Raio-x de Keisuke Honda: como o japonês pode ajudar o Botafogo?

Sergio Santana
Dados e Jornalismo
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10 min readJun 17, 2020
Torcida na apresentação oficial de Keisuke Honda (Foto: Vítor Silva/Botafogo)

“Um desafiador. Além disso, sou um grande apoiador de sonhadores que desejam que seus sonhos vierem realidade”. Assim é a forma que Keisuke Honda se define em sua própria conta no Twitter. O japonês, por si só, carrega muita expectativa para com a torcida do Alvinegro, mas o meio-campista também faz por onde.

Maior jogador da história da Seleção Japonesa, Honda vai muito além do futebol. Envolvido politicamente, o atleta comummente faz citações a Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, e opina, mesmo estando no Brasil, sobre fatos que acontecem em seu país-natal. Neste período de pandemia do coronavírus, inclusive, o meia fez uma postagem agradecendo o empenho de médicos em todo o mundo.

Honda é diferente e as pessoas no dia a dia do Botafogo notam isto. Ao mesmo tempo em que é focado, o japonês busca se aproximar de todos. A língua, por questões óbvias, é um entrave, mas ele buscou aprender português desde a primeira semana que desembarcou no Brasil, com a ajuda de um professor. Inclusive, se esforça para falar em português com os companheiros de equipe o máximo que pode. “Toca”, “chuta”, “valeu”, “ irmão”, “churrasco” e “obrigado” são, de acordo com pessoas ouvidas pela reportagem, palavras que o meio-campista fala com certa frequência.

Inicialmente, Honda chegou ao Brasil apenas com o xará Keisuke, o homem responsável pela produção do canal no YouTube do jogador. O câmera segue o japonês por todos os lugares, inclusive nos próprios treinos no Estádio Nilton Santos. A tendência era que a família do atleta chegasse ao Brasil dois meses depois do meio-campista — para ele se estabilizar em uma residência — , mas as questões da pandemia do coronavírus atrapalharam e os parentes permanecem, por ora, no Japão.

Apesar de ter um fora de campo fora da curva de grande parte dos jogadores de futebol, Keisuke Honda, é claro, se destaca pelo o que faz dentro das quatro linhas. Reforço de destaque do Botafogo para a temporada, o novo camisa 4 de General Severiano promete trazer mais criatividade ao meio-campo da equipe comandada por Paulo Autuori.

— Para ser honesto, tive algumas ofertas da Europa e da Ásia, além do Botafogo. Não foi fácil decidir, porque muitos outros clubes também fizeram boas ofertas. Pensei o que era o melhor para mim e para a minha família. De início, decidi vir para cá porque as pessoas daqui estavam esperando por mim. Eles vieram, fizeram contato pelas redes sociais. Senti essa emoção deles, essa animação. Nunca vi nada assim. Nunca vi algo tão bonito em toda a minha vida (sobre a recepção da torcida no aeroporto do Galeão). Acho que essa paixão dos torcedores me fez decidir jogar aqui — afirmou Honda, durante a apresentação pelo Botafogo.

HONDA DENTRO DE CAMPO

A reportagem coletou, a partir de vídeos em japonês, holandês e russo, todos os gols feitos por Keisuke Honda em toda a carreira. O levantamento durou, quatro dias. Ao todo, cerca de lances de 150 partidas diferentes foram assistidos.

O meia de 33 anos, que estreou profissionalmente em 2004 pelo Nagoya Grampus-JAP, tem 136 gols marcados em 557 partidas — contando clubes e passagem pela seleção — em toda a carreira, ou seja, 0,24 tento por partida. Vale ressaltar que a reportagem não contou gols marcados em disputas de penalidades máximas para este levantamento e levou em consideração apenas a categoria profissional, excluindo o desempenho de Honda pelas seleções de base dos Samurais Azuis.

A perna dominante de Honda é colocada em evidência com a divisão dos gols que marcou durante a carreira. O japonês balançou as redes 117 vezes com o pé esquerdo, o que representa 86% da contagem total. Consequentemente, tal número representa maioria absoluta do levantamento.

O ponto interessante é que o meio-campista possui mais gols de cabeça do que perna direita. São 13 gols pelo alto contra cinco com o pé não-dominante. Keisuke Honda sempre busca puxar as jogadas para a perna esquerda, onde possui facilidade e demora poucos segundos para armar um movimento de finalização.

Raio-x dos gols da carreira de Keisuke Honda: a maioria absoluta foi marcada com a perna esquerda (Fonte: Reprodução/Diário LANCE!)

BOLAS PARADAS

O primeiro momento de destaque de Keisuke no futebol mundial talvez tenha sido na Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Fase de grupos, última rodada, em Rustemburgo. O Japão precisava vencer a Dinamarca para se garantir nas oitavas de final. Honda, com uma falta de longa distância, enganou o goleiro Thomas Sorensen com o efeito da bola, e iniciou o triunfo por 3 a 1 dos Samurais Azuis rumo à classificação.

Na verdade, Honda tem certa afinidade com as cobranças de falta desde o início da carreira. O japonês foi o responsável por cuidar das bolas paradas em todas as equipes que passou e isso reflete em parte dos gols marcados na carreira. O meio-campista tem 19 tentos de falta e 15 de pênalti, totalizando 34 jogadas de bola parada — 25% do todo. Ou seja, a cada quatro gols que Honda marcava, um era em uma dessas situações.

Na marca da cal, Honda também tem um “chute de confiança”: dos gols que fez, nove foram do lado direito da baliza, quatro na esquerda e dois no centro — levando em consideração o lado do batedor, ou seja, do japonês. O clube que Keisuke mais marcou nestas situações foi o Melbourne Victory-AUS, com quatro. Pela seleção, foram oito gols de pênalti.

Se o assunto é falta, o auge de Honda foi a passagem pelo futebol russo. No CSKA Moscou, o japonês marcou seis gols nesse estilo. De longe ou de perto, o estilo preferido de batida do meia é a “folha seca”, com a bola variando de direção e descendo rápido, dificultando o tempo de reação do goleiro. Ao todo, são 19 gols de falta durante a carreira.

COM BOLA ROLANDO…

Honda vem treinando como meio-campista central com Paulo Autuori desde a chegada do comandante. O setor é uma das posições que o japonês mais atuou durante a carreira, ficando atrás apenas do lado direito do meio, flanco que ocupou na passagem pelo CSKA e em grande parte dos jogos que realizou pela Seleção Japonesa. De qualquer forma, são os dois locais favoritos do jogador de 33 anos.

A passagem no futebol russo, entre 2010 e 2013, foi o auge do japonês. Por lá, Honda se consolidou como um dos melhores jogadores do futebol europeu fora das cinco grandes ligas. Antes, o meia atuou por Nagoya Grampus-JAP e VVV-Venlo-HOL — clube que foi campeão da segunda divisão holandesa. Depois da capital russa, ele passou por Milan-ITA, Pachuca-MEX, Melbourne Victory-AUS e, agora, o Botafogo.

Tal característica reflete nos lugares que Honda mais fez gols com bola rolando durante a carreira. Dos 102 nesta característica, 32 foram no lado direito do campo, 24 no flanco esquerdo e 46 no centro do gramado, parte onde Keisuke é mais artilheiro.

Gols de Keisuke Honda a partir de bolas paradas (Foto: Reprodução/Diário LANCE!)

SETORES DE ATUAÇÃO

Honda tem um setor favorito para marcar gols: a grande área. Por lá, balançou as redes — contando os tentos de pênalti — 70 vezes, o que representa 51,4% da conta total. Na pequena área, o japonês marcou 24 vezes (17,8%) e foram 42 gols (30,8%), contando as oportunidades de falta, de fora da área.

As zonas do gramado que Honda mais marca são explícitas: é difícil para o meio-campista aparecer na pequena área — a maioria dos gols do japonês neste setor foram aproveitando rebotes do goleiro de chutes de outro companheiro. O local de atuação de Honda é mais por trás, na meia-lua.

NÚMEROS DE DESTAQUE

Em toda a carreira, o gol mais recorrente para Keisuke Honda foi com a perna esquerda, com o japonês posicionado no centro do campo e dentro da grande área. Tal ocasião aconteceu em 19 oportunidades. A segunda foi, novamente, com a perna esquerda e com o meio-campista posicionado na grande área, mas desta vez no lado direito do campo, em 15 vezes.

Dos 136 gols que marcou, 37 foram pelo Japão — Honda é o nono maior artilheiro da história dos Samurais Azuis. O meio-campista possui um hat-trick e foi justamente vestindo a camisa da seleção nacional: em amistoso vencido por 6 a 0 contra a Jordânia no dia 8 de junho de 2012, no Estádio Saitama 2002.

HONDA FORA DE CAMPO

Esforço, vontade de aprender e pontualidade são três palavras que podem definir Keisuke Honda. Ele é o primeiro a chegar nos treinos do Botafogo e faz questão de, dia após dia, conhecer mais um pouco do clube e da estrutura do Estádio Nilton Santos. Ao final das atividades, também é um dos últimos a ir embora por fazer o tratamento com a equipe de fisioterapia e fazer questão de arrumar tudo o que bagunçou.

Por exemplo: depois de tomar banho, Honda dobra as tolhas e as entrega para a equipe de limpeza do Estádio Nilton Santos, deixando os companheiros boquiabertos. Fora da arena, as ações do japonês também impressionaram grande parte dos jogadores. Ele recusou convites para ir a um camarote na Marquês de Sapucaí no Carnaval porque tinha que acordar no dia seguinte para treinar. Detalhe: era um dia de folga para o elenco profissional.

Keisuke Honda carrega marcas de destaque consigo. É o único jogador em atividade no futebol brasileiro a marcar gols em cinco continentes diferentes — o japonês só passou em branco na América Central durante a carreira. Além disto, é o único atleta asiático na história a fazer um gol e dar assistência em três Copas do Mundo diferentes.

O camisa 4 também faz parte de um seleto grupo de atletas que balançaram as redes em três edições de Mundiais. Ao todo, apenas sete deles estão em atividade. Além de Keisuke Honda, estes são são Lionel Messi (Argentina — Barcelona), Luis Suárez (Uruguai — Barcelona), Cristiano Ronaldo (Portugal — Juventus), Edinson Cavani (Uruguai — Paris Saint-Germain), Javier ‘Chicharito’ Hernández (México — Los Angeles Galaxy) e Asamoah Gyan (Gana — NorthEast).

“Ele não é o tipico jogador japonês, fala muito. Não é problemático, é muito disciplinado. Diferente do comum, não tem medo de falar as coisas”, afirmou Hiroaki Sawada, correspondente de jornais japoneses no Brasil.

Honda em sua estreia pelo Botafogo, contra o Bangu, no Campeonato Carioca (Foto: Vítor Silva/Botafogo)

BOTAFOGO VIVE IMPACTO INTERNACIONAL

A recepção da torcida do Botafogo para Keisuke Honda, no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, repercutiu mundialmente. Os mais de 2000 torcedores que foram receber o japonês fizeram uma festa. Desde então, o Glorioso é alvo certo da imprensa — e, consequentemente, teve um considerável aumento de contato com a comunidade japonesa.

O site do clube, por exemplo, nunca recebeu tantas visitas de madrugada, horário que está de dia na Terra do Sol Nascente, já que os fusos horários são invertidos. A diretoria do Botafogo, inclusive, já trabalha para produzir uma versão do portal 100% nipônica para facilitar ainda mais as visitas das pessoas interessadas em Keisuke Honda.

De acordo com dados tirados do Google Trends, duas a cada 100 pesquisas envolvendo “Botafogo” na plataforma nos últimos meses vêm do Japão, o que representa o aumento do interesse dos nipônicos em entender mais o clube de Honda. Algo ainda mais interesse é que, no Camboja — país que Keisuke possui diversos projetos sociais e até chegou a assumir a função de treinador da seleção — 55 das 100 pesquisas feitas pela população são relacionadas ao clube de General Severiano.

Alguns personagens icônicos estiveram presentes na recepção de Honda, no aeroporto. Um exemplo foram cinco japoneses que vieram para o Rio de Janeiro apenas para ver o jogador. Todas elas estavam com a camisa do Botafogo e afirmaram que passariam a acompanhar e torcer para o Alvinegro por conta do meio-campista.

Japonesas carregam balões com a frase “Bem-vindo, Honda” no Galeão (Foto: Sergio Santana/LANCE!)

O outro foi com um jornalista chamado Hiroaki Sawada. Ele é correspondente de mídias japonês no Brasil e mora em São Paulo, mas foi deslocado para o Rio de Janeiro às pressas com a chegada de Keisuke Honda. Ele teria a missão, se a pandemia do coronavírus não tivesse paralisado as competições, de acompanhar o meio-campista e o Botafogo pelos próximos meses.

— Trabalho para várias revistas, jornais e mídias do Japão de forma freelancer. Um jornal, o The Hochi Shimbun, e uma revista, a Number, me pediram para cobrir a chegada do Honda e eu fui lá para o Rio. Moro em São Paulo desde 1986. Já viajei o Brasil todo atrás de futebol, já fui ao Rio mais de cem vezes, foi um prazer estar no aeroporto para esperar o Keisuke — afirmou Hiroaki à reportagem.

A contratação de um nome com impacto mundial causa isto e o Botafogo, ao estudar a contratação, pensou nessas consequências. Não à toa, o Alvinegro — e o próprio jogador — lucra com qualquer ação de marketing envolvendo Keisuke Honda. A relação dentro de campo ainda pode ser pequena, mas fora de campo o Alvinegro está cada vez mais oriental.

— A repercussão no Japão foi muito grande. O Botafogo é um dos quatro maiores clubes do Rio de Janeiro e está no G12 do país. No Japão, muitas pessoas acompanham o futebol carioca por conta do Zico. Com a chegada do Honda o nome do Botafogo ficou bem mais conhecido, com certeza. Saiu em vários lugares. Para nós é muito bom poder divulgar o futebol brasileiro a partir do Honda — completou o jornalista.

Se o Botafogo ficou mais conhecido do outro lado do mundo, muito disto se dá pelo tamanho de Keisuke Honda. Hiroaki Sawada afirma que o meio-campista é idolatrado no país por ser um jogador “fora da curva” do que geralmente o atleta japonês é.

— Na minha opinião, ele é um dos maiores jogadores da história do Japão. Ele jogou muito bem na seleção, mas tem um jogador que fez maior sucesso pelos clubes que passou, o Shinji Kagawa, jogou muito no Borussia Dortmund. Honda sempre jogou mais na Seleção do que em clubes. Com certeza ele é um dos melhores jogadores que já passaram por aqui. Ele se aposentou da seleção mas continua tendo muita popularidade pelo carisma dele. Ele não é o tipico jogador japonês, fala muito. Não é problemático, é muito disciplinado. Diferente do comum, não tem medo de falar as coisas. Talvez por isso que adorem ele. Agora ele diz que a meta é jogar as Olimpíadas. Pode ser difícil, mas ele já conquistou diversas coisas complicadas e calou a boca de muitos na carreira. Por isso que as mídias japonesas compram ele — finalizou.

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Sergio Santana
Dados e Jornalismo

Jornalista do LANCE!. Futebol além das quatro linhas. Tudo que é ‘aleatório’ também presta.