Nova Iguaçu informou ao jogador que ele precisava realizar um exame de imagem de mais qualidade, em um laboratório especializado, mas que o clube não tinha como arcar com aquele tipo de exame. Assim, a família de Pedro custeou os exames e outras consultas quase que integralmente, o que ameaçou a confiança dos familiares no Nova Iguaçu. Após esse episódio, Pedrinho contou novamente com a ajuda do tio, motorista de táxi, para levá-lo da escola para o treino e do treino para casa, além de sessões de fisioterapia. Quando recuperado, para evitar um esforço maior e uma rotina cada vez mais pesada, Pedrinho foi morar com os tios.

Com o passar dos anos, o atleta foi vendo seus colegas de treino se despedindo do clube, seja por lesões, falta de tempo ou falta de recursos. Além disso, viu as categorias de base, principalmente, sofrerem com cortes de orçamento cada vez mais altos, prejudicando os meninos que gostariam de ter um futuro no futebol. Pedrinho se manteve no elenco, avançando na base e firmando-se como titular, disputando as principais competições do Nova Iguaçu pelo sub-20: campeonato carioca e campeonato brasileiro série D.

Pedrinho (laranja) em um jogo da categoria sub-20 do Nova Iguaçu

No fim do ano de 2018, o jogador foi negociado com a Associação Desportiva Cabofriense, time popular da região dos Lagos do Rio de Janeiro, onde permanece até hoje no elenco principal. Pedrinho reconhece que o caminho para se tornar um atleta profissional é difícil, especialmente vindo de um time pequeno, mas que é muito grato por ter conseguido atingir seu objetivo principal. Ainda, relata que jogar no Maracanã cheio, mesmo com a torcida contra, foi emocionante. Porém, Pedrinho quer mais; seu sonho, agora, é conseguir atuar na Copa Libertadores da América por um grande clube.

Pedrinho atuando no jogo Flamengo x Cabofriense, em março de 2020

Cenário

Os relatos do jogador Pedro Menezes ilustram a disparidade de estrutura, condições e orçamento disponíveis para os times considerados grandes e para os times pequenos, em todas as regiões do país. Além disso, mostram que as categorias de base são as que mais sofrem com essa diferença, no que diz respeito aos outros elencos de base e principais.

Um levantamento feito com os elencos dos times da Série A do Campeonato Brasileiro nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, mostra que os clubes pequenos do estado do Rio de Janeiro são responsáveis por revelar apenas 1,5 % dos jogadores que disputam a primeira divisão do Brasileirão, dentre todos os analisados. Segundo os dados, dos 2.760 atletas que faziam parte dos planteis dos clubes nesses quatro anos somados, apenas 42 foram revelados pelos pequenos do Rio.

Dentro desse número, o maior índice está presente no ano de 2019: são 22 atletas das bases que estão entre os 722 jogadores que compuseram os elencos dos 20 times da Série A, totalizando 3,04%; já o menor índice está presente no ano de 2017: são 13 atletas das bases que estiveram entre os 673 jogadores presentes nos elencos dos clubes da primeira divisão daquele ano, totalizando 1,93%.

Para realizar essa análise, foram considerados “times pequenos do Rio” os clubes que possuem ou possuíam categorias de base e/ou de caráter profissional registrado, excluindo Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. Os 33 clubes que se encaixaram nesses requisitos estão espalhados por todo o Estado; porém, só 18 desses se encaixam em ter revelado pelo menos 1 atleta profissional, o que representa, aproximadamente, 54% das agremiações.

Os times dessa estatística são: América-RJ, Angra-RJ, Audax-RJ, Bangu, Boavista, Bonsucesso, Cabofriense, Campo-Grande RJ, Duque de Caxias, Friburguense, Macaé, Madureira, Mangaratibense-RJ, Nova Iguaçu, Quissamã, Sampaio-RJ, Serra Macaense e Volta Redonda.

Entre esses números, é o Madureira, clube da Zona Norte do Rio, que está em primeiro lugar, com 7 jogadores revelados, representando, aproximadamente, 17%; em segundo lugar está o Bangu, da Zona-Oeste, com 5 jogadores (12%) e em terceiro lugar estão dois times empatados, Audax-RJ e Nova Iguaçu, com 4 jogadores cada (9,5%). Confira abaixo os principais atletas revelados por essas equipes:

E o número total:

Causas

Há inúmeras razões para essa disparidade tão grande entre os menores e os maiores clubes. De acordo com o técnico da categoria sub-17 do Bangu, Eduardo Gomes, um dos principais é a falta de visibilidade com os times de bairros e de cidades pequenas, que possuem menos torcida e, portanto, menos visibilidade e menos patrocínio. Outro motivo que o técnico relata é a história dos clubes — os “mais tradicionais”, segundo ele, possuem mais de 100 anos de existência, de vitórias, derrotas, ídolos e amor da torcida, o que não acontece da mesma forma com os times pequenos. Entretanto, isso não explica a situação do América-RJ, um dos clubes mais tradicionais do Estado, que era considerado um dos times grandes do Rio até a década de 80. Eduardo opina sobre a situação extracampo do América, citando uma sequência de más gestões, corrupção e desvios de dinheiro, o que ele resume em administrações ruins que afundaram o clube.

Outra motivação que o técnico cita é a competitividade cada vez maior do futebol moderno, onde os clubes exigem cada vez mais dos profissionais e os jogadores são vendidos por valores cada vez mais altos. Para ele, os times pequenos nunca irão conseguir competir igualmente contra os grandes, pois a quantidade de dinheiro que é injetada nesses clubes, seja por patrocínio, empresários, cotas de televisão ou premiações, não são a realidade dos menores e das competições das quais eles participam. Para sobreviver no mundo do futebol, esses times deveriam investir mais em profissionais qualificados e em estrutura, a fim de desenvolver suas categorias mais jovens e para poder montar um elenco principal competitivo. Porém, para investir é preciso que haja um fluxo de caixa maior do que o atual, o que não acontece justamente pela falta dessa “injeção” monetária, criando assim um ciclo vicioso onde esses clubes se encontram.

Eduardo, ainda, fala do amor pelo seu trabalho com os jovens, e como ele pode ajudar até mesmo na vida pessoal desses meninos, mas que muitos deles ainda tem uma visão deturpada desse cenário:

“Eu vejo muitos meninos que tem o Neymar, o Cristiano Ronaldo como influência, querendo ser iguais a eles. Claro que eles se deslumbram com a fama e com o dinheiro muito rápido. As vezes já chegam até mim falando de carros, mansões, bebida… não são todos, mas o impacto que esse estilo de vida demonstrado nas redes sociais tem na cabeça de um jovem pode ser muito grande”.

Por fim, ele ainda relata as dificuldades nas próprias peneiras, ou até mesmo antes delas:

“Quando tem peneira, vejo meninos vindo de um monte de lugar do Rio, até do país, em busca de um sonho… é triste saber que a maior parte deles não vai conseguir. O mundo do futebol é cruel. Você pode ser muito bom, mas se tiver com um problema, ou não estiver num bom dia, você é descartado sem pena. Fora os grandes talentos que existem por aí, que nunca vão ser descobertos por que não podem bancar o deslocamento até os testes, ou por que estão envolvidos com coisa ruim, ou que não tem nenhum incentivo para tentar… infelizmente essa é a realidade, que não está só restrita aos clubes pequenos. Todo mundo que trabalha com futebol, com jovens talentos, sabe a dificuldade que é”.

As peneiras são testes organizados pelos clubes de futebol para captar novos jogadores. De forma geral, as seletivas são realizadas em dias e horários escolhidos para as categorias de nascidos de anos já pré-determinados, de acordo com o desejo do clube. Para participar, é necessário que o atleta se cadastre por meio uma página online, seguindo as instruções fornecidas pelo próprio clube. Ainda, é preciso ficar atento, pois as peneiras são marcadas com pouca antecedência.

Diferenças das estruturas dos clubes grandes e pequenos

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